O presente artigo visa trazer
alguns elementos para discussão acerca do sexismo e racismo implícitos nos
contos de fadas com recorte para as princesas Cinderela e Tiana, haja vista que
a primeira é uma personagem clássica conhecida há mais de meio século, contribuindo
para imprimir na menina paradigmas de comportamento e beleza. Tiana, a primeira
princesa negra dos estúdios Disney é pobre, trabalhadora e passa a maior parte
do filme como rã impedindo que as meninas negras se identifiquem com a
personagem.
Os contos de fadas surgiram há
milhares de anos, sendo considerados pelos profissionais de Psicologia, deveras
importante para auxiliar na formação da personalidade da criança, bem como para
que ela tenha a percepção sobre si e sobre o mundo em que vive. Contudo, esses
contos foram paulatinamente sendo modificados para adaptarem-se ao modelo de
sociedade de cada período histórico, por conseguinte naturalizando a função de
cada indivíduo na sociedade de acordo com sua raça e gênero.
por [1]Simone Aparecida Jorge e
[2]Rosana Alves de Sousa Silva via Guest Post para o Portal Geledés
INTRODUÇÃO
A mulher na sociedade
capitalista, desde o nascimento, é educada para exercer determinado papel.
Conforme Beauvoir (1967, p. 09), “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A construção da identidade de gênero, já
se inicia logo nos primeiros momentos de vida, quando a menina em meio a um a
mundo “cor-de-rosa”, passa a ser tratada como a “princesinha do papai”.
Subjetivamente espera-se que essa
menina possua todos os atributos que em nossa sociedade são valorizados e
idealizados para a mulher: bonita, meiga, atenciosa, gentil, servil, submissa,
graciosa, prendada, e de preferência, branca. Em um país como o Brasil, em que
a população formada por não brancos, corresponde a 50,7%, segundo dados de 2010
do IBGE[3], deveria parecer estranho que personagens como Cinderela que há
muitas gerações têm imprimido no ideário da menina o paradigma de beleza,
fizessem tanto sucesso.
Observa-se que a todo o momento,
principalmente nos veículos de comunicação, é reforçado que para ser bonita é
necessário ser jovem, magra e branca. Nas revistas destinadas ao público
infantil, as princesas loiríssimas são as mais procuradas pelas meninas de
todas as raças e condições socioeconômicas.
As meninas de cor parda ou
negra, dificilmente preferem a princesa Tiana (única protagonista negra das
Princesas Disney), essa inclusive é difícil de encontrar, devido a pouca
demanda e de ser pouco (re) conhecida pelas crianças.
Se o objetivo dos contos de fadas
é desenvolver na criança potencialidades, criatividades e expectativas
positivas de um mundo melhor e mais equânime, pode-se questionar então, como a
menina negra conseguirá se projetar e se perceber enquanto protagonista de sua
vida? E como se sentirá capaz de ter um futuro com todas as possibilidades
apresentadas nessas histórias às meninas brancas?
Portanto, esse artigo tentará
explanar sucintamente que o racismo e o sexismo são socialmente construídos e
os contos de fadas servem como ferramentas para naturalizar essas duas questões
que ainda hoje são os principais pilares de desigualdades em nossa sociedade.
O patriarcalismo e o racismo servindo aos interesses do sistema
capitalista
Analisando o processo histórico
da sociedade brasileira, e através de bibliografia pertinente, é correto
afirmar que o sistema capitalista não criou as desigualdades que acometem
mulheres e negros em sociedades como a nossa. Porém, podemos dizer que esse
modo de produção baseado na exploração de uma classe sobre a outra, vem se
utilizando dessa ideologia para efetivar-se e fortalecer-se.
O Sistema Capitalista surgiu no
período em que os sociólogos e historiadores identificam como Idade Moderna.
Teve inicio no século XV, e podemos citar como principais acontecimentos, a
expansão marítima para a busca de novos mercados, crescimento das cidades (os
burgos), a formação dos Estados e Movimento Renascentista. Com a crise do sistema feudal, a
burguesia foi aos poucos se fortalecendo e após a Revolução Francesa e a
Revolução Industrial sob os ideais iluministas consolidou-se definitivamente
enquanto classe social dominante.
De acordo com Carmo (2007), o
capitalismo é marcado por relações assalariadas de produção. A burguesia detém
os meios de produção, e o trabalhador vende sua força de trabalho em troca de
um salário, no qual o excedente não pago serve para enriquecer o capitalista.
O Capitalismo, conforme a teoria
marxista discutida por Carmo (2007) pode ser comparado a um grande edifício, em
que a base é a economia e a superestrutura é formada pelas leis, filosofia,
política e cultura. Sendo que essa última é muito importante para os interesses
da classe dominante, pois quem domina economicamente, domina ideologicamente.
Desse modo, para servir aos
interesses de uma minoria, a sociedade vai delineando os indivíduos e
naturalizando situações que foram socialmente construídas como é o caso da
questão racial e do sexismo. São inerentes ao capitalismo as desigualdades
sociais, pois para que poucos enriqueçam, faz-se necessário que milhões estejam
vivendo em extrema pobreza.
A partir do que foi discorrido,
em síntese, podemos dizer que a sociedade capitalista, cria mecanismos que tem
por objetivo, ajustar a classe trabalhadora a esse modo de produção de forma
que ela não perceba e não conteste a exploração que sofre. Assim, a classe que
domina economicamente, poderá continuar a usufruir de forma individual das
riquezas que foram socialmente produzidas.
As Multifaces do Racismo
No Brasil, por muitos anos houve
o mito de democracia racial, ou seja, não existiam conflitos entre negros e
brancos, todos tinham direitos iguais, e se o negro não crescia socialmente era
devido à sua índole de preguiçoso. A política de branqueamento, do início do
século XX, tinha por principal objetivo clarear a população brasileira. Quanto
mais a pessoa tinha a da pele próxima à cor branca, mais chances ela teria de
ascender econômica e socialmente e ser bem aceita na sociedade.
Conforme Guimarães (2012), o
“embranquecimento” pode ser entendido como o processo em que os negros,
principalmente os intelectuais, foram assimilados à sociedade brasileira. Desde
o século XX é propagado o mito de democracia racial, que ainda de acordo com o
autor, é a ideologia em que não há embates e diferenças entre brancos e negros
e todos têm os mesmos direitos na sociedade.
Mas Saffioti (1987) pontua que se
isso ocorresse de fato, as estatísticas não denunciariam que os negros estão na
última colocação em acesso a politicas públicas de qualidade e tem os índices
de piores salários quando comparados ao branco.
Pode-se compreender essa
ideologia quando recorremos ao processo de formação da sociabilidade brasileira
e nos deparamos com as condições em que ocorreu a diáspora dos negros
africanos. O escravismo no Brasil surgiu para atender a lavoura de cana de
açúcar (século XVI), a mineração de metais preciosos (século XVII) e para a
plantação de café (século XIX). Porém, seu principal objetivo era obter lucro
devido ao alto valor comercial de sua venda.
Gennari (2008) afirma que o negro
era violentamente retirado de sua terra natal, separado de seu grupo étnico e
familiar, trazido em navios sem a menor condição de sobrevivência e tratado
como mercadoria. Ao chegar à colônia, sua identidade e cultura eram suprimidas.
Era difundido que “o ato de arrancar o negro de sua terra natal é apresentado
com um benefício para ele próprio como caminho para afastá-lo da barbárie e
levá-lo á civilização” (GENNARI, 2008 p.27). Além de toda essa perversidade
praticada contra o negro, ainda havia a tortura psicológica ao fazê-lo
sistematicamente acreditar que de fato ele pertencia a uma raça inferior.
Esse processo de colonização em
que a raça dominada era tratada como inferior surgiu a partir de teorias do
século XIX, que segundo Guimarães (2012), tratava-se de teorias em que tentavam
justificar que existem raças superiores a outras a partir de diferenças
biológicas e culturais.
O racismo, segundo o Caderno de
Direito a Igualdade idealizado pelo Geledés (2008), é um pensamento, uma
ideologia que naturaliza as desigualdades entre raças, pois, afirma que existem
de fato grupos étnicos ou raciais que são superiores a outros. Essa teoria veio
ao encontro dos interesses de países colonizadores europeus etnocêntricos, ou
seja, que acreditavam que era o centro do universo e caberia a eles levar ao
mundo sua cultura, pois se julgavam uma raça superior.
Quijano (2011) nos chama a
atenção que a Europa reconhece-se como raça superior, apenas no contato com a
América que eles chamaram de Novo Mundo. Para ele o eurocentrismo é como um
espelho que distorce a imagem refletida em que os colonizados se veem através
da imagem dos colonizadores.
A partir do que foi explicitado
acima, é fácil compreender o motivo de a população negra estar em situação de
vulnerabilidade em várias áreas. O negro que colaborou arduamente para
construir essa sociedade, não é valorado. Quando na ocasião da abolição da
escravatura, não houve políticas públicas para reinseri-lo na sociedade como um
cidadão brasileiro, muito pelo contrário, tentaram apagar de forma muito cruel
sua história e sua cultura. Os europeus vieram para substituir a mão de obra
escrava, pois havia uma necessidade de branquear a população.
Segundo Cunha (2013), se a
sociedade brasileira tivesse um “registro geral”, esse seria de um homem rico,
branco, heterossexual e com valores morais judaico-cristãos. Toda cultura que é
contrária a esse “registro geral”, não é considerado cultura pela minoria que
está no poder.
Por esse motivo é de suma
importância um resgate histórico do povo negro e ações afirmativas que possam
garantir a esses milhões de brasileiros o acesso aos seus direitos que foram
durante séculos cerceados injustamente.
Ser mulher: uma construção social
Pesquisas e estudos de teóricos
que abordam a temática sobre a questão de gênero apontam que a mulher em nossa
sociedade está em posição de inferioridade quando comparada ao homem, sendo
considerada naturalmente, o sexo frágil. Entretanto, de acordo com os escritos
do filósofo Engels em sua obra – A origem da propriedade privada, a família e a
propriedade privada – na história da humanidade, essa situação nem sempre foi
assim, pois há milhares de anos durante o período que corresponde a sociedade
primitiva, a mulher era tratada com igualdade e tinha liberdade sexual. Engels
afirma que até o início do século XIX os estudos sobre a família se limitavam
ao modelo patriarcal do Pentateuco ditado por Moisés. Explicita que com o
surgimento da sociedade de classes, da propriedade privada e da família nuclear
monogâmica, a mulher passa a ser tratada como sexo inferior e propriedade do
homem. Nesse contexto, era necessário garantir que as riquezas e a propriedade
privada se mantivessem dentro da família consanguínea, assim era exigida a
virgindade e a fidelidade da mulher.
Contrapondo a teoria de que a
emancipação feminina estaria diretamente relacionada com as lutas de classes, a
socióloga Saffioti (1987) analisa criticamente as sociedades socialistas e
chega a conclusão que o fim da exploração de classes não acabará com as
desigualdades de gênero. Para a autora, as revoluções socialistas ocorridas no
século XX, não cristalizaram o fim do sexismo porque as teorias marxistas
tinham como objeto de estudo a sociedade capitalista europeia que naquela época
era excessivamente racista e androcêntrica.
Destaca ainda que o homem
estabeleceu seu domínio sobre a mulher há aproximadamente seis milênios para
manter o poder e a direção da sociedade em suas mãos. Pois de acordo com a
autora, “o poder é macho, e é branco” (SAFFIOTI, 1987, p. 2).
No que tange às desigualdades de
gênero, a autora afirma que a identidade da mulher e do homem é socialmente
construída. À mulher cabe a socialização e os cuidados com os filhos e com o
lar. “A sociedade investe muito na naturalização deste processo. Isto é, tenta
fazer crer que a atribuição do espaço doméstico à mulher decorre de sua
capacidade de ser mãe” (SAFFIOTI, 1987, p. 9). Os seres humanos nascem machos
ou fêmeas e através da educação transformam-se em homens e mulheres. Assim,
“[…] A identidade social é, portanto, socialmente construída”. (SAFFIOTI, 1987,
p.10).
Destarte, é propalado que a
mulher constitui o sexo frágil, ou o segundo sexo, sendo considerada menos
inteligente que os homens, e até aquelas que trabalham exaustivamente na
lavoura, executando trabalhos pesados, acreditam nesse mito de inferioridade
física e intelectual (SAFFIOTI, 1987).
A filósofa francesa, Beauvoir
(1967) em seu clássico, O segundo sexo, também defende que a fêmea ao chegar ao
mundo, já o encontra preparado para o papel que deverá exercer nessa sociedade
patriarcal. Segundo ela em sua frase celebre, “ninguém nasce mulher: torna-se
mulher”. (BEAUVIOR, 1967, p. 9). A autora alerta que a menina é ensinada desde
muito cedo como deverá comportar-se. Deverá ser passiva, para ser considerada
feminina. Todo o universo da menina é propício para que ela compreenda seu
papel na sociedade e a maneira que deverá comportar-se: a família, as amigas, a
professora, as brincadeiras, as atividades domésticas, a literatura, as roupas,
os acessórios, o comportamento. Enfim, o necessário para que ela entenda o
motivo de estar nesse mundo.
Nos livros as grandes maravilhas
são realizadas pelo homem. São eles os grandes historiadores, generais,
filósofos, imperadores, conquistadores, teóricos, artistas, heróis. Nos livros
de histórias, poucas mulheres aparecem como heroínas, e mesmo quando são citadas,
estão sempre à sombra de algum homem. Sendo assim, ainda conforme a autora, a
mulher aprende que somente será feliz se for amada e aguardar o amor.
Personagens como Cinderela, Branca de Neve, e até as santas martirizadas
ensinam à menina que elas deverão passivamente esperar a felicidade e a
salvação.
Mas, se a mulher e negro são
categorias que sofrem discriminação nessa sociedade de ideologia patriarcal e
racista, a mulher negra é duplamente estigmatizada: por gênero e raça.
O sociólogo Aguiar (2007)
trabalha com a construção de hierarquias sociais para demonstrar essas
desigualdades intrínsecas ao capitalismo. Para esse autor, a mulher negra está
na última posição nessa hierarquia, uma vez que além da subalternidade ligada ao
gênero, há ainda a discriminação historicamente construída em relação a sua
condição étnico-racial.
Destarte, de acordo com pesquisas
a mulher negra ocupa as piores funções na sociedade e consequentemente tem os
piores índices de salários. Geralmente ela é relacionada com serviços que
remetem a subalternidade como empregada doméstica ou babá, ou tem sua imagem
ligada a sensualidade. Esses são estereótipos historicamente construídos desde
sua condição de escrava no período de colonização e que até hoje a sociedade
reproduz, dificultando à essas mulheres sua emancipação e empoderamento.
Considerando todo o arcabouço
teórico acima apresentado, Saffioti (1987) é trazida novamente para a discussão
da desnaturalização do processo de subalternidade da mulher. Em que afirma que
não é possível acabar com as desigualdades existentes nessa sociedade apenas
reduzindo essa problemática ao âmbito das classes sociais. Há necessidade de
debates que evidenciem as diferenças que sofrem as mulheres, particularmente a
mulher negra nessa sociedade patriarcal e racista principalmente que
possibilitem a seguinte reflexão: “Se foram socialmente construídas, podem ser,
também, socialmente destruídas, com vistas à instauração da verdadeira
Democracia” (SAFFIOTI, 1987, p. 117).
O conservadorismo expresso nos contos de fadas
Os contos de fadas são
imprescindíveis para o desenvolvimento do ser humano, especialmente na idade
que marca a infância. Identificar quando historicamente surgiram os contos
infantis não se sabe ao certo, mas há centenas de anos que são passados de
geração em geração.
A psicoterapeuta, Estés que
trabalha com contos de fadas para tratar patologias psicológicas, afirma que,
“os contos de fadas, os mitos e as histórias proporcionam uma compreensão que
aguça nosso olhar para que possamos escolher o caminho deixado pela natureza”.
(1994, p. 9).
A autora destaca que eles foram
com o tempo sendo deturpados para servir aos interesses da classe dominante. Um
exemplo segundo ela é dos irmãos alemães Grimm do século XVIII que viajavam
pelo mundo coletando contos de fadas, mas há uma teoria afirmando que esses
contos foram “purificados” devido à formação dos irmãos religiosos.
Com a massificação da cultura, no
século XX, o estadunidense Walt Disney adaptou para o cinema várias histórias
dos irmãos Grimm e do escritor francês do século XVII, Charles Perrault que era
considerado o pai dos contos infantis.
Dentre essas histórias, destacamos Cinderela que foi lançado em 1950,
após o sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões pelos estúdios Disney.
Narra a história de uma jovem
órfã que sofre todas as crueldades da madrasta e de suas filhas. Apesar da vida
extremamente difícil, já que vive praticamente em servidão, Cinderela é gentil
e resignada, até que surge a oportunidade de mudar sua vida ao ser convidada
para o baile de gala. Depois de muitos contratempos e maldades da madrasta,
Cinderela consegue ter um final feliz tão almejado ao lado de seu príncipe.
Ao compararmos com Tiana, do
filme, A princesa e o sapo, que é uma garota pobre, negra que vive na cidade de
Nova Orleans, o berço do jazz, na década de 1920, observa-se que no desenrolar
da história essa protagonista enfrenta situações muito perversas. Seu maior
sonho é ter um restaurante e para isso, seguindo os conselhos do seu pai,
trabalha incansavelmente para conseguir seu objetivo. Quando aparece um
príncipe e esse é transformado em sapo por um mago, tem a oportunidade de
realizar seu sonho, ao beijar o príncipe transmorfoseado. Porém, por ela não
ser uma princesa, também se transforma em rã e os dois juntos têm que encontrar
o antídoto para quebrar o feitiço. No final ela se casa com o príncipe e
consegue ter o seu restaurante.
É relevante ressaltar que, pelo
fato dessa protagonista tornar-se e permanecer como rã em muitos minutos no
filme, impede com que as meninas adquiram um reconhecimento com a personagem,
que diferentemente das heroínas tradicionais dos desenhos Disney são dóceis,
gentis e sempre lindas, mesmo que trabalhando na cozinha ou escondida na
floresta.
Além disso, torna-se pertinente
destacar a abordagem de Paulo Pachá (2013), em que faz uma crítica ao processo
de trabalho nas histórias de princesas da Walt Disney, que segundo ele, faz
apologia à subalternidade da mulher, ou seja, a maioria das personagens desses
contos desempenha alguma atividade doméstica nas histórias reproduzindo, dessa
forma, o papel que a mulher deve desempenhar na sociedade.
As psicólogas Belarmina, Borges e
Magalhães (2010), em pesquisa sobre princesas brancas dos contos de fadas e a mulher
negra da vida real, chamam a atenção ao fato de que há um racismo subliminar no
conto da Cinderela, uma vez que enquanto ela era a gata borralheira, seu rosto
era coberto de cinzas, na medida em que se apresenta no baile ao príncipe, sua
pele fica branca, ou seja, a branquitude é sinônimo de nobreza.
Sendo assim, parece importante
refletir sobre a posição da princesa negra, Tiana. Essa, aliás, mesmo
casando-se com o príncipe continua tendo que trabalhar em seu restaurante, uma
vez que o príncipe está financeiramente falido. No enredo ela é pobre e
desempenha vários trabalhos, dentre eles como empregada doméstica em uma casa
de família branca e rica denotando e reproduzindo hierarquia racial.
Os filmes que retratam contos de
fadas exercem um fascínio nas meninas de todas as idades e podem influenciar em
sua formação. De acordo com Buena (2012) no cinema e na literatura, a imagem de
princesa está relacionada a beleza e glamour. Apesar do contexto histórico dos
dois grupos serem bem diferentes, pois Cinderela foi produzida anterior ao
movimento feminista e Tiana ser do terceiro milênio, ambas continuam a
reproduzir algumas características que, segundo Pachá (2013), dão continuidades
a alguns estereótipos, como por exemplo, que a mulher só será feliz se tiver
como companheiro um príncipe que a salve.
Portanto observa-se que os contos
de fadas, tendo como recorte as histórias de Princesas Disney, reproduzem e
naturalizam as desigualdades de gênero e raça, reforçando o papel social e
hierárquico, que essa sociedade fundada nas desigualdades sociais e exploração
de classes, esperam que a mulher, particularmente, a mulher negra desempenhe.
Assim, essas histórias tornam-se um poderoso elemento nas mãos da classe
dominante, que parafraseando Saffioti (1987), é formada pelo grupo que há
milhares de anos vêm mantendo-se no poder: o macho branco.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que foi analisado, é
possível compreender que filmes de contos infantis servem aos interesses do
capitalismo, pois reproduzem expressões de racismo e sexismo em nossa
sociedade. Sem a pretensão neste artigo de apresentar somente os aspectos
negativos dos contos de fadas, pois entendemos que estes são muito importantes
para o desenvolvimento das crianças e também de adultos, dependendo do contexto
e do debate que se dará após a apresentação da história.
Os contos de fadas poderão
tornar-se uma ferramenta para exprimir e transmitir valores, pois se desenhos
disseminam desigualdades, podem servir para tornar as crianças de hoje, em
futuros adultos críticos e propositivos, desde que seja explicado
pedagogicamente o racismo, o machismo e outras situações negativas que possam
aparecer nessas histórias e promovam estigmas negativos.
Ademais, a sociedade só será
transformada, a partir de uma educação de qualidade, que permita com que a
menina negra perceba-se como protagonista de sua história e entenda que
identidade de gênero e racismo são elementos socialmente construídos, e dentro
de determinado contexto sócio histórico também poderão ser superados e erradicados
e ela poderá ocupar todos os espaços da sociedade que sempre lhes foram
negados. A partir daí poderá exigir a criação de princesas mais plurais que de
fato a represente.
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Acesso: 10/02/2014
[1] Mestre em Ciências Sociais e
Professora Universitária – Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO) e
Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU)
[2] Assistente Social formada
pela Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO). Pós-graduanda em Gestão
de Políticas Públicas e atendimento à famílias pela mesma instituição.
[3] Censo Demográfico de 2010,
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Fonte: Geledes
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