terça-feira, 7 de maio de 2013

Por que escolhemos o lado mais fácil no debate da prostituição?


Temos que nos perguntar se, em termos de política pública, o PL do J. Wyllys é a única coisa que podemos oferecer para as mulheres em situação de prostituição. O que nos faz tão convictos de que o que está em jogo é a autonomia das mulheres de venderem sexo, e não a garantia e legitimidade do lucro de cafetões e cafetinas, da legalização da indústria do sexo, pura e simplesmente? Basta uma olhada no projeto para ver do que ele realmente trata.


Por: Camila Furchi*

Na última semana, circulou pelo Facebook mais uma matéria sobre a prostituição. A personagem da semana é Lola. O enredo é mais ou menos o seguinte: Lola é branca. Lola é jovem, Lola gosta muito de sexo. Lola acabou de sair da faculdade. Lola não se sente culpada e nem tem vergonha do que faz. Lola é uma garota bem resolvida com sua sexualidade. Lola é taxativa ao dizer em seu site pessoal que faz programas porque gosta muito de sexo e que não vê problema nenhum em fazer algo que gosta e cobrar por isso. Afinal, conclui Lola, não é exatamente esse o segredo da felicidade: trabalhar naquilo que se gosta?
Não demorou para que um monte de gente do meu feed de notícias do Facebook compartilhasse a matéria, comemorando a capacidade de Lola de viver livremente. O tom era de enaltecer sua coragem ao viver sua sexualidade como lhe convém, sem deixar-se constranger pela ordem moralista e machista da nossa sociedade. Ou seja, em algumas centenas de caracteres, lança-se a ideia de que a “Prostituição no século XXI” não é exploração, mas emancipação que pressupõem o exercício autônomo da sexualidade feminina. E tudo isso dito pela a pessoa mais importante no debate – a prostituta.
Diante de tal situação, a nós que queremos a emancipação das mulheres, que queremos o fim da violência contra a mulher, que questionamos a imposição de uma sexualidade submissa, carola e pudica, só nos resta aplaudir e endossar as fileiras dos/das que defendem a regulamentação da prostituição. Por que, se afinal a prostituição pode ser tão boa assim, como não defender que a legislação seja menos careta e que garanta a tranquilidade das mulheres em fazer aquilo que gostam? De modo geral, foi isso que eu vi nas considerações suscitadas pela tal reportagem.
Vejam, não tenho problemas com a Lola, eu só não compro a ideia de que, a partir da experiência dela, seja possível generalizar que todas as mulheres que se prostituem o fazem para satisfazer seu desejo por sexo, e que aproveitam a oportunidade para ganhar um troco, mesmo que esse troco seja maior do que a hora/aula de professor/a na rede pública estadual. Essa é uma das falácias acerca da prostituição que precisamos desmascarar frente aos nossos companheiros e companheiras de luta.
A Marcha Mundial das Mulheres não tem se furtado ao debate que acerca da regulamentação da prostituição no Brasil. Você pode ler aqui mesmo outros textos a esse respeito que abordam a questão a partir de várias perspectivas. Eu gostaria aqui de compartilhar uns questionamentos que me fiz no dia em que vi defesas entusiastas da coragem de Lola.
Por que será que não nos avilta esse discurso que mistura satisfação dos desejos e mercado? Por que, que quando se trata da prostituição, preferimos abandonar a utopia de construir um outro mundo possível? Por que nos apegamos tão fortemente a um senso comum sobre a inevitabilidade da prostituição no passado, no presente e no futuro?
No cotidiano da militância de esquerda, a gente é extremamente crítico/a à mercantilização dos nossos direitos. A gente denuncia os efeitos nefastos da mercantilização da cultura, da educação, da saúde, dos recursos naturais, dos espaços públicos. Então, temos que nos perguntar por qual razão somos facilmente convencidos de que a “escolha” pela prostituição tem a ver com a satisfação do desejo das mulheres. Por que acreditamos que o mercado – que não funciona para cultura, não funciona para educação, não funciona para o meio ambiente – vai funcionar para a emancipação da sexualidade feminina. Temos que nos perguntar sobre o modelo que norteia a construção da nossa sexualidade, as premissas que lhes dão sustentação: a sexualidade autônoma, viril e insaciável dos homens, frente à sexualidade passiva, submissa e vigiada das mulheres.
Temos que nos perguntar se, em termos de política pública, o PL do J. Wyllys é a única coisa que podemos oferecer para as mulheres em situação de prostituição. O que nos faz tão convictos de que o que está em jogo é a autonomia das mulheres de venderem sexo, e não a garantia e legitimidade do lucro de cafetões e cafetinas, da legalização da indústria do sexo, pura e simplesmente? Basta uma olhada no projeto para ver do que ele realmente trata.
Temos total concordância com a máxima de que devemos ouvir as mulheres em situação de prostituição, e basta que a gente procure um pouco para ver que entre elas não há acordo sobre o tema. Então, temos que nos perguntar se legalizar a atividade dos cafetões ou cafetinas é a única forma de tratar a questão. Será mesmo que isso é preferível a pensarmos políticas de geração de emprego e renda mais efetivas paras as mulheres em situação de prostituição?
Temos que nos desafiar a pensar um outro mundo possível, sem começar a fazer concessões no caminho. O debate é extremante difícil, não nos enganemos, mas não podemos escolher o caminho mais fácil, não podemos comprar o discurso hegemônico só porque na aparência ele se mostre libertário.
* Camila Furchi é militante da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo.
Fonte: http://marchamulheres.wordpress.com/

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