Ansiedade, perda de contato com
pessoas próximas, sentir-se mais feliz na vida virtual que na realidade, se
preocupar com as curtidas e compartilhamentos de uma foto, e deixar de
aproveitar os momentos da vida para postar uma selfie são alguns dos sinais de
que você está passando do limite. Uso abusivo do celular pode se tornar um
transtorno psicológico, chamado nomofobia, que pode desencadear em depressão,
alertam os especialistas.
De acordo com a psicóloga do
Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP
(Universidade de São Paulo) Dora Goes, o abuso do uso de celular pode se tornar
um transtorno, conhecido como nomofobia, do inglês “no mobile phobia” (medo de
ficar sem o celular). O excesso não está relacionado ao tempo em que a pessoa
fica no aparelho, mas aos prejuízos que o uso acarreta na vida.
— Muita gente usa o celular o tempo
todo, mas ainda tem o controle da situação. Quando ela coloca em risco alguma
atividade que faz ao usar o celular, quando não consegue se concentrar em
outras atividades por estar focada no que está acontecendo no aparelho, aí já
pode ser um problema.
Dora ainda explica que o
transtorno é percebido quando o uso do celular passa a ter prejuízos na vida da
pessoa. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 2014, 62,5
milhões de pessoas acessam a internet pelo celular no Brasil. Ainda de acordo
com o estudo, esse número aumentou mais de 20 milhões de 2013 para 2014. O
estudo mostrou que, mesmo em casa, 52% das pessoas continuam acessando a
internet pelo celular.
O pesquisador do Instituto
Delete, empresa dedicada a orientar e informar à sociedade sobre o uso
consciente das tecnologias, Eduardo Guedes afirma que a principal causa para o
abuso no uso do celular é a ansiedade.
— Muitas pessoas usam o celular
como muleta, porque se sentem sozinhas, e veem o celular como companhia. São
ansiosas, têm pânico, e o celular faz o contato com o mundo.
Para o pesquisador, o principal
problema é a substituição da vida social pelas relações virtuais, e isso se
torna um círculo vicioso, que se agrava cada vez mais.
— Tivemos uma paciente
extremamente ansiosa que trocou o vício do cigarro pela tecnologia. Ela teve
problemas pulmonares por causa do cigarro e trocou o vício. Ela começou a jogar
a fazendinha do Facebook, mas o grau de dependência era tanto, que se ela tivesse
problemas de conexão com a internet, ela ia para a LAN house mais próxima à
casa dela para fazer a colheita na hora certa.
De acordo com a psicóloga, os
mais jovens, entre 13 e 25 anos, são os mais propensos a desenvolver o vício,
idade na qual a opinião dos outros ainda é muito influente. Segundo dados de
2013 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 66% da
população brasileira acima de 10 anos possuía telefone móvel.
Guedes ainda afirma que o uso
abusivo das redes sociais acontece porque falar de si mesmo gera prazer.
Segundo ele, em uma conversa normal, falamos de nós mesmos 30% do tempo. Nas
redes sociais, falamos de nós cerca de 90% do tempo. E isso é alimentado pelas
curtidas e comentários dos outros usuários.
Na visão da psiquiatra da USP,
além do prejuízo social, das relações interpessoais, outra consequência
negativa é a alteração do padrão do sono.
— As pessoas simplesmente não
desligam o celular. Tem gente que dorme com o celular debaixo do travesseiro
pra ver as mensagens durante a noite. Por isso, a alteração do padrão do sono
também se caracteriza como sintoma, e mais do que isso, como consequência,
porque isso afeta todas as demais atividades que a pessoa faz.
Consequentemente, tudo se torna
uma cadeia de prejuízos, explica Dora. Já que, além de dormir mal, a pessoa
acaba produzindo menos, seja no trabalho ou na escola, porque não teve um sono
reparador. Falando em outras atividades, um dos maiores perigos é o trânsito,
não só pelo fato de poder acabar dormindo ao volante, mas também pelo fato de
não parar de ver mensagens enquanto dirige.
Além do vício e do padrão do
sono, a psiquiatra explica que outras consequências da nomofobia podem ser a
falta de concentração, problemas de visão (por causa da exposição à tela),
sedentarismo, tendinite, problemas na coluna por causa da postura, e até na
alimentação.
— O vício em tecnologia pode
mascarar a depressão. Normalmente, a pessoa se sente mal por algum motivo
externo e começa a se esconder nas redes sociais. O problema é que isso acaba
virando um círculo, porque ela se isola ainda mais e se sente mais sozinha, e
isso continua.
“Mostrar é mais importante do que o viver”
Dora acredita que as pessoas
desaprenderam a viver. Para a psicóloga, muitos viraram reféns de curtidas e
compartilhamentos.
— Ao invés de serem felizes, elas
querem mostrar que são. O mostrar passou a ser mais importante do que o viver
ou fazer. Isso faz com que a pessoa tenha menos prazer em viver a vida.
A especialista dá o nome de
sociedade do espetáculo para este fenômeno. Para ela, as pessoas se sentem mal
com a vida que têm, e precisam mostrar o que estão fazendo para agregar valor
ao que fazem.
— Para mim, há uma deturpação do
que agrega valor à vida ou não. Mas isso é retroalimentado, porque, quanto mais
eu mostro, mais os outros querem ver. As pessoas deixaram de desfrutar do
momento para postar. E fica um buraco, uma falta de sentido, e os likes e
comentários preenchem esse vazio. Aí, quando vem o vazio de novo, eu posto
outra vez. A pessoa se torna extremamente dependente da opinião dos outros. A
noção de felicidade é instantânea.
Dora Goes ainda ressalta que quem
convive com a pessoa que exagera no uso do celular percebe melhor a
dependência.
— A pessoa até sabe que usa
muito, mas normalmente perde o senso crítico de que está exagerando. Por isso,
quem está convivendo com a pessoa percebe melhor e deve procurar ajudar.
Segundo Guedes, a questão é que,
normalmente, se percebe quando o vício já está no último estágio, do conflito
com pessoas mais próximas.
— Por isso que é importante o
trabalho de conscientização para a prevenção. Porque o uso do celular ainda é
socialmente aceito. Se você está no trânsito e vê alguém bebendo enquanto
dirige, você se incomoda, mas se você vê a pessoa no celular ou digitando uma
mensagem, ainda não é visto como um problema.
Fonte: R7
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