quinta-feira, 28 de março de 2013

Última Ceia: Despedida inesquecível, por J.A. Pagola




Jesus sabe que suas horas estão contadas. Sem dúvida, não pensa em esconder-se ou fugir. Aquilo que faz é organizar uma ceia especial de despedida com seus amigos e amigas mais próximos. É um momento grave e delicado para ele e para os seus discípulos: deseja vivê-lo em toda a sua profundidade. É uma decisão pensada.


Consciente da iminência de sua morte, ele necessita compartilhar com os seus sua confiança total no Pai, inclusive nesta hora. Quer prepará-los para um golpe muito duro; sua execução não tem de afundá-los na tristeza ou desespero. Ele tem de compartilhar junto as interrogações que se despertam em todos eles: o que será do reino de Deus sem Jesus? O que os seus seguidores devem fazer? Onde eles vão alimentar, de agora em diante, sua esperança na vinda do reino de Deus?

 Ao que parece, não se trata de uma ceia pascal. Está certo que algumas fontes indicam que Jesus quis celebrar com seus discípulos a ceia de Páscoa ou séder, na qual os judeus comemoram a libertação da escravidão egípcia. Certamente, ao descrever o banquete, não se faz uma única alusão à liturgia da Páscoa, não se diz nada do cordeiro pascal nem das ervas amargas que se comem nessa noite, não se recorda ritualmente a saída do Egito, tal como estava escrito.

Por outro lado, é impensável que nessa mesma noite em que todas as famílias estavam celebrando a ceia mais importante do calendário judaico, os sumos-sacerdotes e seus ajudantes deixassem tudo para ocupar-se da detenção de Jesus e organizar uma reunião noturna com a finalidade de concretizar as acusações mais graves contra ele. Parece mais verossímil a informação de outra fonte que situa a ceia de Jesus antes da festa da Páscoa, pois nos diz que Jesus é executado em 14 de nisán, véspera da Páscoa. Assim sendo, não parece possível estabelecer, com segurança, o caráter pascal da última ceia. Provavelmente, Jesus peregrinou até Jerusalém para celebrar a Páscoa com seus discípulos, porém foi incapaz de realizar o seu desejo, pois foi detido e julgado antes que chegasse essa noite. Sem dúvida, houve tempo para celebrar uma ceia de despedida.

De qualquer forma, não é uma refeição ordinária, mas uma ceia solene, a última de tantas outras que haviam celebrado pelas aldeias da Galileia. Beberam vinho, como se fazia nas grandes ocasiões; cearam reclinados para terem um jantar tranquilo, não sentados, como faziam todos os dias.

Provavelmente não é uma ceia de Páscoa, porém no ambiente se respira já a excitação das festas pascais. Os peregrinos fazem seus últimos preparativos: adquirem pão ázimo e compram seu cordeiro pascal. Todos buscam um lugar nos albergues e nos pátios e terraços das casas. O grupo de Jesus, também, busca um lugar tranquilo. Essa noite, Jesus não se retira a Betânia como nos dias anteriores. Permanece em Jerusalém. Sua despedida deve ser realizada na cidade santa. Os relatos dizem que celebrou a ceia com os Doze, porém não devemos excluir a presença de outros discípulos e discípulas que vieram com ele na peregrinação. Seria muito estranho que, contrariando o seu costume de compartilhar sua mesa com toda classe de pessoas, inclusive pecadores, Jesus adotasse uma atitude tão seletiva e restritiva.

Podemos saber o que se viveu, realmente, naquele jantar?
Jesus vivia as refeições e ceias que fazia na Galileia como símbolo e antecipação do banquete final no reino de Deus. Todos conhecem essas refeições animadas pela fé de Jesus no reino definitivo do Pai.
Essa é uma de suas características enquanto percorre as aldeias. Também nesta noite, aquela ceia lhe faz pensar no banquete final do reino. Dois sentimentos tomam conta de Jesus. Primeiro, a certeza de sua morte iminente; não pode evitá-lo: aquele é o último cálice que compartilhará com os seus; todos o sabem: não deve haver ilusões. Ao mesmo tempo, sua confiança inquebrantável no reino de Deus, ao qual dedicou sua vida inteira. Fala com clareza: “Asseguro-vos: não beberei mais do fruto da vinha até o dia em que o beberei convosco, novamente, no reino de Deus” [Mateus 26,29]. A morte está próxima. Jerusalém não quer responder ao seu chamado. Sua atividade como profeta e portador do reino de Deus será violentamente truncada, porém sua execução não impedirá a chegada do reino de Deus que foi anunciado a todos. Jesus mantém inalterada sua fé nessa intervenção salvadora de Deus. Está seguro da validade de sua mensagem. Sua morte não destruirá a esperança de ninguém. Deus não voltará atrás. Um dia, Jesus se sentará à mesa para celebrar, com uma taça em suas mãos, o banquete eterno de Deus com seus filhos e filhas. Beberão um vinho “novo” e compartilharão juntos a festa final do Pai. A ceia desta noite é um símbolo.

Movido por esta convicção, Jesus se dispõe a animar a ceia espalhando sua esperança aos seus discípulos.
Começa a refeição seguindo o costume judaico: coloca-se de pé, toma em suas mãos o pão e pronuncia, em nome de todos, uma bênção de Deus, ao que todos respondem dizendo “amém”. Em seguida, parte o pão e distribui um pedaço a cada um. Todos conhecem aquele gesto. Provavelmente, viram Jesus fazê-lo em mais de uma ocasião. Sabem o que significa aquele rito feito pelo que preside a mesa: ao apresentar-lhes este pedaço de pão, Jesus transmite-lhes a bênção de Deus. Como ficavam impressionados quando ele dava o pão aos pecadores, cobradores de impostos e prostitutas! Ao receber aquele pão, todos se sentiam unidos entre si e com Deus. Porém, naquela noite, Jesus acrescenta umas palavras que dão um conteúdo novo e insólito ao seu gesto. Enquanto lhes distribuía o pão, lhes dizia estas palavras: “Isto é o meu corpo. Eu sou este pão. Vede-me nesses pedaços entregando-me até o fim, para fazê-los alcançar a bênção do reino de Deus”.

O que sentiram aqueles homens e mulheres quando escutaram, pela primeira vez, estas palavras de Jesus?

Surpreende-lhes, muito mais, o que ele faz ao terminar a ceia. Todos conhecem o rito que se costumava realizar. No final da refeição, aquele que presidia a mesa, permanecendo sentado, tomava em sua mão direita um cálice de vinho, o mantinha a um palmo de altura sobre a mesa e pronunciava sobre ele uma oração de ação de graças pela refeição, ao que todos respondiam “amém”. Em seguida, bebia de seu cálice, o que servia de sinal aos demais para que cada um bebesse do seu. Seguramente, naquela noite Jesus muda o rito e convida os seus discípulos e discípulas que todos bebam de um só cálice: o seu! Todos compartilham esse “cálice de salvação” benzido por Jesus. Nesse cálice que vai passando e sendo oferecido a todos, Jesus vê algo “novo” e peculiar que deseja explicar: “Este cálice é a nova Aliança em meu sangue. Minha morte abrirá um futuro novo para vós e para todos”. Jesus não pensa somente em seus discípulos mais próximos.

Neste momento decisivo e crucial, o horizonte de seu olhar se faz universal: a nova Aliança, o reino definitivo de Deus será para muitos, “para todos”.

Com estes gestos proféticos da entrega do pão e do vinho, repartidos entre todos, Jesus converte aquela ceia de despedida numa grande ação sacramental, a mais importante de sua vida, a que melhor resume seu serviço ao reino de Deus, aquela que deseja deixar gravada para sempre em seus seguidores. Quer que continuem vinculados a ele e que alimentem nele sua esperança. Que o recordem sempre entregue ao seu serviço. Continuará sendo “aquele que serve”, aquele que ofereceu sua vida e sua morte por eles, o servidor de todos. É assim que ele está, agora, no meio deles naquela ceia e é assim que deseja que o recordem sempre. O pão e o cálice de vinho lhes evocarão, antes de tudo, a festa final do reino de Deus; a entrega desse pão a cada um e a participação no mesmo cálice lhes trará a memória da entrega total de Jesus. “Por vós”: estas palavras resumem bem o que foi sua vida a serviço dos pobres, dos enfermos, dos pecadores, dos desprezados, dos oprimidos, de todos os necessitados... Estas palavras expressam o que será, agora, sua morte: “desviveu-se” para oferecer a todos, em nome de Deus, acolhida, cura, esperança e perdão.


Agora, entrega sua vida até a morte, oferecendo a todos a salvação do Pai.
Assim foi a despedida de Jesus, que ficou gravada para sempre nas comunidades cristãs. Seus seguidores não ficarão órfãos; a comunhão com ele não permanecerá rompida devido sua morte; se manterá até que um dia bebam, todos juntos, o cálice de “vinho novo” no reino de Deus. Não sentirão o vazio de sua ausência: repetindo aquela ceia poderá alimentar-se de sua recordação e de sua presença. Ele estará com os seus sustentando sua esperança; eles prolongarão e reproduzirão seu serviço ao reino de Deus até o reencontro final.

De modo germinal, Jesus está desenhando em sua despedida as linhas mestras de seu movimento de seguidores: uma comunidade alimentada por ele mesmo e dedicada, totalmente, a abrir caminhos ao reino de Deus, é uma atitude de serviço humilde e fraterno, com a esperança posta no reencontro da festa final.

Jesus faz, também, um novo sinal convidando seus discípulos ao serviço fraterno? O evangelho de João diz que, num determinado momento da ceia, levantou-se da mesa e “se pôs a lavar os pés dos discípulos”. Segundo o relato, o fez para dar exemplo a todos e fazê-los saber que seus seguidores deveriam viver em atitude de serviço mútuo: “Lavando os pés uns dos outros”. A cena é, provavelmente, uma criação do evangelista, porém recolhe de maneira admirável o pensamento de Jesus. O gesto é insólito.

Numa sociedade onde o papel das pessoas e dos grupos está tão perfeitamente determinado, é impensável que o comensal de uma refeição festiva e, menos ainda, aquele que preside a mesa, se ponha a realizar uma tarefa humilde reservada a servos e escravos. Segundo o relato, Jesus deixa o seu lugar e, como um escravo, começa a lavar os pés dos discípulos. Dificilmente se pode traçar uma imagem mais expressiva do que foi sua vida, e daquilo que deseja deixar gravado para sempre em seus seguidores. Repetiu-o muitas vezes: “Aquele que desejar ser grande entre vós, será o vosso servidor; e o que quiser ser o primeiro dentre vós, será o escravo de todos”. Jesus o expressa, agora, plasticamente nesta cena: lavando os pés de seus discípulos está atuando como servo e escravo de todos; dentro de algumas horas morrerá crucificado, um castigo reservado, sobretudo, a escravos.

Tradução de: Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
Fonte: http://padretelmofigueiredo.blogspot.com.br

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