Temos que nos perguntar se, em termos de política pública, o
PL do J. Wyllys é a única coisa que podemos oferecer para as mulheres em
situação de prostituição. O que nos faz tão convictos de que o que está em jogo
é a autonomia das mulheres de venderem sexo, e não a garantia e legitimidade do
lucro de cafetões e cafetinas, da legalização da indústria do sexo, pura e
simplesmente? Basta uma olhada no projeto para ver do que ele realmente trata.
Por: Camila Furchi*
Na última semana, circulou pelo Facebook mais uma matéria
sobre a prostituição. A personagem da semana é Lola. O enredo é mais ou menos o
seguinte: Lola é branca. Lola é jovem, Lola gosta muito de sexo. Lola acabou de
sair da faculdade. Lola não se sente culpada e nem tem vergonha do que faz.
Lola é uma garota bem resolvida com sua sexualidade. Lola é taxativa ao dizer
em seu site pessoal que faz programas porque gosta muito de sexo e que não vê
problema nenhum em fazer algo que gosta e cobrar por isso. Afinal, conclui
Lola, não é exatamente esse o segredo da felicidade: trabalhar naquilo que se
gosta?
Não demorou para que um monte de gente do meu feed de
notícias do Facebook compartilhasse a matéria, comemorando a capacidade de Lola
de viver livremente. O tom era de enaltecer sua coragem ao viver sua
sexualidade como lhe convém, sem deixar-se constranger pela ordem moralista e
machista da nossa sociedade. Ou seja, em algumas centenas de caracteres,
lança-se a ideia de que a “Prostituição no século XXI” não é exploração, mas
emancipação que pressupõem o exercício autônomo da sexualidade feminina. E tudo
isso dito pela a pessoa mais importante no debate – a prostituta.
Diante de tal situação, a nós que queremos a emancipação das
mulheres, que queremos o fim da violência contra a mulher, que questionamos a
imposição de uma sexualidade submissa, carola e pudica, só nos resta aplaudir e
endossar as fileiras dos/das que defendem a regulamentação da prostituição. Por
que, se afinal a prostituição pode ser tão boa assim, como não defender que a
legislação seja menos careta e que garanta a tranquilidade das mulheres em
fazer aquilo que gostam? De modo geral, foi isso que eu vi nas considerações
suscitadas pela tal reportagem.
Vejam, não tenho problemas com a Lola, eu só não compro a
ideia de que, a partir da experiência dela, seja possível generalizar que todas
as mulheres que se prostituem o fazem para satisfazer seu desejo por sexo, e
que aproveitam a oportunidade para ganhar um troco, mesmo que esse troco seja
maior do que a hora/aula de professor/a na rede pública estadual. Essa é uma
das falácias acerca da prostituição que precisamos desmascarar frente aos
nossos companheiros e companheiras de luta.
A Marcha Mundial das Mulheres não tem se furtado ao debate
que acerca da regulamentação da prostituição no Brasil. Você pode ler aqui
mesmo outros textos a esse respeito que abordam a questão a partir de várias
perspectivas. Eu gostaria aqui de compartilhar uns questionamentos que me fiz
no dia em que vi defesas entusiastas da coragem de Lola.
Por que será que não nos avilta esse discurso que mistura
satisfação dos desejos e mercado? Por que, que quando se trata da prostituição,
preferimos abandonar a utopia de construir um outro mundo possível? Por que nos
apegamos tão fortemente a um senso comum sobre a inevitabilidade da
prostituição no passado, no presente e no futuro?
No cotidiano da militância de esquerda, a gente é
extremamente crítico/a à mercantilização dos nossos direitos. A gente denuncia
os efeitos nefastos da mercantilização da cultura, da educação, da saúde, dos
recursos naturais, dos espaços públicos. Então, temos que nos perguntar por
qual razão somos facilmente convencidos de que a “escolha” pela prostituição
tem a ver com a satisfação do desejo das mulheres. Por que acreditamos que o
mercado – que não funciona para cultura, não funciona para educação, não
funciona para o meio ambiente – vai funcionar para a emancipação da sexualidade
feminina. Temos que nos perguntar sobre o modelo que norteia a construção da
nossa sexualidade, as premissas que lhes dão sustentação: a sexualidade
autônoma, viril e insaciável dos homens, frente à sexualidade passiva, submissa
e vigiada das mulheres.
Temos que nos perguntar se, em termos de política pública, o
PL do J. Wyllys é a única coisa que podemos oferecer para as mulheres em
situação de prostituição. O que nos faz tão convictos de que o que está em jogo
é a autonomia das mulheres de venderem sexo, e não a garantia e legitimidade do
lucro de cafetões e cafetinas, da legalização da indústria do sexo, pura e
simplesmente? Basta uma olhada no projeto para ver do que ele realmente trata.
Temos total concordância com a máxima de que devemos ouvir
as mulheres em situação de prostituição, e basta que a gente procure um pouco
para ver que entre elas não há acordo sobre o tema. Então, temos que nos
perguntar se legalizar a atividade dos cafetões ou cafetinas é a única forma de
tratar a questão. Será mesmo que isso é preferível a pensarmos políticas de
geração de emprego e renda mais efetivas paras as mulheres em situação de
prostituição?
Temos que nos desafiar a pensar um outro mundo possível, sem
começar a fazer concessões no caminho. O debate é extremante difícil, não nos
enganemos, mas não podemos escolher o caminho mais fácil, não podemos comprar o
discurso hegemônico só porque na aparência ele se mostre libertário.
* Camila Furchi é militante da Marcha Mundial das Mulheres
de São Paulo.
Fonte: http://marchamulheres.wordpress.com/
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