segunda-feira, 4 de junho de 2012

Cuidadores de idosos: profissão mais perto de ser regulamentada pelo Senado


De acordo com a professora Marília Berzins, de 10 a 20% dos idosos brasileiros necessitam de cuidados. Entretanto, não se sabe ainda o número de cuidadores atuando no país. "Por não terem uma associação nacional, e não exercerem uma profissão regulamentada, não sabemos quantos cuidadores existem. E, além disso, tem um mercado informal, acontece muito no Brasil a situação de uma pessoa ser empregada doméstica e fazer trabalhos de cuidador de idosos, juntando as duas funções. Com a regulamentação, vamos identificar quantos são os cuidadores, porque a profissão aparecerá no Ministério do Trabalho", explica.

Um dos ganhos da regulamentação, de acordo com Jorge Roberto, é também a possibilidade de organização destes profissionais
Pesquisadores do tema e cuidadores de idosos avaliam que proposta do Senado se aproxima da regulamentação ideal. Enquanto isso, no RJ, projeto de lei estadual tenta regulamentar a profissão na contramão da conjuntura nacional.
  A senadora Marta Suplicy (PT-SP) apresentou no início de maio o relatório doPL 284/2011, de autoria do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), que regulamenta a profissão de cuidador da pessoa idosa. O relatório foi apresentado após uma consulta pública eletrônica realizada entre os meses de dezembro de 2011 e março deste ano. No texto, a senadora se diz inteiramente favorável à aprovação do projeto e apresenta um substitutivo contemplando sugestões coletadas durante a consulta e também uma audiência pública sobre o tema. A senadora realiza nesta semana outra audiência pública na cidade de São Paulo, para debater o PL com os movimentos sociais ligados ao cuidado das pessoas idosas. "Dentre os que circulam no Congresso, este é o projeto de lei com maior proximidade das necessidades da população idosa e principalmente dos cuidadores", avalia a professora Marília Berzins, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento da PUC São Paulo e também membro do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE).
 
Pesquisadores ligados ao tema são unânimes no apoio à proposta, ainda que considerem que o texto pode melhorar em alguns aspectos. O professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense e Presidente da Associação Nacional de Gerontologia Seção Rio de Janeiro, Serafim Paz, acredita que o projeto não pode limitar a profissão de cuidador ao campo da saúde. "Estamos muito afinados com o projeto relatado pela Senadora Marta Suplicy, embora ainda existam alguns aspectos nos quais precisamos avançar, principalmente na questão de atribuir à profissão de cuidador da pessoa idosa um atrelamento à área de saúde. Temos este desafio de não vinculá-lo a este único campo", aponta ele. "Nós defendemos que o cuidador não é um profissional exclusivo da saúde, conquanto grande parte deles trabalhem com questões de saúde. Mas nós defendemos que tem lugar para o cuidador de idosos na assistência social, na educação, na cultura, no turismo, então, queremos abranger mais esse papel social que o cuidador terá", acrescenta Marília.

O pesquisador e coordenador do curso de formação de cuidadores de idosos oferecido pela EPSJV/Fiocruz Daniel Groisman acredita que o substitutivo ao projeto de lei resolve alguns impasses sobre o tema. "Esta versão apresentada pela senadora é muito feliz, não é o projeto perfeito, mas ela acerta em pontos muito favoráveis e importantes para o reconhecimento que é justo e necessário dos cuidadores. O texto consegue encontrar algumas soluções para certos impasses, por exemplo, o impasse com a questão da enfermagem. A senadora propõe uma solução permitindo que o cuidador possa seguir instruções de cuidados de saúde dadas por profissionais de saúde que se responsabilizem pelas prescrições", observa.
No PL 284 consta, entre as funções do cuidador da pessoa idosa, "cuidados de saúde preventivos, administração de medicamentos e outros procedimentos auxiliares de saúde" (inciso III do artigo 2º). Mas no mesmo artigo, um parágrafo acrescenta que "a administração de medicamentos e outros procedimentos de saúde mencionados no inciso III deste artigo deverão ser autorizados pelo profissional de saúde habilitado e responsável por sua prescrição". Outras funções dos cuidadores elencadas pelo PL são "prestação de apoio emocional e na convivência social da pessoa idosa", "auxílio e acompanhamento na realização de rotinas de higiene pessoal, ambiental e de nutrição, preservando-se a sua dignidade e a sua intimidade", "auxílio e acompanhamento na mobilidade da pessoa idosa".

Direitos nacionais, restrições regionais
 No Rio de Janeiro, é justamente o impasse com a enfermagem citado por Daniel Groisman que está em discussão desde o ano passado. Na contramão do cenário nacional, tramita na Assembleia Legislativa do estado do Rio (Alerj), um projeto de lei (979/2011) que também tem o objetivo de regulamentar a profissão, mas restringe a atuação dos cuidadores explicitando procedimentos que estes profissionais não podem realizar, como a administração oral de medicamentos. O projeto, de autoria da deputada estadual enfermeira Rejane (PCdoB-RJ), tinha uma redação ainda mais restritiva, uma vez que exigia a formação técnica em enfermagem para que uma pessoa pudesse exercer a profissão de cuidador de idosos. Diante das críticas, o texto atual excluiu a exigência dessa formação, mas manteve uma lista de "procedimentos vedados". Além da administração de medicamentos, já mencionado, entre os procedimentos não permitidos pelo projeto de lei que mais geraram polêmica estão "controlar e aferir os sinais vitais", "aplicar calor ou frio" e "fazer nebulização", dentre outros.

Assim como os pesquisadores têm apoiado o processo de regulamentação ancorado pelo PL 284 do Senado, também têm criticado o PL estadual 979/2011, que já foi aprovado em 1º turno na Alerj. "O PL 979/2011 tem um artigo que é correto que fala que o cuidador não deve realizar procedimentos que são exclusivos das outras profissões. Aliás, nenhum profissional pode realizar procedimentos que competem a outras profissões, a não ser que ele esteja habilitado legalmente para fazer isso. Porém, o PL tem um segundo artigo que traz essa lista com mais de uma dezena de procedimentos que o cuidador estaria impedido de fazer e são procedimentos ou ações elementares, universais para o cuidado. Por exemplo, ver os sinais vitais de uma pessoa, que inclusive é uma matéria que poderia ser ensinada nas escolas, seguir a prescrição de um médico para dar um remédio oral na hora certa, cuidar de alguém que esteja doente, são ações elementares, essenciais para a sobrevivência e cuidado e que inviabilizariam o trabalho do cuidador", critica Daniel Groisman. O professor acrescenta que o mesmo não vale para procedimentos que exigem outro tipo de formação. "Não estou falando que o cuidador tenha que fazer procedimentos invasivos da enfermagem, mas estes cuidados universais, básicos, têm que ser permitido a ele fazer", reforça.

A deputada estadual enfermeira Rejane diz que decidiu paralisar neste momento a tramitação do projeto. Segundo ela, o processo "correu muito" e, como foi procurada por grupos representantes de cuidadores e de proteção aos idosos questionando o PL, decidiu ir com mais calma na tramitação. "Durante a audiência pública que realizamos no dia 21 de maio, esses grupos propuseram emendas modificativas ao PL, que agora estamos sistematizando. Estamos analisando se fazemos uma nova audiência pública ou, para andar mais rápido, chamamos um grupo de trabalho para dar continuidade no processo. As proposições estão bem pertinentes, quando o projeto sair, ele sairá com um texto mais discutido democraticamente", garante.
 Rejane reconhece que o artigo que especifica os procedimentos é o ponto mais polêmico do projeto, mas defende que é preciso especificar as atividades. Segundo ela, não basta dizer que o cuidador não pode exercer atividades inerentes a outras profissões porque as atividades da enfermagem, por exemplo, não estão especificadas na regulamentação da profissão. "No caso da enfermagem, estas atividades não estão listadas, não há uma lei específica que diga, por exemplo, que atividade de verificação de pressão ou controle hídrico é atividade da enfermagem. A lei da enfermagem fala apenas em procedimentos de média, alta e baixa complexidade. Mas o que significa isso? Então, como não está especificado em nenhuma legislação, é complicado simplesmente subjetivar. Por isso que nesse momento acreditamos que é importante manter estas técnicas", diz.
 
De acordo com a deputada, o objetivo do PL não é fazer uma de reserva de mercado. "Não é nada disso, a gente até entende que o cuidar tem que ser universal, quanto mais as pessoas tomarem conhecimento da saúde, a enfermagem acha que menos pacientes serão internados. Não achamos que o conhecimento tem que ser específico. Mas ao mesmo tempo nós sabemos que as condições de saúde e atendimento nos asilos podem estar fazendo com que este profissional [o cuidador] seja às vezes até obrigado a fazer procedimentos que eles não têm competência para fazer", defende. Embora discorde em suprimir o artigo que explicita procedimentos, Rejane diz que está disposta a flexibilizá-lo e que pode tirar do texto algumas ações como a administração oral de medicamentos e a aferição de sinais vitais. "Esses dois procedimentos são universais; mas, outros, acho que temos que manter", diz.

Para a professora Marília Berzins é clara a intenção do projeto de destinar uma fatia do mercado para os profissionais da enfermagem. Ela aposta que há espaço para as duas profissões no mercado de trabalho. "O cuidador de idosos vai fazer coisas que a enfermeira, o técnico e o auxiliar de enfermagem não fazem. Por exemplo, você vai pedir para o técnico ou auxiliar fazer uma comida para um idoso que mora sozinho? Isso não é competência deste profissional. Este projeto nos parece uma reserva de mercado para essa categoria, uma vez que em São Paulo, por exemplo, muitos auxiliares e técnicos de enfermagem estão se oferecendo para as famílias para serem cuidadores de idosos, mas são profissões diferentes e que têm lugar no mercado de trabalho", enfatiza.

O cuidador de idosos e presidente da Associação de Cuidadores de Idosos de Belo Horizonte Jorge Roberto também critica o projeto de lei que tramita no Rio de Janeiro. "Fica bem claro o interesse de uma categoria específica, que eu acredito que está perdendo um pouco do mercado de trabalho. E eles creditam o fato de o mercado de trabalho estar um pouco ruim a ascensão do cuidador, o que não é verdade. O PL do Rio está na contramão de todos os projetos que tramitam hoje no Senado e na Câmara e está totalmente contrário a todos os especialistas da área", reforça.
 Daniel Groisman lembra que desde o final da década de 90, a profissão de cuidadores de idosos enfrenta resistências da enfermagem. Ele relata que 1999, em São Paulo, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) decidiu proibir os enfermeiros de darem aulas em cursos para cuidadores. "Essa proibição deliberadamente prejudica a formação dos cuidadores e a população como um todo, e foi copiada pelos conselhos do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Posteriormente, o Coren do Distrito Federal revoga essa proibição e o de São Paulo a modifica dizendo que é proibido apenas ensinar procedimentos exclusivos da enfermagem, mas o Rio de Janeiro o mantém. O que está por trás desse projeto de lei [979/2011] é esse conflito sobre se alguma profissão teria uma exclusividade nas atividades de cuidado. Nós entendemos que não, o cuidado não pertence a nenhum tipo de profissão, é uma atividade básica do ser humano, básica da família".

O professor destaca também a importância da mobilização dos diversos setores envolvidos com o tema, o que, de acordo com ele, foi fundamental para que a deputada enfermeira Rejane apresentasse uma nova versão do projeto sem a exigência do curso técnico em enfermagem. Presente na audiência pública na Alerj, Daniel conta que o espaço destinado à audiência não foi suficiente para comportar todos os cuidadores presentes. "Conseguimos mobilizar dezenas de entidades, muitos cuidadores, representantes de diversas instituições. Neste dia, nós solicitamos que uma nova versão do projeto seja democraticamente apresentada em nova audiência pública e debatida com as pessoas interessadas", ressalta.
 
Formação
 A necessidade de formação dos cuidadores de idosos é outro ponto comum no pensamento entre os pesquisadores do tema e entre os próprios cuidadores. O PL 284/2011, do Senado, determina que poderá exercer a profissão "o maior de dezoito anos que tenha concluído o ensino fundamental e que tenha concluído, com aproveitamento, curso de qualificação para a formação de cuidador de pessoa idosa, conferido por instituição de ensino reconhecida por órgão público de educação competente".
 Jorge Roberto, da Associação de Cuidadores de Idosos de Minas Gerais, avalia que a redação do PL 284 ainda não é a ideal, mas está próxima do que ele considera ser um bom projeto de regulamentação da profissão. Jorge discorda do texto quanto à exigência do ensino fundamental. Ele acredita esta seria a condição ideal, mas não é ainda a realidade da maioria dos cuidadores. "Para isso ser possível temos que ver algumas formas de inserir esses cuidadores nos processos educativos para que eles possam concluir o ensino fundamental. A grande maioria ainda tem baixa escolaridade. Eu defendo que neste momento não se estabeleça o ensino fundamental, do contrário correríamos o risco de exclusão de muitos cuidadores que ainda hoje trabalham na informalidade. Podemos resolver isso dando um tempo de cinco a dez anos para que estes cuidadores se formem. Além do mais, acredito também que essa formação hoje já vem ocorrendo, então, daqui a dez anos nem seria tão necessário mais explicitar essa exigência porque a grande maioria já terá o ensino fundamental", argumenta.
 De acordo com o professor Serafim Paz, está sendo discutida com a senadora Marta Suplicy a possibilidade de os cuidadores terem um tempo para se adequarem à exigência. "Estamos propondo que após a promulgação da lei os cuidadores tenham até dez anos para se adequarem tanto à escolaridade mínima, quanto ao mínimo de carga horária dos cursos de formação - que defendemos que seja de 160 horas. Nós propusemos, inclusive, que em qualquer carga horária, seja 160 horas no mínimo ou mais, que 25% dessa carga horária seja destinada a atividades práticas acompanhadas e supervisionadas por profissionais do campo da gerontologia. Embora tenhamos colocado essa proposta como emenda, a senadora não a contemplou, mas estamos tentando garantir que ela contemple", afirma.
 O PL 284 diz também que os cuidadores que comprovarem o exercício da atividade há pelo menos dois anos quando da entrada em vigor da lei serão dispensados da exigência do curso de cuidador. Outra possibilidade apresentada pelo PL é o cuidador com mais de 30 anos participar de um programa de certificação de saberes reconhecido pelo MEC e ficar dispensado da realização do curso.
 Jorge Roberto acredita que a própria regulamentação pode ser um incentivo para os cuidadores buscarem formação, desde que haja políticas específicas para este público. "Dando um tempo prévio para que o cuidador possa voltar a estudar, ele terá interesse em buscar um EJA [Educação de Jovens e Adultos] e quem sabe até um curso de nível técnico e superior. Mas até para que isso ocorra temos que entender também qual é a realidade do trabalho desses cuidadores. Uma grande parcela deles trabalha em uma carga horária incompatível com o estudo, a exemplo daqueles que trabalham 24 por 24 horas. Será que o poder público vai criar ensino específico para quem estuda um dia sim e um dia não? Então, isso tem que ser repensado", problematiza.
 Daniel observa que um dos impasses para a profissionalização dos cuidadores de idosos é justamente a ausência de uma política pública consistente de formação. Ele exemplifica com a desativação do Programa Nacional de Formação de Cuidadores de Idosos pelo governo federal. "O que levou a interrupção do Programa Nacional de Formação de Cuidadores foi justamente a não responsabilização do estado na formação e no apoio aos cuidadores. A ideia que motivou essa interrupção é a de que os cuidadores não estão formalmente inseridos nos serviços públicos, não pertencem aos quadros do SUS, e, portanto, não podem ser os destinatários dessa política. Isso tem que ser superado com a ideia de que cabe sim ao estado fazer uma política de formação, criar e fortalecer políticas de cuidado", aposta.
 Para o professor, é preciso romper também com a ideia de que o cuidado é uma função de livre exercício e não requer qualificação, bastando que se tenha aptidão para este trabalho. "Esses cuidadores trabalham em condições muitas vezes precárias, há dados de pesquisas que apontam a baixa remuneração, a baixa formalização, a baixa escolaridade. E a forma que temos para fortalecer esses cuidadores é regulamentar essa profissão, mas sem que isso signifique uma restrição ao acesso à formação. Não se pode ter exigências muito grandes. Tem que ser um processo, não pode virar um profissão técnica nesse momento".
 
Necessidade de cuidado

De acordo com a professora Marília Berzins, de 10 a 20% dos idosos brasileiros necessitam de cuidados. Entretanto, não se sabe ainda o número de cuidadores atuando no país. "Por não terem uma associação nacional, e não exercerem uma profissão regulamentada, não sabemos quantos cuidadores existem. E, além disso, tem um mercado informal, acontece muito no Brasil a situação de uma pessoa ser empregada doméstica e fazer trabalhos de cuidador de idosos, juntando as duas funções. Com a regulamentação, vamos identificar quantos são os cuidadores, porque a profissão aparecerá no Ministério do Trabalho", explica.
 Um dos ganhos da regulamentação, de acordo com Jorge Roberto, é também a possibilidade de organização destes profissionais. "Hoje os profissionais reclamam muito do não reconhecimento como cuidadores, da distorção da visão da família em relação ao trabalho que desempenham. Muitas vezes a família quer aproveitar este cuidador para exercer funções que não são da alçada dele, como faxinar toda a casa ou cozinhar para toda a família. Também não há uma definição de carga horária. A regulamentação contribuirá para criarmos um sindicato e estabelecermos uma média de salário. A situação atual não nos impede de criar um sindicato, mas também não estimula", conclui.

Fonte: adital

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