Cida Vieira
O Projeto
Diálogos pela Liberdade dá voz às mulheres que exercem a prostituição e abre espaço para ouvirmos delas quais são seus
maiores desafios e de que forma eles podem ser enfrentados.
Constatamos que a
discriminação e o preconceito são os maiores empecilhos ao diálogo, ao respeito
e a liberdade destas mulheres. A prostituição ainda é vista como vadiagem o que
associa o exercício de uma atividade à
uma imagem que desqualifica as mulheres e
abre portas para banalizar a violência, lhes negar direitos humanos e
restringir a cidadania.
Com
o objetivo de ampliar o debate e refletir sobre o estigma e idéias
preconcebidas que pesa sobre a
prostituição conversamos com duas mulheres, que há anos lutam para promover os
direitos destas pessoas.
Joice Oliveira começou sua luta por
direitos no Rio de Janeiro quando “achando que lá meus direitos estavam sendo
violados resolvi denunciar . Foi aí que conheci a DAVIDA. Eu, desde que comecei a trabalhar como
prostituta sempre fui assumida”.
Cida
Vieira é presidente da Aprosmig acredita
que
“ o fato das mulheres esconderem
a própria identidade gera mais
violência. Porque quando você grita, você vai para a rua seus direitos são
revistos. Muitas vezes as mulheres prostitutas abaixam a cabeça. A Associação
veio para isto: pra dizer, olha, eu tenho profissão, nós somos autônomas, nós
somos reconhecidas.”
PM- Quais são os principais problemas
enfrentados pelas mulheres que exercem a
prostituição nos hotéis da Guaicurus?
CV- Duas questões são fundamentais : direitos
humanos e cidadania e outra é a violência contra a prostituta no local de trabalho. Por ser mulher deveria ter seus direitos
humanos e de cidadã respeitados e paralelamente o reconhecimento de leis específicas
para mulheres que exercem a prostituição. Mas, por preconceito e estigma ela não está na
condição de mulher. Para a sociedade ela vive a margem. Não por ser mulher, mas
por exercer uma profissão que inclusive, já é reconhecida pela CBO.
O
que adianta você ter uma profissão que não tem espaço e fica clandestina? Então a discussão é esta: regulamenta, pois
já é ocupação e aí poderemos abranger as políticas públicas. Olha, rua tem que
ter banheiro e mais policiamento. Boate,
mulheres trabalhando? É proibido e é crime beber em lugar de trabalho. Então as
mulheres não têm que beber enquanto trabalham. Nos hotéis, adaptar as formas. Vem a
vigilância sanitária e outros órgãos responsáveis para higiene e segurança.
Muitas mulheres não seriam espancadas, violentadas como estão sendo agora. Mas
infelizmente a sociedade é machista.
Joyce Oliveira
JO- Os principais problemas são: valor das diárias; muito caras. A
higiene é precária. Trabalhamos com nosso corpo, pelo valor que a gente paga queremos
um hotel limpo e tem hotel que é muito sujo. Outra questão é a segurança. Nos problemas
com homens nos quartos os seguranças tem que ser melhor orientados em como conduzir a situação; tinham que ser mais qualificados para nos atender, nos proteger. Os gerentes tinham que ter um curso, saber
como tratar a mulher, porque eles têm que entender que é da gente que eles
ganham. Tem gerente de hotel que humilha muito a mulher. Já houve época que falavam
para a gente chegar aqui 5:30 da manhã. A gente ficava sentada no corredor com
homens andado e às vezes não davam chave para a gente. São questões muitos sérias que tem que ser
pensadas, que são pouco vistas
Como se dá o preconceito?
CV- O medo é tanto! Medo da família e suas repressões. Tanto a
igreja quanto quem contrata os serviços da prostituta acaba na rua
discriminando as meninas. A pessoa tem
aquele medo de se revelar, escondem a identidade profissional devido ao
preconceito da sociedade. Ela é uma
mulher, mas não pode aparecer como uma prostituta e aí se coloca à margem o que
gera mais violência. Aí ela vira uma pessoa submissa. Quando você grita seu
direito ninguém te faz submissa. Se entendêssemos que esta profissão é comum e
todas na rua lutando por seus direitos hoje não haveria assassinatos,
violências gravíssimas, violações de direitos. A sociedade iria nos respeitar.
JO- Eu como prostituta me senti
discriminada quando eu tive um problema em um
hotel onde estava
hospedada. Quando eu chamei a polícia e falei que era prostituta me senti
discriminada. E também quando o policial ameaçou chamar o conselho tutelar para
tirar minha filha eu armei a maior confusão.
Mas tudo isto porque sou prostituta; senti o peso bem na fala do
policial.
Eu
passei uma semana em Brasília e fiquei chocada com o tratamento da Ministra, do
Congresso, dos deputados, com tudo. Quando por
exemplo, se fala que o marido matou a mulher todo mundo fala “coitadinha
da mulher”, mas se você fala que um homem agrediu uma prostituta “ela que se
dane, é prostituta ela está lá porque ela quer”. Ninguém se espanta com uma
agressão a uma prostituta. Mas se torna uma agressão a mulher.
Existe possibilidades de um dia as mulheres
saírem para as ruas para reclamar seus direitos?
CV- Devido ao preconceito as mulheres
têm medo de serem reconhecidas e isto dificulta que se associem para
reivindicar direitos. Se as pessoas se
conscientizassem que esta atividade é um trabalho e elas mesmas se movimentassem,
conscientizassem que nós somos um movimento social reconhecido a violência diminuiria.
JO- Poucas mulheres têm coragem de
lutar por seus direitos como prostituta. Eu desde que comecei a trabalhar como
prostituta sempre fui assumida. Só que muitas mulheres têm vergonha e medo de
assumir o que são. Como se alguém tive alguma coisa haver com a vida delas.
Então eu acho assim, desde que algumas mulheres começam a se encorajar,
empoderar e tomar conta de si e entender que aquilo é um direito delas, que não
estão fazendo nada de errado, acho que mais associações serão criadas. Porque
as mulheres vão estar mais empoderadas para lutar por seus direitos e vão
fortalecer outros vínculos. Aqui em BH tem muitas prostitutas e aqui é uma capital que precisa de uma associação empoderada, não
pode ser uma associação só de nome. Por
exemplo, com relação às diárias altas a melhor solução seria cobrar entrada nos
hotéis, mas para diminuir as diárias. Não adianta cobrar entrada e não diminuir
as diárias. Hoje o hotel mais barato
aqui é R$150,00. Então é caro.
Sobre a regulamentação
JO- A PL está parada em Brasília há dois
anos esperando uma posição e nada é feito. Do meu ponto de vista, como
prostituta não sou a favor da PL. Acho que a PL tinha que ser revista, até
porque quando foi constituída não foi só por prostitutas. Tinha mais acadêmicos.
A gente quer fazer alterações, mesmo tendo em vista que isso não vai mudar,
porque as chances da PL ser aprovada são mínimas. Hoje a Rede Brasileira de
Prostitutas está articulando uma carta para chegar até o Congresso. Vamos ter um encontro nacional em novembro em que
vamos refazer o projeto de lei,
escolhendo um parlamentar para apresentar em Brasília. O atual projeto propõe que os donos de
espaços de exercício da prostituição possam ficar com até
50%
do que a mulher fatura. Vamos entrar num acordo de 35%. A Rede, principalmente
a articulação Note- Nordeste, está bem
organizada e acreditamos que será possível fazer este acordo.
A PL não fala em assinar carteira, mas pode
ter a possibilidade. Eu senti em Brasília, na própria Secretaria dos Direitos
Humanos, no Congresso a discriminação com esta pauta de prostitutas. Então quando
a gente conseguir articular uma pauta certa e concreta eu vou pedir uma
audiência com a Ministra e pedir que a
prostituição entre na pauta da Secretaria dos Direitos Humanos e eles tem que
destinar verbas para trabalhar com prostituição. Porque a SDH fala que trabalhar com
prostituta é trabalhar saúde, HIV, mas quando é para trabalhar direitos eles
não querem. Se a gente pede uma verba para fazer mapeamento de violação de
direitos humanos eles não querem. É uma forma de preconceito. Eles têm que
saber que nós temos direitos e deveres, que a gente tem que entrar na pauta
deles como mulher com nossos direitos. Tem que ter outras políticas públicas e
argumentos para trabalhar com isto.
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