O Papa Francisco emitiu nessa terça-feira uma "declaração
programática de governo", na qual pede nada menos do que uma radical
transformação da sua Igreja Católica. Na sua opinião, nem todos os ensinamentos
da Igreja, os seus costumes estão fixados por todos os tempos: "Não
tenhamos medo de os rever!". Ele crítica ao capitalismo e à riqueza. Ele
afirma que o sistema econômico é "injusto na sua raiz": "Essa
economia mata". "Não é possível que a morte por enregelamento de um
idoso reduzido a viver na rua não seja notícia, enquanto o é a queda de dois
pontos na Bolsa".
A reportagem é de Matthias Drobinski, publicada no jornal
Süddeutsche Zeitung, 26-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Concretamente, o homem que veio da Argentina e que de Roma
lidera há pouco menos de três trimestres a maior comunidade de fé do mundo
simplesmente escreveu uma exortação apostólica intitulada Evangelii gaudium (a
alegria do Evangelho), na qual resume os seus pensamentos depois do mais
recente Sínodo dos Bispos realizado no Vaticano.
Esse sínodo foi realizado em outubro de 2012. O papa então
ainda era Bento XVI. E o fato de que ele apenas quatro meses depois iria se
retirar parecia então ser impensável. Mas, já à época, muitos bispos diziam:
"Não é possível seguir em frente assim". Em geral, nas chamadas
exortações pós-sinodais, os papas faziam uma escolha dos pedidos dos bispos que
apareciam, depois, em uma forma muito enfraquecida. Francisco fez o contrário.
Tornou mais forte o que tinha sido dito e deu-lhe a sua voz.
Nasceu daí uma requisitória de 180 páginas que vai desde os
Padres da Igreja até a crítica do capitalismo. É um texto programático. Há mais
de 50 anos, nenhum papa jamais pedira à sua Igreja que mudasse tão
radicalmente.
"Saiam!"
"Saiam!" é a essência da mensagem que ele envia a
bispos, padres, membros da comunidade. Saiam para fora das suas cômodas
estruturas eclesiais burguesas e do caloroso círculo dos convencidos – anunciem
o Evangelho às periferias das cidades, aos marginalizados pela sociedade, aos pobres,
aos abandonados, aos que duvidam.
"Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por
ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade
de se agarrar às próprias seguranças", escreve, desejando um "estado
de missão permanente" – às vezes o pathos papal soa como o de um pregador
da sua pátria Argentina que quer redespertar as consciências.
A renovação começa pela sua função, escreve Francisco. Do
seu magistério, não podemos esperar "uma palavra definitiva ou completa sobre
todas as questões", diz ele logo no início. Ele considera necessária uma
"salutar descentralização" na Igreja e que as conferências episcopais
locais também sejam portadoras de "alguma autêntica autoridade
doutrinal".
Na sua opinião, nem todos os ensinamentos da Igreja, os seus
costumes estão fixados por todos os tempos: "Não tenhamos medo de os
rever!". O papa também se irrita com o falso clericalismo que ele percebe
na Igreja. Ele pede uma "Igreja com as portas abertas", mesmo aos
pecadores: "A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio
generoso e um alimento para os fracos" – e isso "tem também
consequências pastorais". Aqui seria preciso puxar as orelhas de Gerhard
Ludwig Müller, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: ele declarou
que os divorciados em segunda união não têm o direito de se aproximar da
comunhão, e ponto final.
Raramente Francisco entra tanto assim na prática, exceto
quando explica o que exatamente não está errado: às mulheres deve permanecer
vetado o acesso ao presbiterado, embora o papa deseje "uma presença
feminina mais incisiva na Igreja", mesmo sem especificar o que ele entenda
com isso. O aborto também continua sendo para ele um pecado mortal: "Não é
opção progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida
humana", escreve, como, aliás, também deplora em geral quando se fala de
matrimônio, família, coesão social em uma linguagem absolutamente conservadora,
a dissolução das relações – o pontífice, de fato, é radical, não liberal.
Uma crítica radical
de esquerda
Também radical de esquerda, se podemos usar os estereótipos
atuais, parece ser a crítica do papa ao capitalismo e à riqueza. Ele afirma que
o sistema econômico é "injusto na sua raiz": "Essa economia
mata". "Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso
reduzido a viver na rua não seja notícia, enquanto o é a queda de dois pontos
na Bolsa". Ele afirma que o ser humano é considerado como um bem de
consumo "que se pode usar e depois jogar fora", que os excluídos se
tornam "resíduos", "sobras". Conclusão: "Não a um
dinheiro governar em vez de servir".
O cardeal de Munique, Reinhard Marx, disse que a exortação
apostólica é "um apelo profético à Igreja". O presidente da
Conferência Episcopal Alemã, Robert Zollitsch, de Friburgo, fala de uma
"análise impressionante" em uma "linguagem clara e
vivificante". Como bispos, louva-se quando o papa escreve – também porque
a maior parte dos bispos alemães se sentem apoiados nos seus esforços para
entrar em diálogo com o mundo fora da instituição. No fundo, no entanto, seria
preciso dizer: "Senhor Jesus, o que o papa espera de nós?".
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