“Este aumento tem relação direta com o crescimento da
vulnerabilização das famílias, crianças, adolescentes e mulheres,
principalmente devido ao inchaço dos homens trabalhadores ou em busca de
trabalho e a incapacidade das políticas públicas de educação, saúde, segurança
pública, esporte e lazer, assistência social”.
Pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) em
Altamira apresentaram dados inéditos sobre a violência sexual contra crianças e
adolescentes em Altamira. O relatório final da pesquisa Diagnóstico Rápido
Participativo – Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e
Adolescentes no Município de Altamira mostra um quadro preocupante. A pesquisa
identificou uma série de situações que contribuem para o aumento desse tipo de
violência. A principal é o aumento populacional decorrente da construção da
Hidrelétrica de Belo Monte.
"Até os meus doze anos ele era aquele pai atencioso,
que queria dar educação pros filhos, uma vida honesta. Com o tempo foi
mudando... Eu não saía na porta de casa pra falar com minhas amigas que ele já
tava brigando. Apanhei muito, gostaria de entender o motivo, entendeu? Ele
quebrou um prato no meu rosto, eu tinha uns 14 anos de idade... A primeira vez
que ele mexeu comigo eu tava em casa, sozinha... Eu nunca tinha contado, [ele]
sempre jurou que se eu falasse alguma coisa minha mãe morria...”
O relato é da jovem Priscila (nome fictício). Atualmente com
18 anos, ela sofreu abuso sexual de seu pai entre os 13 e os 17 anos em
Altamira. O caso é apenas um no universo dos abusos físicos e sexuais cometidos
com crianças e adolescentes no município, considerado o maior do mundo em
extensão territorial, e que vem experimentando um crescimento desmedido ao
longo dos últimos anos - sem o devido suporte de políticas públicas –, motivado
pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu.
Na última quarta um grupo de pesquisadores da Universidade
Federal do Pará (UFPA) em Altamira apresentou dados inéditos sobre a violência
sexual contra crianças e adolescentes em Altamira. O relatório final da
pesquisa “Diagnóstico Rápido Participativo – Enfrentamento da Violência Sexual
Contra Crianças e Adolescentes no Município de Altamira” mostra um quadro
preocupante.
Durante seis meses a pesquisa identificou casos de violência
sexual contra jovens e crianças e avaliou as condições de atendimento da rede
de proteção existente na cidade, que vem sofrendo grandes modificações devido à
instalação da hidrelétrica. Além do perfil das vítimas, o estudo mostra quem
são os agressores e os principais locais onde acontecem aliciamentos, além de
uma análise da resolução dos casos denunciados nos últimos 50 anos.
A pesquisa foi produzida a partir do apoio da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República pelo projeto “Roda de Direitos”,
mantido no Campus de Altamira, e teve como principais fontes de dados o
Conselho Tutelar de Altamira, o Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) do município e o Tribunal de Justiça local.
Os pesquisadores realizam 81 entrevistas em 15 bairros da
cidade e coletaram dados em 25 instituições para saber como a população de
Altamira percebe os casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Indagados se tinham conhecimento de casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes no município, 70% total de entrevistados respondeu positivamente.
O perfil majoritário identificado pela pesquisa é do sexo
feminino, entre 11 e 15 anos, moradoras da cidade de Altamira, de bairros da
periferia e do centro. A pesquisa indica que a maioria dos casos de violência
sexual contra crianças e adolescentes que são denunciados às instituições da
rede de proteção é de abuso sexual. A partir daí o estudo identificou que os
principais locais de ocorrência deste tipo de violência é a própria residência
familiar ou nas proximidades.
Parentesco
“Os abusadores acabam sendo pais, padrastos, companheiros,
vizinhos e outras pessoas com relação de parentesco ou de confiança. Quanto à
exploração sexual, há uma dificuldade de visibilidade destes casos e uma
quantidade muito menor de denúncias nos órgãos oficiais, como no Fórum de
Justiça de Altamira, onde para cada 10 processos judiciais que versam sobre
abuso sexual há apenas um caso de exploração sexual”, explica Assis da Costa,
um dos pesquisadores que coordenou o estudo.
Ainda assim, foi possível identificar, junto à Comissão
Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes
de Altamira, locais com indícios de ocorrência deste tipo de caso, sobretudo na
região da Orla do Cais – região mais turística da cidade –, a região no entorno
da rodoviária e do porto da balsa do PA Assuriní. A exploração ocorre ainda em
locais específicos como postos de combustível, boates, bares e casas de
espetáculo, e também na praia do Pedral.
O cenário da exploração em Altamira foi feito sob uma
perspectiva histórica para se ter uma dimensão do grau de impacto deste tipo de
violência no município. Os dados do CREAS indicam que em 2009 houve 29 casos de
violência sexual, que subiram para 43 em 2010. Em 2011 foram 75 casos e, em
2012 houve 25 ocorrências até junho, quando foi encerrada a pesquisa. Já os
dados do Conselho Tutelar apontam que em 2008 foram denunciados 12 casos de
violência sexual, em 2009 foram 29 casos, em 2010 um total de 43, em 2011 subiu
para 75 casos e finalmente em 2012, ainda com dados parciais, um total de 169
casos.
Segundo Assis, esses são os casos que chegam às instituições
e que se tornam visíveis. “É muito provável que representem apenas um terço dos
casos, pois sabemos das dificuldades de denúncia dos casos de abuso sexual e
dos casos de exploração sexual, que é principal gargalo de denúncia local”,
atesta
A situação complica ainda mais pelas dificuldades da
investigação e de inteligência da polícia local, que acabam não punindo os
agressores. “Vimos que no Fórum de Justiça de Altamira existem muitos processos
sem a identificação básica do agressor, seu local de moradia, que o inquérito
policial não contém. Com isso, os processos acabam suspensos e muitos casos,
arquivados ou há absolvição dos réus, que nunca são encontrados”.
Além do perfil das vítimas, o estudo mostrou quem são os
agressores, os principais locais onde acontece o aliciamento e ainda uma
análise da resolução dos casos denunciados nos últimos 50 anos.
Hidrelétrica de Belo
Monte é principal foco do problema
A pesquisa identificou uma série de situações que contribuem
para o aumento desse tipo de violência. A principal é o aumento populacional
decorrente da construção da Hidrelétrica de Belo Monte. “Este aumento tem
relação direta com o crescimento da vulnerabilização das famílias, crianças,
adolescentes e mulheres, principalmente devido ao inchaço dos homens
trabalhadores ou em busca de trabalho e a incapacidade das políticas públicas
de educação, saúde, segurança pública, esporte e lazer, assistência social”, coloca
o pesquisador Assis da Costa.
Denúncias
Ao mesmo tempo, ele diz que há um processo de sensibilização
da sociedade, por meio de campanhas, palestras, passeatas, informes na mídia
que possibilitaram o aumento das denúncias de abuso sexual. “Isso é fruto de
lutas e mobilizações sociais de mais de 20 anos, da época do caso dos meninos
emasculados de Altamira e vem se fortalecendo nos últimos anos”.
Houve ainda a criação do Juizado da Infância e da Juventude,
o Núcleo de Atendimento Especial da Criança e do Adolescente (NAECA) da
Defensoria Pública do Estado, e a existência de um CREAS no município, que
melhorou o enfrentamento à situação no município. Assis da Costa lembra que
pesquisa é um instrumento para reforçar o enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes. “É preciso entender que a situação singular pela qual
passa o município – e a região do Xingu como um todo – exige investimentos que
possam fortalecer não apenas as instituições, mas também a garantia de direitos
básicos para crianças, adolescentes e suas famílias”.
Por outro lado, prossegue, é preciso que o Consórcio
Construtor Belo Monte (CCBM) assine o Pacto de Compromisso elaborado pelo
Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, e que define uma
série de medidas educativas, investigativas e repressivas para serem aplicadas
na região dos canteiros de obra da UHE Belo Monte.
Resposta
Em nota, a Norte Energia informou que ainda não foi
convidada a assinar nenhum pacto em Altamira. “Mas a empresa não tem medido
esforços para combater toda e qualquer forma de exploração em Altamira e
cidades adjacentes, bem como para promover a justiça e a melhoria da qualidade
de vida dessas populações. A empresa está sempre aberta a parcerias cujo
objetivo é a diminuição das desigualdades sociais e a promoção do bem estar
coletivo”, informa a empresa.
Fonte: Diário do Pará
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