Aos 75 anos, o pensador marxista escreveu um livro
inesperado em que exalta o empenho do casal e a fidelidade: "O sexo é
consumo. O sentimento é invenção contínua".
A reportagem é de Stuart Jeffries, publicada na revista
italiana Panorama, 06-07- 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Alain Badiou, 75 anos, venerável maoísta e participante do
1968, e que na França é uma figura tão controversa que a revista Marianne lhe
dedicou um artigo intitulado "Badiou: o astro da filosofia é um
bastardo?", sorri na sala do seu apartamento parisiense. "Todos dizem
que o amor é encontrar a pessoa certa para mim, e depois tudo vai ficar bem.
Mas não é bem assim. Isso envolve trabalho. É um homem idoso que lhes diz
isso!".
Em seu novo livro, Elogio dell'amore (Ed. Neri Pozza, 160
páginas), Badiou escreve: "Só uma vez na minha vida eu renunciei a um
amor. Foi o meu primeiro amor, e depois, gradualmente, eu percebi que esse
passo tinha sido um erro. Eu tentei recuperar aquele amor inicial tardiamente,
tarde demais – a morte da minha amada estava se aproximando –, mas com uma
intensidade e um senso de necessidade únicos". Essa renúncia e a tentativa
de recuperação marcaram todas as relações amorosas do filósofo: "Houve
dramas, dores de amor e dúvidas, mas eu nunca abandonei um amor de novo. E eu
me sinto realmente encorajado pelo fato de que as mulheres que amei eu as amei
para sempre".
Penso na distinção descrita por Badiou em Elogio dell'amore.
"Enquanto o desejo se foca no outro, sempre de uma forma um pouco
fetichista, em objetos específicos como seios, nádegas e pênis, o amor se foca
no próprio ser do outro, no outro da forma como ele irrompeu, completamente
armado com o seu ser, na minha vida, que, por consequência, é perturbada e
remodelada".
Em outras palavras, o amor é, em muitos aspectos, o oposto
do sexo. Segundo Badiou, o amor é o que acontece depois da irrupção causal e
perturbadora na nossa vida. Ele expressa isso de uma forma filosófica: "A
absoluta contingência do encontro assume a aparência de destino. A declaração
de amor marca a transição do acaso ao destino, e é por isso que ela é tão
arriscada e tão cheia de uma espécie de horripilante medo de desempenho".
O trabalho do amor consiste em derrotar esse medo. Badiou cita Stéphane
Mallarmé, que via a poesia como o "acaso derrotado, palavra após
palavra". Uma relação amorosa é semelhante: "No amor, a fidelidade
significa essa vitória estendida: a casualidade de um encontro derrotada dia
após dia pela invenção de algo que irá durar", escreve Badiou.
Certamente, com o seu elogio da fidelidade, ele parece um
homem fora do seu tempo. "Em Paris, hoje, metade dos casais não ficam
juntos mais do que cinco anos", diz. "Isso é triste, porque eu acho
que muitas dessas pessoas não conhecem a alegria do amor. Eles conhecem o
prazer, mas todos sabemos o que Lacan disse sobre o prazer sexual".
De fato, segundo o psicoterapeuta Jacques Lacan, a relação sexual
não existe. Lacan defendia que a realidade se coloca em uma dimensão
narcisista, o que liga imaginários. "Até certo ponto, eu concordo com ele.
Se você se limita ao prazer sexual, é algo narcisista. Você não se conecta com
o outro; você tira dele o prazer que quer".
Mas uma pergunta: o hedonismo desencadeado pelos episódios
do Maio francês, do qual Badiou participou, não estava centrado na libertação
das convenções sociais? Como é possível que hoje ele teça elogios de noções
burguesas, como compromisso e felicidade conjugal? "Bem, eu concordo
absolutamente que o sexo precisa ser liberto da moral. Não vou falar contra a
liberdade de fazer experiências sexuais como faria um velho estúpido – un vieux
connard –, mas, libertando a sexualidade, você não resolve os problemas do
amor. É por isso que eu proponho uma nova filosofia do amor, segundo a qual
você pode evitar problemas ou trabalhar para resolvê-los".
Mas, afirma, esquivar os problemas do amor é exatamente o
que fazemos na nossa sociedade, adversa ao risco e
"compromissofóbica". Badiou ficou impressionado com os slogans do
site de encontros francês Méetic como "Encontre o amor perfeito sem
sofrer" ou "Ame sem se apaixonar". "Para mim – afirma –
esses cartazes destroem a poesia da existência. Eles tentam suprimir a aventura
do amor. A ideia deles é que você calcule quem tem os seus mesmos gostos, as
mesmas fantasias, os mesmos tipos de férias, quem quer o mesmo número de
filhos. O Méetic tenta voltar para casamentos arranjados – não pelos pais, mas
pelos próprio amantes". Mas isso não vai ao encontro de uma demanda?
"Certamente. Todo mundo quer um contrato que os proteja contra os riscos.
Mas o amor não é isso. Você não pode comprar alguém que lhe ame. Sexo sim, mas
não alguém que lhe ame".
A filosofia do sujeito de Badiou é uma elaboração do slogan
existencialista de Jean-Paul Sartre, "a existência precede a
essência", e incorpora uma hipótese comunista que agradaria a Louis
Althusser. Também é uma crítica dura a filósofos franceses do pós-guerra e
muitas vezes pós-modernos como Derrida, Lyotard, Baudrillard e Foucault. O que
é o sujeito para Badiou? "Simone de Beauvoir escreveu que você não nasce
mulher, você se torna mulher. Eu diria que você não é um sujeito ou um ser
humano, mas se torna um. Você se torna um sujeito na medida em que você pode
responder aos eventos. Para mim, pessoalmente, eu respondi aos eventos de 1968,
eu aceitei meu destino romântico, continuei interessado em matemática – todos
esses eventos do acaso me fizeram quem eu sou".
E conclui: "Você descobre a verdade em sua resposta ao
evento. A verdade é uma construção depois do evento. O exemplo do amor é o mais
claro. Ele começa com um encontro que não é calculável, mas, mais tarde, você
percebe o que ele foi. O mesmo vale para a ciência: você descobre algo
inesperado – como as montanhas na Lua, digamos –, e, depois, há um trabalho
matemático para lhe dar sentido. Esse é um processo de verdade, porque nessa
experiência subjetiva há um certo valor universal. É um procedimento de verdade
porque leva da experiência subjetiva e do acaso ao valor universal".
Fonte: Ihu
Nenhum comentário:
Postar um comentário