quarta-feira, 8 de maio de 2013

'Vamos rumo a uma pedofilização do tráfico de seres humanos’


As mulheres recrutadas para a exploração sexual são cada vez mais jovens: 48% têm menos de 18 anos. "Vamos rumo a uma pedofilização” da prostituição, adverte o canadense, professor titular do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Ottawa, reconhecido investigador dos processos de globalização da indústria do sexo.



Entrevista a Richard Poulin

Richard Poulin,investigador de los procesos de globalización de la industria del sexo.

O canadense Richard Poulin estuda a mundialização da prostituição e a pornografia, os efeitos da legalização da prostituição e seu vínculo com as redes de tráfico. Aqui, traça um mapa do problema e adverte sobre as responsabilidades de organismos como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

As mulheres recrutadas para a exploração sexual são cada vez mais jovens: 48% têm menos de 18 anos. "Vamos rumo a uma pedofilização” da prostituição, adverte o canadense, professor titular do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Ottawa, reconhecido investigador dos processos de globalização da indústria do sexo.

Em uma entrevista a Página/12, Poulin denunciou a cumplicidade de organismos multilaterais de crédito como o BM e o FMI no crescimento do tráfico de jovens para a prostituição. Para o especialista, não se podem fazer diferenças entre mulheres que decidem exercer a prostituição por sua própria vontade e aquelas são forçadas a fazê-lo. "Falar de uma eleição é como dizer que há países que tomaram a decisão de ser colonizados. A comunidade internacional compreende que o colonialismo é um sistema de dominação, não uma questão de eleição”.

O tema o apaixona e, ao mesmo tempo, gera-lhe repulsa. Em sua cabeça, tem uma quantidade de estatísticas de distintos países que demonstram a magnitude da indústria do sexo: tira cifras tanto da Tailândia quanto da Suécia, da Alemanha, da Holanda e, claro, também do Canadá, seu país. Poulin esteve em Buenos Aires para participar do Congresso Internacional sobre Globalização, Gênero e Direitos Humanos, organizado pela Associação Argentina de Estudos Canadenses. Foi um dos expositores convidados. O auditório que o assistiu na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidad de Buenos Aires ficou comovido com os dados que foi apresentando sobre o alcance do fenômeno.

– O tráfico de mulheres para exploração sexual em âmbito mundial está crescendo?

– Os números já são muito significativos. Falamos de milhões de mulheres e de meninas que são recrutadas para a prostituição, porque o tráfico de pessoas está muito ligada à indústria da prostituição. Em torno de 90% das mulheres que caem em redes de tráfico têm como fim a prostituição. Há uma expansão desse fenômeno. As políticas neoliberais a promovem. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e os planos de ajuste estrutural propõem empréstimos aos Estados para desenvolver empresas de turismo e entretenimento.

– Refere-se ao turismo sexual?

– Ao entretenimento masculino.

– Os organismos multilaterais de crédito conhecem o destino desses fundos?

– Sim, conhecem bem. É uma das razões pelas quais organizações internacionais são partidárias de distinguir entre a prostituição forçada e a prostituição voluntária.

– A que responde a expansão do tráfico de seres humanos para a prostituição?

– Os países do Terceiro Mundo do Hemisfério Sul têm que pagar sua dívida externa com divisa forte, como dólares, yenes ou euros. Para ter essa divisa, a Argentina, por exemplo, tem que exportar carne. Porém, também pessoas são exportadas para que enviem dinheiro, remessas do exterior para seu país de origem. Isso explica as políticas que promovem a migração em alguns países e também o tráfico de mulheres. Outra forma de obter essa moeda forte é através dos turistas. E, sobretudo os países asiáticos apelam para essa forma. O primeiro ministro tailandês disse isso claramente quando afirmou que há que sacrificar uma geração de mulheres para alcançar o desenvolvimento econômico desse país. No Gabão, um ministro declarou na rádio que a prostituição deve ser legalizada porque é o único meio para desenvolver o turismo nessa nação no centro-oeste da África. Então, está muito claro porque ela cresce.

– O senhor não faz nenhuma diferença entre a prostituição exercida por mulheres que são forçadas, escravizadas, e aquelas que tomaram a decisão e o consideram um trabalho?

– Não se pode fazer nenhuma distinção. A idade média de recrutamento de mulheres para a prostituição no Canadá é de 14 anos. Não se pode falar de livre eleição nessa idade. Nos países do Cone Sul, a idade é inferior. Pesquisas no Canadá têm demonstrado igualmente que entre 82% e 95% das mulheres prostituídas foram vítimas de abuso sexual na infância. Essas mulheres fogem de casa e a maior parte é recrutada nessas circunstâncias. Ou seja, a prostituição é consequência de um delito. Falar de uma eleição é como dizer que há países que tomaram a decisão de ser colonizados. A comunidade internacional compreende que o colonialismo é um sistema de dominação, não uma questão de eleição.

– Em um país com o desenvolvimento do Canadá também são recrutadas meninas para redes de prostituição?

– Sim, claro. Pelo menos 70 mil mulheres no Canadá são prostituídas. O Canadá é um destino de turismo sexual para os Estados Unidos. A cidade de Vancouver é um destino de turismo pedófilo. Há dois bairros muito conhecidos pela prostituição de meninos. A maioria das meninas prostituídas é de canadenses; porém, também há vítimas de tráfico. Porém, como em todo fenômeno de prostituição, as minorias étnicas e nacionais estão sobre-exploradas. Isso também coloca em dúvida a questão da livre eleição. Em Vancouver, 52% das prostitutas da rua são indígenas, quando os aborígenes são entre 2 e 3% da população. Nos Estados Unidos, 40% das prostitutas são afroamericanas e as afroamericanas são 12% da população. Na Romênia, as redes de tráfico recrutam mulheres da minoria húngara e ciganas. Na Tailândia, as minorias étnicas e tribais do norte do país são prostituídas no sul. Em todos os lugares, é tudo igual. A prostituição atinge principalmente as minorias étnicas e reforça o racismo.

- As mulheres recrutadas são cada vez mais jovens, mais meninas?

- Em meu penúltimo livro, Pornographie et hipersexualisation. Enfances devastées, que trata sobre a pornografia e seu vínculo com a prostituição, cheguei à conclusão de que caminhamos rumo à pedofilização.

– Qual a explicação para esse fenômeno?

– A partir dos anos 80, a sociedade começou a fazer o elogio da juventude: uma mulher tem que usar cremes antirrugas; à medida que vai cumprindo anos, vai se tornando invisível, deixa de ser bela. Isso se traduz também nas indústrias do sexo e na violência sexual. O objetivo dos violadores no Canadá são as adolescentes e também são estas que sofre a mais alta taxa de assassinatos por parte de seu companheiro. Em pornografia, a partir da década dos ’80, o que mais vende é a exploração sexual das jovens. Compreendemos também porque o recrutamento é muito jovem também. 48% das vítimas do tráfico têm menos de 18 anos.

– Se diz que a prostituição é o trabalho mais antigo...

– Isso é falso (interrompe com ênfase). Os caçadores, os recoletores de frutos, as parteiras estiveram antes sobre a face da Terra. A prostituição aparece três ou quatro mil anos antes de Cristo. E está muito ligada ao surgimento das cidades e dos mercados, especialmente o de escravos. O primeiro proxeneta conhecido na história era um sacerdote de um templo.

– Um sacerdote? Qual foi sua história?

– Estamos falando do Oriente Médio, quando a civilização começava. Os templos também serviam como mercados para a venda de cereais e para a prostituição. Os lucros ficavam para o sacerdote. Na Índia, ainda se vendem meninas aos templos para prostituí-las e quando são mais velhas os pais as vendem aos bordeis.

– Seria possível acabar com a prostituição?

– Penso que sim, a menos que acreditemos que ela é uma instituição eterna. Tivemos êxito em combater a escravidão. E a escravidão esteve no coração da acumulação capitalista.

– Na Argentina, como em outros países, há grupos de mulheres que exercem a prostituição e lutam para ser reconhecidas como trabalhadoras e que suas organizações sejam aceitas como sindicatos.

– Os abolicionistas rechaçam considerar às prostitutas como delinquentes. Os delinquentes são os proxenetas. Estamos de acordo com os que pensam que é um trabalho, com a descriminalização total daqueles que o exercem. Porém, quando se legaliza a prostituição, se legaliza o proxenetismo. Sobre esse discurso, legalizou-se a prostituição na Holanda e na Alemanha e foi um fracasso. Em Amsterdam estão tentando fechar a zona vermelha porque perceberam que há uma empresa de crime organizado mais forte. Na Alemanha, sobre 400 mil pessoas prostituídas, apenas 1% assinou um contrato e foi registrada. Esse registro supostamente lhes dá direitos; porém, nunca funciona. É uma das razões pelas quais desapareceu a regulamentação da prostituição, que era universal n Europa como na Argentina nos anos 30. Porque não funciona como sistema. Não se tem o controle das pessoas prostituídas. A maioria trabalha na clandestinidade; preferem as ruas ao bordel. Então, não existe nenhum controle e, sobretudo, nenhum direito.

– Na Argentina, o proxenetismo é um delito. No entanto, não é difícil encontrar prostíbulos onde são exploradas mulheres. Inclusive, em muitas localidades do interior do país, os próprios municípios autorizam os bordéis sob o eufemismo de que são ‘whisquerías’, quando todo mundo sabe que, além de servir bebidas, servem corpos, literalmente.

– É consequência de um regime corrupto e autoritário. A Argentina tem uma longa história de crime organizado, para o qual a prostituição é uma atividade tradicional. Além disso, no mesmo país onde nasceu o tango, um baile que surgiu para proteger os delinquentes, proxenetas, que estavam em bares e bailavam apoiando seu peito contra o da mulher: caso lhe disparassem, quem morria era a mulher.

– Eu desconhecia essa versão sobre a origem do tango...

– Eu sei que vocês na Argentina não sabem disso.

– Há países, como a Suécia, que perseguem aos clientes da prostituição. Que particularidades têm a legislação?

– Também é aplicada na Noruega, na Islândia e na Coreia do Sul. As legislações variam de acordo com o país; porém, coincidem na penalização dos clientes. Na Suécia, a lei se chama "A paz das mulheres” e tem a particularidade de que é uma lei contra a violência para com as mulheres. A prostituição é considerada uma forma de violência. Então, todos os serviços oferecidos para vítimas de violência alcançam também as mulheres prostituídas e, além disso, há serviços exclusivos para elas. A lei contempla a realização de campanhas publicitárias contra os clientes e também inclui um aspecto que tem a ver com a educação nas escolas para prevenir o recrutamento de adolescentes e para evitar que os homens se convertam em consumidores da prostituição. As últimas pesquisas demonstram que quase 80% da população apoiam à normativa.

– Que resultados se observam com a aplicação dessa lei?

– Na Suécia, o recrutamento de mulheres muito jovens e de meninas foi freado. Os tratantes e os proxenetas percebem que esse não é o país mais adequado para eles. Para que se tenha uma ideia, comento que na Suécia há 300 mulheres vítimas de tráfico por ano, enquanto que ao lado, na Finlândia, os dados incluem de 15 mil a 17 mil no mesmo período. Vemos, imediatamente, a diferença.
Fonte: Adital

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