A Boate Xingu, onde 14 mulheres foram resgatadas na semana
passada, está localizada em área declarada de interesse público para a
construção da usina de Belo Monte, em Vitória do Xingu (PA). Segundo a polícia
civil, as vítimas, entre as quais estão uma adolescente de 16 anos e uma
travesti, estavam submetidas a condições análogas à escravidão e foram
aliciadas em estados do Sul do país, o que pode configurar tráfico de pessoas.
Em 5 de março de 2011, a Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL) publicou a resolução autorizativa número 2.853, “que declara
de utilidade pública, para fins de desapropriação, em favor da Norte Energia
S.A., as áreas de terra necessárias à implantação da UHE Belo Monte,
localizadas no Município de Vitória do Xingu”.
De acordo com a ANEEL, a área perfaz 3.536,2587 hectares de
“propriedades particulares localizadas no Município de Vitória do Xingu, Estado
do Pará, necessárias à implantação da UHE Belo Monte, representadas nos
desenhos intitulados: ‘UHE Belo Monte – Canteiro de Obras – Sítio Pimental’ e
‘UHE Belo Monte – Canteiro de Obras – Sítio Belo Monte’”, e engloba a Vila São
Francisco, onde o dono da Boate Xingu, Adão Rodrigues, teria arrendado 2
hectares de um morador local.
No último dia 18, o Consórcio Norte Energia, responsável
pela construção de Belo Monte, informou, através de nota à imprensa, que “o
referido imóvel [Boate Xingu] funcionava em uma chácara na zona rural daquele
município [Vitória do Xingu], em terreno particular de propriedade desconhecida
e distante cerca de 20 quilômetros do canteiro de obras mais próximo”.
De fato, segundo moradores locais, o sitio arrendado a
Rodrigues ainda não foi desapropriado pela Norte Energia, ao contrário de
outros terrenos da comunidade. De acordo com Pedro dos Santos, coordenador
regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri),
“quase todos os lotes da Vila São Francisco já foram desapropriados. Em um
deles, ao lado da boate, há uma área onde a Norte Energia leva animais
resgatados na região. Do outro lado da boate fica a casa do pobre de um pastor
evangélico, que também não foi desapropriado ainda; o resto foi quase tudo. É
bem na beira do Travessão do 27 (estrada vicinal que dá acesso ao canteiro Canais
e Diques da usina)”.
A Boate Xingu começou a funcionar no local no final de 2012,
explica o delegado Cristiano Marcelo do Nascimento, superintendente regional da
polícia civil. “Antes, o Adão tinha uma outra boate, que ele montou ainda em
2011 na rodovia PA 415, que liga Altamira à Vitória do Xingu. Ficou lá uns seis
meses, mas era fora de mão, não tinha movimento. Aí ele fechou. Foi entre
outubro e novembro que ele abriu a nova boate no Travessão do 27”.
De acordo com um funcionário de uma empresa terceirizada que
trabalha no transporte de trabalhadores de Belo Monte, de fato a nova
localização do prostíbulo foi estrategicamente calculada para atender os
operários da usina. “A Norte Energia melhorou a estrada para permitir o acesso
aos canteiros, e a boate ficou bem no ponto de fácil acesso. Sempre está cheia
de trabalhadores”, conta o motorista, que pediu para não ser identificado.
Prostituição e
exploração de crianças
Depois do resgate das vitimas da Boate Xingu, ainda na
semana passada a polícia civil realizou outra operação na cidade de Altamira,
que resultou no fechamento de mais três boates por crime de rufianismo
(definido pelo artigo 230 do Código Penal Brasileiro como “Tirar proveito da
prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se
sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”). De acordo com o delegado
Cristiano do Nascimento, a maioria das mulheres resgatadas nesta operação
também não era do Pará. “Havia moças do Acre, do Amazonas, Amapá e Maranhão”.
No conjunto das operações, foram resgatadas 34 mulheres.
Já na manhã desta quarta-feira, 20, a polícia de Vitória do
Xingu prendeu Marlene Lopes Carlos, dona de um bar na vila de Belo Monte
(localizada entre Altamira e Anapu, próximo ao sitio Belo Monte, um dos quatro
canteiros da usina), e resgatou outras três mulheres e uma travesti. “Desde o
ano passado recebemos denúncias de prostituição ilegal na Vila Belo Monte. Mas
hoje constatamos de fato a prática e efetuamos a prisão da cafetina”, relata
Cristiano Nascimento. De acordo com o delegado, problemas com prostituição na
região da usina estão aumentando em razão do grande número de operários. “Não
tem jeito, outros locais surgirão na região”, avalia.
A opinião é compartilhada pelo professor e pesquisador da
Universidade Federal do Pará, Assis Oliveira, que estuda a violência sexual
contra crianças e adolescentes na região com apoio do Programa de Ações
Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil,
do governo federal (PAIR).
Segundo o pesquisador, o número de denúncias cresceu muito
nos últimos três anos, e há mais de 170 casos de violência sexual
(principalmente estupro) contra crianças e adolescentes registrados na 5ª Vara
da Justiça Estadual em Altamira, sendo 5% de exploração sexual. “Um dos vetores
destes problemas sem dúvida é a chegada de Belo Monte. Mas também temos que
reconhecer que o poder público tem sido mais atuante, o atendimento às vítimas
melhorou e aumentou a conscientização. Assim também aumentou o número de denúncias”.
De acordo com um relatório publicado no site do Ibama, entre
2009 e 2012 foram registrados 50 casos de prostituição, estupro e abuso contra
crianças e adolescentes nos municípios de Altamira, Anapu, Senador José
Porfírio, Vitória do Xingu e Brasil Novo, mas estes números estão largamente
subestimados, afirmam pesquisadores da área. “Não há uma metodologia de
gerenciamento das denúncias, o que torna mais difícil quantificar os casos de
violência sexual”, avalia Assis Oliveira.
Fonte: Agência Repórter Brasil
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