– Minha mãe fala que é feio eu
falar palavrão e que não posso beber, pois sou uma “lady”. E quando pergunto a
ela: “Mas e os meninos, eles podem?” Ela me responde que também não é legal
eles fazerem. Mas como são meninos, né, um pouco tudo bem, faz parte!
A outra menina diz:
– Na escola não podemos usar
regatas ou shorts, porque isso distrai os meninos! Eles podem no dia de calor
estar de bermuda e regata, mas eu não, pois sou menina e vou causar algo em
alguém!
Essa é uma parte mínima de uma
conversa ampla entre duas amigas adolescentes e que, por um acaso, pude
presenciar. Elas estavam muito reflexivas e incomodadas. Citavam vários
exemplos para tentar expressar a tamanha indignação que sentiam.
Primeiro, prestei atenção nos
exemplos: nenhum era novidade. Notei que os aqueles exemplos dados por elas
eram situações diversas e, muitas vezes, corriqueiras.
Depois comecei a somá-los em
minha mente. Eram muitos e isso começou a gerar certo desconforto. Aí percebi
que quase todos os exemplos traziam consigo um ponto, eram cenas comuns. Era
comum. É comum as meninas ouvirem e aprenderem que algo é legal ou
compreensível para meninos, mas que para elas não é, com um único argumento:
você é menina!
A reflexão daquelas duas
adolescentes me intrigou. Fiquei pensando em cada exemplo e percebi algo muito
íntimo, delicado, com tamanha força, obviedade e impacto a respeito da
desigualdade entre meninos e meninas:
Ela é ensinada pelos pais e pelas
escolas. Isto é, muito antes de alguém agir desrespeitosamente alguém, assim
como, permitir ou achar normal ser desrespeitada. Essas pessoas, meninos e
meninas, homens e mulheres, aprenderam com suas bases orientadoras de vida que
deviam agir assim. Aprenderam durante a formação intrapsíquica de seu EU, que a
desigualdade faz parte de sua essência.
As mulheres vem falando,
gritando, cantando, brigando e lutando por seus direitos. Esses movimentos
pedem por um direito básico: o respeito.
Há ainda quem ache que essa luta
é exagero, dramatização ou invenção; que esta “tal desigualdade” não existe,
pois não faz sentido para eles, já que acreditam que não agem ou pensam com
desigualdades; essas pessoas não conseguem perceber seus atos ou ouvir suas
próprias palavras, apenas seguem aquilo que aprenderam. E costumam se expressar
mais ou menos assim:
“Eu respeito as meninas, mas elas
tem que se fazer respeitar também, como quer isso com aquela roupa? Ou saindo
sozinha? Com este decote? Se querem ser respeitadas devem agir como meninas”
Mas o que é agir com uma menina?
Esse pensamento faz parte de
homens e mulheres, que apenas seguem conceitos e tabus sociais.
A sociedade diz que:
Meninas sentam de pernas
fechadas, não saem sozinhas, muito menos à noite, não usam roupas curtas, não
falam palavrão, são simpáticas até com quem as desrespeita, não bebem, devem
admirar a força que os meninos tem, devem buscar um menino (um homem) na vida
para estar segura, para que saiba que é bonita, amada e não “ficar para titia”,
deve entender que homens traem, que faz parte dos hormônios deles, mas que se
elas tiverem uma relação extraconjugal não merecem respeito. Meninas devem se
sentir lisonjeadas quando são chamadas de gostosa e delicia, por um menino, um
homem ou pelo amigo de seu pai; não devem sair por aí se expondo ou falando
sobre os abusos que sofrem no dia a dia.
Com esses “conceitos” e “regras
sociais”, pais e escolas, acham que estão ajudando e educando as meninas,
ensinando-as que os meninos são assim e elas devem entender e se proteger.
Já os meninos aprendem que:
Podem falar o que pensam, querem,
quando querem, falam palavrão, xingam, bebem, fazem baderna, não resistem às
mulheres ou as meninas (sendo elas quem forem, suas irmãs, amigas, professoras,
alguém desconhecida…), “são os hormônios”, todos dizem, é coisa de menino, de
homem; eles chegam nas baladas agarrando as meninas e quando elas dizem não,
são ofendidas. Afinal, como uma menina vai recusar esta “honra” de ser agarrada
por ele, de fazer parte de sua lista? Meninos fazem lista (das mais bonitas,
gostosas, feias, das que pegam, das que devem esculachar…); são poderosos, são
heróis, crescem ouvindo que devem proteger as meninas, pois elas são frágeis e
quando crescem acham que tem poder sobre elas e que elas lhe devem algo por isso.
Eles tem o direito de “cantar” as meninas na rua, seja ela, bonita, gostosa,
alta, baixa, de roupa curta ou comprida.
É importante deixar claro que,
com esse texto, não quero em nenhum momento dizer que menina é melhor que
menino ou que meninos não são legais. Não me refiro a isso. Estou aqui propondo
uma reflexão sobre a imposição de tabus, regras e conceitos que os pais, as
escolas e a sociedade impõe sobre os gêneros e que, com este tipo de educação,
esquecem de ensinar o mais importante: o respeito a si e ao outro.
Para mim, a base dessa
desigualdade, principalmente em relação às mulheres, vem daí.
Estou aqui fazendo um alerta aos
pais e escolas: vocês estão equivocados na educação das suas crianças e
adolescentes. Cada vez que uma menina ouve que ela não pode fazer algo por ser
menina ela aprende que vale menos que um menino. Cada vez que um menino ouve ou
percebe que seus atos são justificados por ser menino, ele aprende que é mais
do que qualquer menina/mulher.
Os meninos devem aprender e saber
que vão sentir, sim, atração pelas meninas (assim como elas sentem por eles) e
que isso não lhes dá o direito de falar como querem, de tocarem nelas sem seu
consentimento ou de achar que ela é frágil e ele o herói da sociedade.
As meninas devem aprender que podem
ser elas mesmas, usar o que gostam, seguir as mesmas regras e direitos que os
meninos. E que, quando desrespeitada, não deve se calar ou mudar seu jeito, mas
sim, deve denunciar.
Pais e escolas: prestem atenção
nas falas que usam com seus filhos e alunos! Prestem atenção nas regras que
vocês determinam. Elas estão equivocadas. Prestem atenção ao movimento que o
mundo vem alertando por uma igualdade de direitos entre os gêneros. Prestem
atenção nas suas falas e se elas sugerem que alguém pode ou não pode, deve ou
não deve fazer algo porque é menina ou menino. Seu método de educar precisa ser
revisado urgentemente.
E o erro está no fato de que suas
técnicas, palavras, regras e boa intenção transformam as meninas em alvo,
transformam as meninas em pessoas que devem aceitar que serão desrespeitadas e
por isso devem temer os meninos ou atacá-los (para se defender).
E, ao mesmo tempo, ensinam que os
meninos podem fazer isso mesmo, pois faz parte de “ser menino”. A permissão
social, dos pais e da escola, é compreendida e, assim, os valores transmitidos
aos pequenos fica limitada e baseada, apenas, na desigualdade de direitos e
deveres entre os gêneros.
É hora de sociedade como um todo
refletir e rever a forma de educar. Precisamos aprender a como educar sem
segregar. Penso que é a partir daí que teremos uma oportunidade real de
mudança.
Fonte: (Raquel Baldo Vidigal) HuffPost
Nenhum comentário:
Postar um comentário