quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A prostituição além da esquina

A questão da semana é o caso da internauta que não sente mais nenhuma vontade de fazer sexo com o marido, mas se sacrifica em troca de dinheiro. A prostituição não se limita às esquinas e tem uma longa história.


Por Regina Navarro Lins



Na Europa, no século 15, era vista como atividade repulsiva, mas tolerada para evitar algo pior. Acreditava-se que os jovens, usando os serviços das prostitutas, ficavam desestimulados de praticar o estupro e afastados da homossexualidade. As prostitutas eram cada vez mais segregadas, além de obrigadas a usar roupas especiais, como uma capa curta e um lenço amarelo amarrado em torno do pescoço. Em Avignon, França, eram até proibidas por lei de tocar em frutas e pão no mercado.

Hoje a discriminação é mais sutil, mas prevalece a ideia de que a prostituta é uma pobre coitada, que para sobreviver é obrigada a suportar mais sacrifícios do que qualquer outra mulher. Entretanto, essa visão me parece equivocada. Algumas das meninas de programa que entrevistei, quando escrevia “A cama na varanda”, declararam que exercem essa atividade por prazer.

Uma delas, universitária de 23 anos, afirma ter feito essa opção porque gosta de conhecer pessoas e também para manter sua vida sexual em dia. Diz que não se sente usada, que escolhe sempre os clientes, na maioria homens casados. Até pode ser. Mas seria ingenuidade acreditar que esses sentimentos predominam entre elas; é fácil supor que a maioria não se relaciona de forma tão positiva com a profissão.

Contudo, apesar de todas as dificuldades e frustrações que uma prostituta pode experimentar, tudo indica que na vida de muitas mulheres casadas as coisas não são mais fáceis. Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde, nos anos 90, concluiu que os sintomas de depressão, mudanças de humor e ansiedade são mais frequentes entre as mulheres do que entre os homens, principalmente se estão casadas.

“O casamento tem um efeito protetor entre os homens, mas não entre as mulheres”, afirma a OMS. São muitas as que, apesar de toda a insatisfação e da falta de desejo que sentem pelos maridos, se esforçam para manter o casamento. E nesses casos seus objetivos se aproximam daqueles inerentes à prostituição, embora isso possa ocorrer por total falta de opção, em ambas as hipóteses.

No dicionário a definição de prostituta é: “mulher que pratica o ato sexual por dinheiro”. O número das mulheres que se veem obrigadas a fazer sexo com o marido sem nenhuma vontade, em troca do próprio sustento, é inacreditável. O pior é que nem podem escolher o parceiro. O filósofo inglês Bertrand Russell já dizia, há algumas décadas, que “o casamento é para as mulheres a forma mais comum de se manterem, e a quantidade de relações sexuais indesejadas que elas têm que suportar é provavelmente maior no casamento do que na prostituição”.

Mas a hipocrisia social vai mais longe. Nas culturas patriarcais o uso do corpo da mulher em troca de vantagens é incentivado muito antes do casamento. Quantas moças são educadas para só casar com homens que lhes possam dar conforto e dinheiro para gastar? Quantas só aceitam fazer sexo com um homem se antes ele pagar o jantar num restaurante caro? Quantas universitárias, que se consideram liberadas e defendem a igualdade de direitos, afirmam ser um absurdo dividir a conta do motel com o namorado? São muitas, mas ninguém quer falar disso.

A prostituta é desprezada, mas não se preocupa em disfarçar seu objetivo. Simone de Beauvoir esclarece com uma frase a diferença entre as prostitutas e muitas mulheres casadas: “Entre as que se vendem pela prostituição e as que se vendem pelo casamento, a única diferença consiste no preço e na duração do contrato”.

Regina Navarro Lins é psicanalista e escritora, autora de 11 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda” e “O Livro do Amor”. Atende em consultório particular há 39 anos, realiza palestras por todo o Brasil e é consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.


Fonte: www.reginanavarro.blogosfera.uol.com.br

Nenhum comentário: