Por Larissa Ramina
O fenômeno globalizatório, grande catalizador da
desigualdade no plano internacional, tem seu auge a partir da segunda metade do
século XX, quando os Estados se defrontaram com uma nova realidade, em que os
desafios que lhes são impostos deixam de encontrar solução no direito interno,
constrangendo-os a buscar a cooperação e a regulamentação internacionais para
problemas que passam a ser globais.
Entre estes, situa-se o desenvolvimento da
criminalidade transnacional, a exemplo dos vários tipos de tráficos
internacionais, como o tráfico de drogas, de armas e o tráfico de pessoas para diversos
fins.
Atualmente, o tráfico de pessoas, considerado como forma
moderna de escravidão, é uma das atividades mais rentáveis do crime organizado
no mundo, perdendo em lucratividade apenas para o tráfico de drogas e de armas.
Estima-se que da totalidade de vítimas, quase a metade seja subjugada para
exploração sexual.
As abordagens e compreensões já construídas demonstram que o
tráfico de pessoas não tem causa única, mas resulta de uma série de fatores
relacionados às oportunidades de trabalho, aos fluxos migratórios, à busca por
melhores condições de vida, às desigualdades sociais e à discriminação. Para
seu efetivo enfrentamento, são necessárias ações nacionais, internacionais,
jurídicas e políticas, articuladas e intersetoriais, estruturadas em três eixos
estratégicos, os quais incluem a prevenção, a atenção às vítimas e a repressão.
A prevenção visa a minimizar a fragilidade de determinados
grupos sociais, fomentar políticas públicas de combate e realizar pesquisas
para a coleta de informações. Já o eixo de atenção às vítimas, nacionais ou
estrangeiras, visa ao seu devido tratamento e reinserção social com adequada
assistência consular e acesso à Justiça de forma não discriminatória.
Quanto à repressão, a intenção está em fiscalizar,
controlar, investigar e responsabilizar. Os mais importantes instrumentos
internacionais para o enfrentamento do tráfico internacional de pessoas são o
Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças e o Protocolo Adicional relativo ao
Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, ambos
adotados em 2000 e ratificados pelo Brasil em 2004, que complementam a
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. O Código
Penal pátrio promoveu a adequação legislativa em 2006 e 2009, por meio do
artigo 231 que, todavia, ainda necessita de aprimoramentos.
O “tráfico de pessoas” é definido na legislação
internacional como o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de
coação, ao rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins
de exploração. Vale ressaltar que, no caso de crianças e adolescentes, mesmo
sem o emprego desses meios coercitivos, o simples recrutamento, transporte,
transferência, alojamento ou acolhimento para fins de exploração será
considerado tráfico de pessoas.
Percebe-se que o tráfico de pessoas nutre estreita relação
com o trabalho forçado, pois sua principal finalidade é fornecer mão de obra
para o trabalho forçado, seja para a exploração sexual comercial, econômica, ou
para ambas. Trabalho forçado, na definição da Organização Internacional do
Trabalho, significa todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça
de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente.
Do ponto de vista nacional, o Brasil só direcionou esforços
para o enfrentamento ao tráfico de seres humanos quando pesquisas o incluíram
nas rotas internacionais, evidenciando também a existência de rotas nacionais.
Em 2006, foi adotada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
- PNETP, tornando o problema alvo de uma política de Estado. O Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, previsto pela PNETP, foi instituído em
2008 e objetiva dar concretude aos princípios, diretrizes e ações plasmados
nesta Política. Dados recentes da ONU apontam a existência de 241 rotas do
tráfico no país, sendo 110 de tráfico interno e 131 de tráfico internacional.
As regiões Norte e Nordeste têm a maior concentração dessas rotas.
No entanto, a constituição de uma rede de enfrentamento ao
tráfico de pessoas no Brasil e no mundo continua sendo um desafio, pois se
trata de fenômeno complexo e multifacetado. Impulsionadas pela globalização, a
pobreza e a conseqüente violação dos direitos humanos contribuem decisivamente
para a vulnerabilidade a qualquer tipo de exploração. Além dos mecanismos
nacionais de prevenção, assistência às vítimas e repressão, o combate ao
tráfico de pessoas exige a reorientação da política internacional para uma
“globalização ascendente”, no sentido de progredir para uma melhor distribuição
de riquezas em nível global e uma maior proteção dos direitos humanos.
(*) Doutora em Direito Internacional pela USP, Professora de
Direito Internacional da UFPR e Professora do Programa de Mestrado em Direitos
Fundamentais e Democracia da UniBrasil.
fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6056
Nenhum comentário:
Postar um comentário