Em janeiro de 2014 é revelado ao Brasil um sofisticado e
brutal esquema de exploração e violência sexual consolidado há anos no interior
do estado do Amazonas. Apesar das inúmeras denúncias, o fato permaneceu por
muito tempo restrito à remota comunidade de Coari e desconhecido pelo resto do
país. Convenientemente a situação ficou oculta protegendo unicamente os
violadores de direitos: os agressores.
Não é novidade a relação direta entre poder, dinheiro,
violência sexual e exploração de crianças. Por mais escandalosa que seja a
notícia, ela soa como "já ouvi essa história”; e de tanto ouvi-la deixa de
causar espanto. Ao deixar de causar espanto o sofrimento é relativizado, naturalizado.
A violência sexual sempre se manifestou em todas as classes
sociais, no entanto a exploração econômica da sexualidade de crianças está
associada à pobreza e às desigualdades sociais e econômicas. Há quem lucre, há
quem se beneficie com o sequestro da infância.
O caso de Coari, protagonizado pelo seu prefeito, Adail
Pinheiro, mostra o quanto as relações entre dinheiro, poder, corrupção e
violência sexual são muito íntimas. Interessa aos detentores do poder que a
pobreza se perpetue. O que está em jogo é não só a sobrevivência das famílias,
mas também o acesso ao mundo do consumo. Em situações extremas as próprias
famílias entregam suas crianças para o perverso comércio do sexo. Meninas
também são forçadas a levar outras crianças em troca de dinheiro e objetos de
consumo como celulares modernos, roupas e passeios, mesmo que não queiram.
Ao que tudo indica para além da pedofilia (que é uma
patologia) o prefeito negocia virgindades; bebês, conforme revelado em
telefonema do assessor de Adail divulgado pela mídia. Meninas muito novas que
são usadas e ofertadas em festas privadas como uma parte de um sofisticado
Buffet. Muito dinheiro circula. O município é rico e suas comunidades pobres.
Em Coari há a suspeita de desvio de 49 milhões de reais da
prefeitura. Dinheiro que teria como finalidade as políticas públicas
responsáveis pelos direitos. A política de educação, por exemplo, que poderia
trabalhar na mesma direção do Plano Decenal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. Plano este que trata da promoção dos direitos humanos, prevenção à
violência e do protagonismo de crianças e adolescentes por seus direitos.]
Assim como no interior da Amazônia há no país uma infinidade
de casos de violência e exploração sexual a espera de uma denúncia e intervenção
pela interrupção da prática e atenção imediata a meninas e meninos que caíram
nas redes do perverso comércio humano. Quanto mais remota a comunidade, mais
difícil é o acesso ao que acontece por lá. Crianças são usadas, descartadas,
machucadas e, sem perspectivas, a infância é assassinada pela lógica do consumo
do sexo de meninas e de meninos.
O mais urgente, portanto, é tirar a violência e o comércio
do sexo de crianças da invisibilidade e jamais perder a capacidade de
indignação e de espanto. O reconhecimento da dor é o primeiro passo para a
denúncia.
Fonte: Adital
*Assessora política do Inesc e mestre em educação pela UnB
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