Quase 3 milhões de universitárias já sofreram algum tipo de
violência de gênero no Brasil. Um total de 1,6 milhão de estudantes deixaram de
fazer atividades em suas universidades por medo de ser vítima de violência.
Não, a violência dentro do ambiente acadêmico está longe de ser um ‘fato
isolado’, como uma CPI realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo
(Alesp), há quase um ano, demonstrou com dados e depoimentos.
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP), Ana Flávia d’Oliveira não estava preparada para ouvir o que
ouviu durante uma das audiências realizada na Alesp. A direção da USP tentou
impedir os trabalhos da CPI, que em sua conclusão apontou que a instituição
pode ter tido 112 estupros nos últimos dez anos, um número assustador.
“Qual não foi a minha surpresa, trabalhando há 21 anos com
isso, quando no ano passado fui surpreendida por casos graves de estupro,
cometidos dentro da minha faculdade, cometidos pelos meus alunos contra as
minhas alunas, e eu não sabia”, explicou a docente, durante o fórum Fale sem
Medo, realizado pelo Instituto Avon em dezembro passado.
Foi nesse evento que a pesquisa Violência contra a mulher no
ambiente universitário, feita pelo Instituto Data Popular, foi divulgada. O
levantamento foi realizado entre os meses de setembro de outubro de 2015, junto
a 1,8 mil estudantes de graduação e pós-graduação em universidades de todo o
Brasil, a maioria com idades entre 25 a 35 anos.
Aqui algumas conclusões da pesquisa:
-> 1,6 milhão de mulheres já deixaram de fazer algo na
universidade por medo de sofrer violência;
-> 1,2 milhão já sofreram violência sexual;
-> 2,4 milhões já sofreram assédio sexual;
-> 2,3 milhões já sofreram agressão moral ou psicológica;
-> 2,1 milhões já sofreram desqualificação intelectual;
-> 830 mil já sofreram coerção;
-> 437 mil já sofreram violência física;
-> 42% das universitárias sentem medo de sofrer violência
no ambiente universitário;
-> 56% das estudantes de universidades já sofreram algum
tipo de violência;
-> 38% dos alunos homens admitem ter praticado algum tipo
de violência contra as mulheres.
Ana Flávia d’Oliveira falou por 10 minutos às presentes, uma
maioria ampla de mulheres presentes na plateia. Para a professora da USP, as
universidades estão falhando em formar pessoas que “têm responsabilidade
perante a sociedade”. Mais do que isso: a quantidade e frequência de casos de
abuso sexual contra universitárias expõe uma impressão equivocada da realidade
brasileira.
“Nós ainda temos o mito de que o estuprador é um homem
negro, pobre, na periferia, em um beco escuro. Nós não vemos o estuprador como
um homem jovem, branco, rico, na graduação, graduado, pós-graduado. Nós temos
recebidos relatos de orientadores de pós-graduação, de mestrado e de doutorado,
alunas com bolsa Fapesp, sendo coagidas durante o seu percurso, e quem já
passou por isso sabe o quão difícil isso é”.
O reitor da USP, Marco Antonio Zago, alegou aos deputados
estaduais em 2014 que a violência registrada dentro da universidade é “reflexo
da sociedade”. Para Ana Flávia d’Oliveira, posicionamentos como esse não podem
ser aceitos como ‘desculpa’ para uma triste realidade de décadas – a docente
ressalta que grupos de mulheres foram formados para dar acolhimento às vítimas,
que têm de lidar com estatutos ultrapassados, “dos tempos da ditadura”, para
ver os seus agressores punidos.
“É responsabilidade da universidade formar essas pessoas.
Não é desculpa pra mim dizer que ‘a universidade é reflexo da sociedade’: ‘a
sociedade é machista’, ‘homofóbica’, ‘a sociedade é racista, então a sociedade
também é’. A universidade não pode ser, e se ela o é, então ela tem que se
rever”, afirmou ela, arrancando aplausos do público presente, estimado em 500
pessoas.
Tão importante quanto a explanação da professora da USP foi
o que disse, no mesmo evento, o educador, militante e teórico cultural
americano Jackson Katz:
“Quando homens apoiam a não violência contra a mulher, somos
ainda mais fortes (...). Eles também são vítimas da violência, e muitos deles
não têm coragem de falar. Daí o papel da liderança dos empresários, atletas e
políticos na disseminação de uma mensagem que coloque a mulher no centro de uma
sociedade inovadora, multicultural e diversa sexualmente”.
Apesar das inúmeras denúncias feitas ao longo da CPI na
Alesp, e envolvendo outras universidades além da USP, apenas um dos dez casos
na FMUSP levados ao conhecimento dos parlamentares e do Ministério Público
(MP-SP) transformou em réu um dos acusados de estupro. Em tempos de reinício de
aulas em universidades de todo o País, a discussão diante de um problema tão
grave é permanente.
“Não vamos nos calar”, sentenciou Ana Flávia d’Oliveira.
Fonte: Brasil Post
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