Conheça as histórias de mulheres que adotaram crianças
normalmente rejeitadas nas filas de adoção, por serem portadoras do vírus da
Aids. Uma é negra, outra tem deficiência mental. São três casos emocionantes,
três mulheres de coragem.
Na fila da adoção, crianças soropositivas são rejeitadas.
Mas o desejo de ser mãe se impôs a essas três mulheres, que enfrentaram o
preconceito e contam por que jamais se arrependeram dessa escolha.
Uma delas é negra, a outra tem deficiência mental e o garoto
foi rejeitado por outros pretendentes na fila de adoção. Além disso, os três
são soropositivos, o que, num primeiro momento, poderia espantar muitos
candidatos a pais.
Pelas estatísticas, dificilmente essas crianças conseguiriam
ser acolhidas numa família, mas elas contrariaram as estimativas e encontraram
um lar graças à força e à coragem de três mulheres, que não mediram esforços
para que essas crianças tivessem alguém para chamar de mãe.
Elas enfrentaram os amigos, a família, superaram todos os
preconceitos e decidiram adotar essas crianças que costumam ser as mais
rejeitadas entre as que aguardam a chance de ganhar um novo lar. Seus caminhos
se cruzaram no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, referência no tratamento
de HIV/aids no País. Conheça, aqui, a história de cada uma delas.
Dados do Cadastro Nacional de Adoção, da última
quarta-feira, apontam que há 5.215 crianças aptas a serem adotadas no País.
Dessas, 1.206 possuem algum tipo de doença (tratável ou não) e alguma
deficiência física ou mental. E 144 têm o vírus HIV.
Sociedade. A dona de casa Conceição Aparecida da Silva, de
47 anos, conheceu a filha Fernanda, hoje com 21 anos, quando ela tinha 7.
Conceição trabalhava como voluntária em um abrigo e era acompanhante da menina
quando ela ficava internada. Vítima de paralisia cerebral ao nascer e portadora
do vírus HIV, a criança não fala e não anda.
Fernanda morava no abrigo porque sua mãe trabalhava o dia
todo e não tinha como cuidar exclusivamente dela. O pai, um libanês, a
registrou como filha, mas nunca a quis. Foi embora quando ela tinha 2 anos.
Durante quase três anos, Conceição criou laços com Fernanda
porque dormia todas as noites com ela no hospital durante as internações.
Algumas vezes a levava para passar o fim de semana em sua casa para brincar com
seu filho, Diogo. "Ela não fala, não anda, mas a gente se comunica com
gestos, com o olhar. Me apaixonei por ela", conta.
O abrigo em que Fernanda vivia fechou e ela foi transferida
para Guaratinguetá (SP). Por causa da distância, Conceição não pôde continuar
vendo a menina, mas ligava com frequência.
Seis meses depois, Conceição recebeu uma ligação desesperada
do abrigo: a mãe de Fernanda havia morrido e a menina, deprimida, não queria
mais tomar a medicação anti-HIV.
"Peguei um ônibus e fui para lá. Ela estava super
debilitada. Ao me ver, ela abriu um sorriso que não dá nem para explicar. Peguei
ela no colo, a abracei e falei: 'Vou voltar para te buscar'."
"Fui ao fórum, levei toda a papelada e o juiz me deu a
guarda provisória por um ano. Ele queria ver se eu daria conta de cuidar de uma
criança especial."
Na semana seguinte, Conceição foi buscar a menina. Voltou
com ela no colo, com a sensação de dever cumprido. "Não poderia deixar
essa menina morrer doente e sozinha num abrigo."
Conceição diz que, num primeiro momento, enfrentou
resistência das pessoas. "Muita gente me censurou. Me chamavam de louca,
diziam que eu ia acabar com minha vida adotando uma criança doente."
Os anos passaram, as pessoas se acostumaram e Conceição não
se imagina longe dela. A única dificuldade, diz, é que Fernanda hoje é uma moça
teimosa que não quer mais tomar remédios. "Fora isso, minha filha é linda."
Aprendizado. A gerente de RH Patrícia*, de 40 anos, sempre
quis ter filhos, mas tinha dificuldades para engravidar. Perdeu dois bebês nos
primeiros meses de gestação e, por isso, entrou na fila de adoção. Antes,
porém, teve de convencer o marido. "Teve todo um processo de aceitação por
parte dele. Frequentamos grupos de adoção e conversamos muito até chegar nessa
decisão", diz Patrícia.
O casal se cadastrou na fila de adoção e fez as exigências
que a maioria faz: queria um bebê branco, saudável, o mais novo possível. Mesmo
com as exigências, o casal recebeu consultas sobre adotar crianças com alguma
deficiência, mas não quis. Três anos depois, adotaram Guilherme*, o primeiro
filho, saudável. "Quando ele chegou, com apenas 9 meses, meu marido se apaixonou.
Eu estava pronta para ser mãe e ele, para ser pai", diz.
Um ano depois, porém, o casal decidiu que Guilherme teria um
irmão. Patrícia e o marido voltaram a se candidatar, desta vez sem restrições.
A única exigência é que queriam uma criança mais nova do que Guilherme.
Assim, o processo correu mais rápido. O casal recebeu uma
ligação em que ofereciam Eduardo*: um bebê de 11 meses, portador do vírus HIV.
O casal foi ao fórum conhecê-lo, o marido de Patrícia mais uma vez se
apaixonou, mas eles não o levaram para casa porque outra pessoa disputava a
guarda da criança.
Dois meses depois, o marido de Patrícia sonhou com Eduardo.
Ele tinha de adotá-lo. O casal ligou no fórum para ver se o bebê ainda estava
disponível. Estava. O processo estava parado porque o bebê fora internado.
"Meu marido falou: 'Nosso filho está sozinho, internado, sem ninguém para
cuidar dele. Vamos buscá-lo'", contou Patrícia.
Sem pensar duas vezes, o casal correu para o fórum e deu
entrada na papelada pedindo a guarda de Eduardo, mesmo sabendo que ele estava
com a saúde debilitada. "Se pudéssemos dar um dia de vida em família para
essa criança já estava bom", diz.
Patrícia e o marido enfrentaram resistência dos familiares,
que achavam que a adoção de uma criança doente ia expor o outro filho deles a
uma possível "perda precoce". No primeiro ano pós-adoção, Eduardo foi
internado com frequência e teve de receber sangue oito vezes.
Hoje, aos 6 anos, o garoto toma três comprimidos a cada 12
horas e faz acompanhamento de quatro em quatro meses. "Era para ser. Ele
nos ensina muito mais do que nós a ele", diz Patrícia, que pensa em adotar
uma menina.
*Os nomes foram trocados
Abandono. Era o fim de uma madrugada fria de 1998 quando a
aposentada Rosa Maria Alvarenga, de 63 anos, ouviu vários tiros no bairro onde
mora, na zona leste de São Paulo, e resolveu sair de casa para ver o que estava
acontecendo.
Descobriu que os vizinhos, que eram envolvidos com tráfico
de drogas, haviam sido assassinados dentro de casa, na presença dos três filhos
pequenos: uma menina de 7 meses, um menino de 5 anos e outro de 7.
As crianças choravam assustadas e, então, Rosa não pensou
duas vezes: pegou a neném no colo, agarrou as outras duas crianças pelas mãos e
as levou para sua casa. "Fiquei com medo que os bandidos voltassem para
terminar o serviço."
Rosa, que já tinha três filhos adultos e nove netos, decidiu
então que cuidaria daquelas crianças enquanto os avós não fossem buscá-las.
Cinco meses após a tragédia, as duas avós apareceram para
buscar as crianças, mas não da forma como Rosa imaginava. Elas decidiram quem
ficaria com cada um dos meninos, mas rejeitaram a menina - Luana - porque ela
era soropositiva. "Nenhuma delas quis levar a menina por causa da doença.
Foram embora e raramente os irmãos entram em contato com a Luana. Eu não podia
abandonar uma criança só porque ela tem uma doença", diz Rosa.
Adoção. Diante do abandono das avós, a aposentada continuou
cuidando de Luana informalmente, como se fosse uma filha legítima.
Com o tempo passando, porém, Rosa percebeu que era preciso
regularizar os documentos da menina, até mesmo para poder viajar e dar
continuidade ao tratamento contra o HIV.
Decidiu, então, ir ao fórum para pedir a guarda de Luana. O
juiz chamou as duas avós para confirmar se elas realmente estavam abrindo mão
da criança e, diante da resposta positiva, passou a guarda definitiva a Rosa,
que recebeu apoio total da família quando tomou a decisão de adotar a menina.
"Foi muito rápido e fácil."
Desde então, Rosa criou Luana como filha legítima, mesmo
sobrevivendo com uma renda de 1 salário mínimo por mês. A menina a chama de
mãe, mas sabe de toda a sua história - embora não tenha recordações do dia
porque era um bebê.
Por conta da doença, Luana teve de ser internada em várias
ocasiões - em uma delas ficou por quatro meses no hospital.
Ela também precisa tomar 16 comprimidos por dia para
controlar a evolução do vírus. A menina é acompanhada no Instituto Emílio
Ribas, onde faz os exames frequentes. "Ela está super bem, tem gente que
nem acredita. Às vezes ela não toma os comprimidos direito, joga fora escondido
de mim. Ela é um pouco teimosa, mas é minha princesa", diz Rosa.
Aniversário. Luana, que hoje tem 14 anos, sempre foi ótima
aluna e nunca repetiu de ano. Na escola, os professores sabem da sua condição
de saúde e avisam Rosa quando acontece alguma coisa. "É uma aluna exemplar
e nunca deu trabalho", diz a mãe.
Rosa diz que hoje em dia a menina não pensa em outra coisa
que não seja a festa para comemorar seus 15 anos, em setembro. O evento,
programado para 150 convidados, será feito em um salão de festas do bairro, com
direito a bufê e valsa.
"Paguei o aluguel de parte do salão e já tem até o DJ.
O cabelo e a maquiagem ela ganhou de uma vizinha, que tem um salão de beleza. A
maior preocupação dela agora é que roupa usar no grande dia", diz a mãe.
"Somos super companheiras. E sou capaz de fazer qualquer coisa pela
felicidade da minha filha."
Fonte: O Estadão
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