Raquel trabalha em um bar na rua da Areia, onde estão
localizados 12 dos 30 pontos de prostituição da capital
Já faz 12 meses que Raquel (nome fictício) tomou uma decisão
que mudou o rumo da própria vida. Ela tinha 17 anos quando decidiu ingressar na
prostituição, após ser influenciada pela irmã, que já fazia programas sexuais.
A possibilidade de ganhar dinheiro rápido, sem precisar cursar faculdade ou
enfrentar longas jornadas de trabalho, chamou a atenção da jovem.
Com um jeito despojado e roupas sensuais, ela começou a
ajudar no sustento da casa com o lucro dos programas, mas se deparou com uma
realidade de sacrifícios e perigos, impostos pelo preconceito e discriminação.
“A gente não tem apoio de nada e nem de ninguém. Eu não
gosto dessa vida, não. Tenho sonho de arrumar um homem que goste de mim e me
tire dessa vida. Estudo. Faço o segundo grau e quero arrumar um emprego melhor.
Mas, enquanto isso não acontece, vou ficando por aqui mesmo”, conta.
Raquel está entre as quase 450 profissionais do sexo que
atuam na Grande João Pessoa, segundo estimativa da Associação de Profissionais
do Sexo da Paraíba (Apros-PB), entidade que representa as garotas de programa
do Estado. Elas trabalham em bordéis, boates e em vias públicas espalhadas na
capital e nos municípios de Santa Rita, Bayeux e Cabedelo.
Apesar das conquistas femininas, essas mulheres ainda sofrem
preconceitos idênticos aos encontrados séculos atrás.
Considerada uma das profissões mais antigas do mundo, a
prostituição é citada em relatos bíblicos como a causa do apedrejamento de
muitas mulheres.
Apesar dos mais de dois mil anos que já se passaram, as
chamadas “garotas de programa” ainda são vítimas de violência, como relata a
presidente da Apros-PB, Luza Maria Silva.
“Ocorrem muitos casos de clientes que não querem pagar pelo
programa; que contratam um tipo de serviço e, quando a gente chega no local,
querem nos obrigar a fazer o que não foi acordado. É uma luta diária. A
prostituta acaba dialogando com seu parceiro, tentando resolver tudo na conversa,
por causa mesmo do sentimento de insegurança que existe entre nós”, disse.
Em João Pessoa, ainda de acordo com a Apros-PB, existem
cerca de 30 pontos de prostituição. Destes, 12 ficam apenas na rua da Areia,
localizada no Centro de João Pessoa, e que se destacou pela presença de bares e
prostíbulos.
É nesse local, em um bar, ainda em reforma, onde Raquel
trabalha. Ela e outras garotas ficam à porta, esperando por clientes. Quando
eles chegam, são levados para os fundos do estabelecimento, onde ficam os
quartos. A música alta e a pouca iluminação do local também cedem espaço para
episódios de brigas e confusões.
“No último domingo, eu quase morri. Um cliente se negou a
pagar pelo programa e ainda me ameaçou. Foi preciso chamar o dono do bar, que
obrigou o cara a pagar. A polícia nem foi chamada”, disse uma profissional do
sexo, que não quis se identificar.
Mulheres fazem 'ponto' na orla para obter lucro
Em João Pessoa, a orla do Cabo Branco, distante cerca de
oito quilômetros da rua da Areia, concentra outros pontos de prostituição. Por
ser uma área considerada nobre, margeada pela praia e refúgio de turistas, o
local é escolhido por prostitutas que desejam ganhar mais. Na localidade, as
garotas de programa ficam de prontidão, à espera de clientes até durante o dia.
Algumas permanecem por até cinco horas, na calçada de uma rua, vestidas apenas
por biquínis.
Segundo uma garota de programa que atua no local há mais de
dois anos, e que não quis se identificar, o local foi escolhido pela questão
financeira. “O programa custa R$ 100 e dura mais ou menos meia hora. Por dia,
pego até três clientes. Faz dois anos que trabalho aqui, mas minha família não
sabe”, diz outra mulher, de 20 anos, que frequenta o local.
Para a professora doutora da Universidade Federal da
Paraíba, Nádja Carvalho, que reside na área próxima ao Cabo Branco, onde as
garotas de programas fazem “ponto”, a situação é motivo de tristeza. “Muitas
delas vieram de camadas sociais mais excluídas da sociedade; têm histórias de
vida marcadas por abusos sexuais e chegaram a esse ponto por falta de
oportunidades de vida”, lamenta.
Apesar de trabalharem em locais diferentes, as prostitutas
sofrem da discriminação, que é causada até por órgãos públicos. Luza explica
que a Apros se articula com órgãos públicos de saúde e organizações não
governamentais para levar diversos tipos de assistência às prostitutas. No entanto,
encontra dificuldades quando pede ajuda à área de segurança pública.
“O preconceito existe até mesmo entre algumas autoridades
públicas. Há um tempo atrás, organizamos um evento, composto por várias mesas
redondas, para tratar assuntos ligados às prostitutas. Representantes de
diversos órgãos públicos participaram. Mas ninguém da Secretaria de Segurança
compareceu”, lamentou.
“Até um tempo atrás, eram muitos comuns casos de prostitutas
que eram abordadas nas ruas, de forma agressiva, por policiais.
Mesmo proibido por lei, eram revistadas por homens, que as
apalpavam. Ainda havia casos de policiais que prendiam prostitutas e as
obrigavam a fazer sexo com eles, para serem liberadas”, denunciou.
“Isso hoje é mais raro. Se acontece, as prostitutas não
denunciam, porque têm medo de sofrer represálias. Afinal, estamos expostas, nos
locais onde trabalhamos. Quem vai nos dá segurança?”, indaga.
Profissionais têm
medo e vergonha
Mesmo exercendo uma das práticas mais antiga dos mundo,
muitas são as profissionais do sexo que sentem medo ou vergonha de assumir a
atividade. Segundo a professora doutora da Universidade Federal da Paraíba
Glória Rabay, isso ocorre por causa de uma questão cultural, que começou há
mais de dois mil anos.
Com experiência de quem pesquisa há mais de 20 anos as
questões envolvendo conquistas femininas, ela explica que a prostituição surgiu
numa época em que as mulheres eram proibidas de fazer sexo antes do casamento.
“A virgindade das filhas de famílias tradicionais eram guardadas para o
casamento e era condição primordial para comprovar a santidade, a inocência e
moral dessas mulheres”, diz a pesquisadora.
O problema surgiu, segundo a professora, porque os homens,
por seu extinto, não ficaram sem relação sexual e começaram a pagar para ter
sexo com as mulheres que aceitavam essa transação. “Com isso, as prostitutas,
por não seguirem o que a sociedade pregava, eram apedrejadas, expulsas de casa,
consideradas como um lixo, uma escória da sociedade. Isso já existia antes de
Cristo”, completou.
“O sexo também era visto como algo pecaminoso, sujo, e quem
o pratica também é visto assim. Só que a sociedade esquece que só existe
prostituição porque existem clientes. Mas os homens não sofrem preconceito.
Ainda é preciso muita luta para mudar isso”, observa.
A pesquisadora observa que a prostituição deve ser
reconhecida como profissão, porque as praticantes precisam ter direitos
essenciais. “Aposentadoria, auxílio-doença”, cita.
Criada em 2001, a Apros-PB surgiu com a finalidade de lutar
pela regularização da prostituição como profissão. A proposta ganhou o apoio do
projeto de Lei 4.211/12, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ),
mas ainda tramita no Congresso.
Apesar da atividade ainda não ser profissão, as prostitutas
lembram que a prática também não é crime e exigem respeito. “Se não é crime,
não podemos ser discriminadas”, destaca Luza, na “profissão” há 25 anos.
Ela acrescenta que a questão financeira é o principal motivo
que leva muitas mulheres a ingressarem na prostituição. “ Algumas poucas estão
na vida porque gostam mesmo. Mas a maioria está por questão econômica”,
ressalta.
Paula (nome fictício) ingressou na prostituta há quatro
anos, quando tinha 31 anos. Todos os dias, ela faz “ponto” na praça Venâncio
Neiva, Centro de João Pessoa. “Eu coloco meu sobrinho no colégio e vou para o
Centro. Ao meio-dia, volto para casa para pegar a criança da escola. Depois de
almoçar, volto para o 'ponto', onde fico até as 16h. É com esse dinheiro que
sustento minha casa”, conta.
Fonte: Nathielle Ferreira, Jornal da Paraíba
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