(Duke, Jornal O Tempo)
Deve ser assustador para uma
pessoa que cresceu no seio da tradicional família brasileira, foi educada em
escolas com métodos e conteúdos convencionais e espiritualizada em igrejas e
templos conservadores, conviveu em espaços de socialização que não questionam o
passado apenas o reafirmam e, é claro, assistiu a muita, muita TV, de repente,
ser bombardeada com novas “regras” e “normas” de vivência, diferentes daquelas
com as quais está acostumada.
por Leonardo Sakamoto no Blog de
Sakamoto
Ouvi um desabafo sincero do pai
de uma amiga que não entendia como as coisas estavam mudando assim tão rápido.
Ele reclamava que tirar uma da cara do “amigo que era mais gordinho” era só
“coisa de criança” e não bullying passível de punição. “A sociedade está
ficando muito chata”, disse desconsolado.
De repente, contar piada de
“bicha” ou “sapatão” deixa de ser legal. Zoar com “preto”, passa a ser crime.
Tirar onda com “traveco” é mal visto. Cutucar o “mendigo” e o “índio” é
proibido. De uma hora para outra, a lei de deus não é mais a única a iluminar o
caminho, as mulheres reclamam do direito ao próprio corpo e à dignidade, os
mais pobres e os mais jovens querem ser ouvidos e ter sua fatia no bolo.
Ou seja, para essa pessoa, o
Manual de Usuário do mundo, que ela recebeu, em fascículos, ao longo da vida,
de repente é chamado de ultrapassado.
Imagine como pode ser angustiante
descobrir que a fotografia do mundo que você achava que havia compreendido, na
verdade, está incompleto.
Ou melhor, imagine descobrir que
te ensinaram coisas erradas, mantendo a desigualdade e injustiça, em nome de
uma suposta estabilidade social.
A partir do momento em que você
percebe que há algo errado no que sempre te ensinaram, pode se abrir para as
dúvidas e tentar entender a complexidade e pluralidade das coisas ou se trancar
ainda mais, abraçando os dogmas com os quais você estava acostumado, como um
náufrago se agarra a uma boia com medo de se afogar.
Isso ajuda a explicar parte do
prestígio de personagens como o bilionário e pré-candidato republicano à
Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, ou a miríade de esquisitices
ultraconservadoras que habitam a fauna política brasileira. Percebam que não
estou falando de direita, mas do extremo do extremo – que chama a própria
direita de esquerda por estar fora da casinha.
Um cidadão médio dos EUA abraça o
discurso violento e extremamente conservador de Trump. Ele se sente deslocado
neste mundo em que um negro é presidente (independentemente das políticas que
não adote para melhorar a vida dos negros), em que o Estado tenta implementar
algumas (mínimas) políticas sociais e no qual o controle de armas é discutido
abertamente diante da profusão de massacres e chacinas. Esse cidadão quer de
volta o mundo que lhe ensinaram desde pequeno. Quer um porto seguro.
Muita gente que defende o passado
com unhas e dentes tem medo de algo diferente porque foi preparado a vida
inteira para ser um guerreiro de valores repassados por instituições como
família, escola, igreja, trabalho, mídia. E nem sempre esses valores eram
inclusivos, democráticos, solidários. Nem sempre a própria pessoa refletiu se
eles valores faziam sentido para ela mesma.
Ou seja, é natural que sintamos
medo daquilo que não estamos acostumados. E, da mesma forma, é natural que quem
já tenha percebido que o mundo está mudando ao poucos sinta raiva ou decepção
diante daqueles que se esforçam para que as coisas não mudem. Ainda mais quando
a efetivação de direitos desse segundo grupo é ignorado e impossibilitado pelo
primeiro.
Esses políticos, sejam de fora ou
daqui, sabem falar diretamente com esse público que tem medo. Seus discursos
são simples, fáceis de serem entendidos. Usam um vocabulário e elementos
simbólicos que podem ser compreendidos por qualquer um. Quase uma sequência de
tuítes, como é o casos dos discursos de Trump. O público se sente contemplado e
abraçado – ao contrário de outros políticos que dizem defender o povo, mas
falam apenas com a classe média alta ou intelectualizada.
Não há fórmula mágica. Precisamos
de muita conversa e muita paciência. Não será no grito que a reflexão sobre a
necessidade de se abrir para o novo, ou seja, para uma situação em que a
dignidade de um número maior de pessoas seja contemplada, vai acontecer.
Xingar quem é reticente a
mudanças e a abandonar sua zona de conforto (mesmo que essa pessoa seja, ela
própria, uma das exploradas pela situação atual) não adiantará de nada.
E ignorar a sua existência apenas
manterá parte da sociedade nos braços daqueles que se beneficiam do sofrimento
alheio.
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