O documento ignora a justiça social, os direitos humanos e a justiça ambiental, optando pelo crescimento e expansão do modelo econômico existente, tornando-o "verde” e transformando todos os serviços dos ecossistemas em commodities e produtos de mercado.
Nós da sociedade civil organizada acompanhamos, desde o ano
passado, todo o processo de elaboração do documento final da Rio+20 (o Rascunho
Zero). Intitulado "O Futuro que Queremos”, o texto foi apresentado
oficialmente na manhã de hoje, 19, e aprovado por 193 países. O documento
ignora a justiça social, os direitos humanos e a justiça ambiental, optando
pelo crescimento e expansão do modelo econômico existente, tornando-o
"verde” e transformando todos os serviços dos ecossistemas em commodities
e produtos de mercado. A afirmação do marco dos direitos humanos é fundamental
porque gera obrigação dos Estados para sua realização e deveriam ser estes, por
meio de seus governos eleitos democraticamente, os realizadores e
implementadores dos mesmos.
Mas, observem bem, para os mais atentos ao documento, existe
todo uma afirmação dos direitos, mas construídas de uma maneira em que a
linguagem da obrigação de realização, por parte dos Estados, seja aliviada.
Isto é, desconstrói-se a ideia da obrigação pela ideia da simples referência e,
ao mesmo tempo, abre-se caminho para a entrada do setor privado na decisão e
realização das obras e atividades que originalmente seriam obrigação do Estado.
É onde a idéia da economia verde se conecta com as Metas de Desenvolvimento
Sustentável, pois a maneira em que estão sendo construídas valerão apenas para
os países pobres ou em desenvolvimento e não envolvem os países ricos.
Mercantilização e financeirização dos bens comuns e
privatização das instâncias públicas é a lógica que vem organizando todos os
debates oficiais da Rio+20. Acredito ser fundamental estarmos atentos porque
rapidamente está se promovendo uma mudança lenta e efetiva contra os parâmetros
de direitos humanos e de dignidade humana e ambiental que, a duras penas, se
construiu nas últimas décadas.
As negociações do pilar econômico estão se dando no âmbito
do G20, entre outros arranjos entre países ricos e em desenvolvimento (BRICS,
IBAS, BASIC), enquanto na Rio+20 se dão os debates no âmbito ambiental e o
social escondido e restrito á idéia de economia verde, inclusiva e de combate a
pobreza. Como se o mundo, da maneira em que se encontra hoje se resolvesse
apenas com o combate à pobreza. G20 não é legítimo para lidar com as
necessidades da humanidade e da natureza, muito menos para deliberar em nome
dos povos e nações que estão ausentes. O fato de se constituírem como a maioria
da população, dos produtores de alimentos e detentores de poder econômico não
lhes faculta o direito de decidir em nome dos outros. Democracia incluí
minorias à igualdade. Sem falar na inversão de poder econômico que existe hoje
entre os países chamados desenvolvidos e em desenvolvimento quando comparadas
suas economias.
É esse o futuro que queremos? A resposta tenderá ser por
meio de mais lutas políticas e uma mobilização geral e irrestrita contra a
submissão dos Estados e dos povos ao mundo da lógica do capital e dos
interesses privados como condutores de nossas vidas. Processos como o levante
do norte da África, Indignados na Espanha, estudantes no Chile, entre outros
são expressão da insatisfação da grande maioria impactada. É neste sentido que
a organização civil global se junta. Queremos reorganizar nosso campo de luta
para disputar sentidos e realizar o contra-ponto, a contra-hegemonia necessária
à afirmação daquilo que acreditamos que deva ser o norte da humanidade:
processos diversos, democráticos e de afirmação dos direitos humanos de forma radical
e inegociável.
Por Iara Pietricovsky
Antropóloga, membro do colegiado de gestão do Inesc e do
Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20
Fonte: adital
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