A Lei Áurea extinguiu em 1888 o
trabalho escravo no Brasil. A partir da assinatura feita pela princesa Isabel,
a exploração do homem pelo homem deixou de ter o aval do Estado brasileiro. Em
320 anos, o Brasil traficou cerca de 3,5 milhões de pessoas - a imensa maioria
negros vindos da África, além dos índios que já habitavam o País quando ele foi
descoberto. Porém, o tráfico de seres humanos, não legalizado, continua
tornando pessoas em produtos.
Segundo um relatório divulgado em
2014 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 21 milhões de
pessoas em todo o mundo são vítimas de trabalho forçado, tráfico e escravidão.
Por ano, o mercado movimenta mais de US$ 150 bilhões, sendo considerado o
terceiro meio ilícito mais vantajoso, atrás do contrabando de armas e de
drogas. As explorações sexuais (43%), remoções de órgãos (0,2%), e trabalhos
análogos à escravidão (32%) são alguns dos destinos das vítimas.
Mulheres, adolescentes, crianças,
indígenas e afrodescendentes em vulnerabilidade social, entre 10 a 29 anos, são
75% das vítimas do tráfico. O modus operandi é, de modo geral, sempre o mesmo.
As pessoas têm o primeiro contato com o aliciador, que faz propostas
aparentemente vantajosas, como melhores condições de trabalho. Na sequência, o
colaborador disponibiliza a documentação necessária para a viagem. Depois
disso, o transportador entra em ação, com a tarefa de conduzi-las ao destino.
Por fim, os cobradores são os responsáveis de exigir das vítimas o valor gasto
nos documentos e em outras tramitações, como hospedagem, alimentação e
passagem, que a exploração não cobre.
O Brasil é exportador e
importador de pessoas em situação de tráfico humano. O País possui 241 rotas de
fuga em todo seu território, sendo 28 no Sul. Destas, 131 são rotas internacionais.
Os principais destinos são Espanha (32 rotas), Holanda (11), Venezuela (10),
Itália (9), Portugal (8), Paraguai (7), Suíça (6), Estados Unidos (5), Alemanha
(5) e Suriname (5).
O diagnóstico preliminar sobre o
tráfico de pessoas no Brasil, apresentado em 2012 pelo Ministério da Justiça e
pelo Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (ONUDC), constatou 475
vítimas entre os anos de 2005 e 2011. Desse total, 337 sofreram exploração
sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo. Não há menção de tráfico de
órgãos. Os dados refletem a fragilidade das ações de repressão, pois é sabido
que o número de crimes e de vítimas é maior do que o contabilizado.
O tráfico não é um problema
apenas brasileiro, afetando todas as regiões vulneráveis do globo. Para
erradicar o crime, planos de enfrentamentos nacionais e internacionais, comitês
e outros mecanismos foram desenvolvidos. Além de encontrar as vítimas e punir
os negociantes, as políticas evitam que o tráfico aconteça, pois, após a
exploração, sequelas que inibem a reintegração das vítimas à sociedade são
desenvolvidas. Ou seja, essas pessoas não conseguem retomar a vida que lhes foi
tirada.
Tratado internacional baliza regras contra o tráfico
O Protocolo de Palermo definiu,
em 2003, que o tráfico de seres humanos é "o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou
uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao
abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação
de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra para fins de exploração". O texto diz ainda que
"a exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem
ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de
órgãos".
O documento é um instrumento
essencial para o combate ao comércio de pessoas. Contudo, as leis apenas
tipificam e punem as ações criminosas, mas não são capazes de efetivar o
enfrentamento sem uma mudança na sociedade, como afirma o professor de Direito
Internacional na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs)
e advogado do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados (Gaire) da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Gustavo Oliveira de Lima
Pereira. "Os mecanismos que o Direito pode implementar sempre são a saída
mais esperada. Por um lado, é um caminho interessante, mas, por outro, é um
esforço em vão, pois não terão como combater questões superiores a ele. O
Direito jamais conseguirá criar medidas suficientes se não houver uma reflexão
radical na racionalidade das pessoas."
Fonte: Jornal do Comercio (http://jcrs.uol.com.br/)
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