De acordo com a professora Marília Berzins, de 10 a 20% dos idosos brasileiros necessitam de cuidados. Entretanto, não se sabe ainda o número de cuidadores atuando no país. "Por não terem uma associação nacional, e não exercerem uma profissão regulamentada, não sabemos quantos cuidadores existem. E, além disso, tem um mercado informal, acontece muito no Brasil a situação de uma pessoa ser empregada doméstica e fazer trabalhos de cuidador de idosos, juntando as duas funções. Com a regulamentação, vamos identificar quantos são os cuidadores, porque a profissão aparecerá no Ministério do Trabalho", explica.
Um dos ganhos da regulamentação, de acordo com Jorge Roberto, é também a possibilidade de organização destes profissionais
Pesquisadores do tema e cuidadores de idosos avaliam que
proposta do Senado se aproxima da regulamentação ideal. Enquanto isso, no RJ,
projeto de lei estadual tenta regulamentar a profissão na contramão da
conjuntura nacional.
Pesquisadores ligados ao tema são unânimes no apoio à
proposta, ainda que considerem que o texto pode melhorar em alguns aspectos. O
professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense e
Presidente da Associação Nacional de Gerontologia Seção Rio de Janeiro, Serafim
Paz, acredita que o projeto não pode limitar a profissão de cuidador ao campo
da saúde. "Estamos muito afinados com o projeto relatado pela Senadora Marta
Suplicy, embora ainda existam alguns aspectos nos quais precisamos avançar,
principalmente na questão de atribuir à profissão de cuidador da pessoa idosa
um atrelamento à área de saúde. Temos este desafio de não vinculá-lo a este
único campo", aponta ele. "Nós defendemos que o cuidador não é um
profissional exclusivo da saúde, conquanto grande parte deles trabalhem com
questões de saúde. Mas nós defendemos que tem lugar para o cuidador de idosos
na assistência social, na educação, na cultura, no turismo, então, queremos
abranger mais esse papel social que o cuidador terá", acrescenta Marília.
O pesquisador e coordenador do curso de formação de
cuidadores de idosos oferecido pela EPSJV/Fiocruz Daniel Groisman acredita que
o substitutivo ao projeto de lei resolve alguns impasses sobre o tema.
"Esta versão apresentada pela senadora é muito feliz, não é o projeto
perfeito, mas ela acerta em pontos muito favoráveis e importantes para o
reconhecimento que é justo e necessário dos cuidadores. O texto consegue encontrar
algumas soluções para certos impasses, por exemplo, o impasse com a questão da
enfermagem. A senadora propõe uma solução permitindo que o cuidador possa
seguir instruções de cuidados de saúde dadas por profissionais de saúde que se
responsabilizem pelas prescrições", observa.
No PL 284 consta, entre as funções do cuidador da pessoa
idosa, "cuidados de saúde preventivos, administração de medicamentos e
outros procedimentos auxiliares de saúde" (inciso III do artigo 2º). Mas
no mesmo artigo, um parágrafo acrescenta que "a administração de
medicamentos e outros procedimentos de saúde mencionados no inciso III deste
artigo deverão ser autorizados pelo profissional de saúde habilitado e
responsável por sua prescrição". Outras funções dos cuidadores elencadas
pelo PL são "prestação de apoio emocional e na convivência social da
pessoa idosa", "auxílio e acompanhamento na realização de rotinas de
higiene pessoal, ambiental e de nutrição, preservando-se a sua dignidade e a
sua intimidade", "auxílio e acompanhamento na mobilidade da pessoa
idosa".
Direitos nacionais, restrições regionais
Assim como os pesquisadores têm apoiado o processo de
regulamentação ancorado pelo PL 284 do Senado, também têm criticado o PL
estadual 979/2011, que já foi aprovado em 1º turno na Alerj. "O PL
979/2011 tem um artigo que é correto que fala que o cuidador não deve realizar
procedimentos que são exclusivos das outras profissões. Aliás, nenhum
profissional pode realizar procedimentos que competem a outras profissões, a
não ser que ele esteja habilitado legalmente para fazer isso. Porém, o PL tem
um segundo artigo que traz essa lista com mais de uma dezena de procedimentos
que o cuidador estaria impedido de fazer e são procedimentos ou ações elementares,
universais para o cuidado. Por exemplo, ver os sinais vitais de uma pessoa, que
inclusive é uma matéria que poderia ser ensinada nas escolas, seguir a
prescrição de um médico para dar um remédio oral na hora certa, cuidar de
alguém que esteja doente, são ações elementares, essenciais para a
sobrevivência e cuidado e que inviabilizariam o trabalho do cuidador",
critica Daniel Groisman. O professor acrescenta que o mesmo não vale para
procedimentos que exigem outro tipo de formação. "Não estou falando que o
cuidador tenha que fazer procedimentos invasivos da enfermagem, mas estes
cuidados universais, básicos, têm que ser permitido a ele fazer", reforça.
A deputada estadual enfermeira Rejane diz que decidiu
paralisar neste momento a tramitação do projeto. Segundo ela, o processo
"correu muito" e, como foi procurada por grupos representantes de
cuidadores e de proteção aos idosos questionando o PL, decidiu ir com mais
calma na tramitação. "Durante a audiência pública que realizamos no dia 21
de maio, esses grupos propuseram emendas modificativas ao PL, que agora estamos
sistematizando. Estamos analisando se fazemos uma nova audiência pública ou,
para andar mais rápido, chamamos um grupo de trabalho para dar continuidade no
processo. As proposições estão bem pertinentes, quando o projeto sair, ele
sairá com um texto mais discutido democraticamente", garante.
Rejane reconhece que o artigo que especifica os
procedimentos é o ponto mais polêmico do projeto, mas defende que é preciso
especificar as atividades. Segundo ela, não basta dizer que o cuidador não pode
exercer atividades inerentes a outras profissões porque as atividades da
enfermagem, por exemplo, não estão especificadas na regulamentação da
profissão. "No caso da enfermagem, estas atividades não estão listadas,
não há uma lei específica que diga, por exemplo, que atividade de verificação
de pressão ou controle hídrico é atividade da enfermagem. A lei da enfermagem
fala apenas em procedimentos de média, alta e baixa complexidade. Mas o que significa
isso? Então, como não está especificado em nenhuma legislação, é complicado
simplesmente subjetivar. Por isso que nesse momento acreditamos que é
importante manter estas técnicas", diz.
De acordo com a deputada, o objetivo do PL não é fazer uma
de reserva de mercado. "Não é nada disso, a gente até entende que o cuidar
tem que ser universal, quanto mais as pessoas tomarem conhecimento da saúde, a
enfermagem acha que menos pacientes serão internados. Não achamos que o
conhecimento tem que ser específico. Mas ao mesmo tempo nós sabemos que as
condições de saúde e atendimento nos asilos podem estar fazendo com que este
profissional [o cuidador] seja às vezes até obrigado a fazer procedimentos que
eles não têm competência para fazer", defende. Embora discorde em suprimir
o artigo que explicita procedimentos, Rejane diz que está disposta a
flexibilizá-lo e que pode tirar do texto algumas ações como a administração
oral de medicamentos e a aferição de sinais vitais. "Esses dois
procedimentos são universais; mas, outros, acho que temos que manter",
diz.
Para a professora Marília Berzins é clara a intenção do
projeto de destinar uma fatia do mercado para os profissionais da enfermagem.
Ela aposta que há espaço para as duas profissões no mercado de trabalho. "O
cuidador de idosos vai fazer coisas que a enfermeira, o técnico e o auxiliar de
enfermagem não fazem. Por exemplo, você vai pedir para o técnico ou auxiliar
fazer uma comida para um idoso que mora sozinho? Isso não é competência deste
profissional. Este projeto nos parece uma reserva de mercado para essa
categoria, uma vez que em São Paulo, por exemplo, muitos auxiliares e técnicos
de enfermagem estão se oferecendo para as famílias para serem cuidadores de
idosos, mas são profissões diferentes e que têm lugar no mercado de
trabalho", enfatiza.
O cuidador de idosos e presidente da Associação de
Cuidadores de Idosos de Belo Horizonte Jorge Roberto também critica o projeto
de lei que tramita no Rio de Janeiro. "Fica bem claro o interesse de uma
categoria específica, que eu acredito que está perdendo um pouco do mercado de
trabalho. E eles creditam o fato de o mercado de trabalho estar um pouco ruim a
ascensão do cuidador, o que não é verdade. O PL do Rio está na contramão de
todos os projetos que tramitam hoje no Senado e na Câmara e está totalmente
contrário a todos os especialistas da área", reforça.
O professor destaca também a importância da mobilização dos
diversos setores envolvidos com o tema, o que, de acordo com ele, foi
fundamental para que a deputada enfermeira Rejane apresentasse uma nova versão
do projeto sem a exigência do curso técnico em enfermagem. Presente na
audiência pública na Alerj, Daniel conta que o espaço destinado à audiência não
foi suficiente para comportar todos os cuidadores presentes. "Conseguimos
mobilizar dezenas de entidades, muitos cuidadores, representantes de diversas
instituições. Neste dia, nós solicitamos que uma nova versão do projeto seja
democraticamente apresentada em nova audiência pública e debatida com as
pessoas interessadas", ressalta.
Formação
A necessidade de formação dos cuidadores de idosos é outro
ponto comum no pensamento entre os pesquisadores do tema e entre os próprios
cuidadores. O PL 284/2011, do Senado, determina que poderá exercer a profissão
"o maior de dezoito anos que tenha concluído o ensino fundamental e que
tenha concluído, com aproveitamento, curso de qualificação para a formação de
cuidador de pessoa idosa, conferido por instituição de ensino reconhecida por
órgão público de educação competente".
De acordo com o professor Serafim Paz, está sendo discutida
com a senadora Marta Suplicy a possibilidade de os cuidadores terem um tempo
para se adequarem à exigência. "Estamos propondo que após a promulgação da
lei os cuidadores tenham até dez anos para se adequarem tanto à escolaridade
mínima, quanto ao mínimo de carga horária dos cursos de formação - que
defendemos que seja de 160 horas. Nós propusemos, inclusive, que em qualquer
carga horária, seja 160 horas no mínimo ou mais, que 25% dessa carga horária
seja destinada a atividades práticas acompanhadas e supervisionadas por profissionais
do campo da gerontologia. Embora tenhamos colocado essa proposta como emenda, a
senadora não a contemplou, mas estamos tentando garantir que ela
contemple", afirma.
O PL 284 diz também que os cuidadores que comprovarem o
exercício da atividade há pelo menos dois anos quando da entrada em vigor da
lei serão dispensados da exigência do curso de cuidador. Outra possibilidade
apresentada pelo PL é o cuidador com mais de 30 anos participar de um programa
de certificação de saberes reconhecido pelo MEC e ficar dispensado da
realização do curso.
Jorge Roberto acredita que a própria regulamentação pode ser
um incentivo para os cuidadores buscarem formação, desde que haja políticas
específicas para este público. "Dando um tempo prévio para que o cuidador
possa voltar a estudar, ele terá interesse em buscar um EJA [Educação de Jovens
e Adultos] e quem sabe até um curso de nível técnico e superior. Mas até para
que isso ocorra temos que entender também qual é a realidade do trabalho desses
cuidadores. Uma grande parcela deles trabalha em uma carga horária incompatível
com o estudo, a exemplo daqueles que trabalham 24 por 24 horas. Será que o
poder público vai criar ensino específico para quem estuda um dia sim e um dia
não? Então, isso tem que ser repensado", problematiza.
Daniel observa que um dos impasses para a profissionalização
dos cuidadores de idosos é justamente a ausência de uma política pública
consistente de formação. Ele exemplifica com a desativação do Programa Nacional
de Formação de Cuidadores de Idosos pelo governo federal. "O que levou a
interrupção do Programa Nacional de Formação de Cuidadores foi justamente a não
responsabilização do estado na formação e no apoio aos cuidadores. A ideia que
motivou essa interrupção é a de que os cuidadores não estão formalmente
inseridos nos serviços públicos, não pertencem aos quadros do SUS, e, portanto,
não podem ser os destinatários dessa política. Isso tem que ser superado com a
ideia de que cabe sim ao estado fazer uma política de formação, criar e fortalecer
políticas de cuidado", aposta.
Para o professor, é preciso romper também com a ideia de que
o cuidado é uma função de livre exercício e não requer qualificação, bastando
que se tenha aptidão para este trabalho. "Esses cuidadores trabalham em condições
muitas vezes precárias, há dados de pesquisas que apontam a baixa remuneração,
a baixa formalização, a baixa escolaridade. E a forma que temos para fortalecer
esses cuidadores é regulamentar essa profissão, mas sem que isso signifique uma
restrição ao acesso à formação. Não se pode ter exigências muito grandes. Tem
que ser um processo, não pode virar um profissão técnica nesse momento".
Necessidade de cuidado
De acordo com a professora Marília Berzins, de 10 a 20% dos
idosos brasileiros necessitam de cuidados. Entretanto, não se sabe ainda o
número de cuidadores atuando no país. "Por não terem uma associação
nacional, e não exercerem uma profissão regulamentada, não sabemos quantos
cuidadores existem. E, além disso, tem um mercado informal, acontece muito no
Brasil a situação de uma pessoa ser empregada doméstica e fazer trabalhos de
cuidador de idosos, juntando as duas funções. Com a regulamentação, vamos
identificar quantos são os cuidadores, porque a profissão aparecerá no
Ministério do Trabalho", explica.
Um dos ganhos da regulamentação, de acordo com Jorge
Roberto, é também a possibilidade de organização destes profissionais.
"Hoje os profissionais reclamam muito do não reconhecimento como
cuidadores, da distorção da visão da família em relação ao trabalho que
desempenham. Muitas vezes a família quer aproveitar este cuidador para exercer
funções que não são da alçada dele, como faxinar toda a casa ou cozinhar para
toda a família. Também não há uma definição de carga horária. A regulamentação
contribuirá para criarmos um sindicato e estabelecermos uma média de salário. A
situação atual não nos impede de criar um sindicato, mas também não
estimula", conclui.
Fonte: adital
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