"Se observamos como esses grupos
se tornaram influentes com o Papa Bento XVI, nos damos conta de como eles estão assustadoramente em ascensão.
Justamente o clero mais jovem é 80% de tendência conservadora. Dizer que
esperamos que os velhos conservadores desapareçam é uma idiotice total. Porque
muitas vezes os padres que viveram os tempos pré-conciliares e viram que o
antigo rito da missa não era, de fato, o remédio para todos os problemas do
mundo são mais progressistas do que os jovens que cresceram em um mundo
totalmente secularizado. E que agora buscam a alternativa em um mundo clerical
irreal", afirma o teólogo David Berger .
A reportagem é de Stefan Hayden,
publicada no sítio DerStandard.at, 18-04-2012. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
A decisão do cardeal Christoph
Schönborn de confirmar a eleição de um conselheiro homossexual em um órgão paroquial
na Áustria levou a um novo debate sobre a moral sexual da Igreja Católica
Romana. Enquanto a Igreja oficial não pode ir na direção progressista em
matéria de homossexualidade, a decisão pessoal de Schönborn é difamada em sites
fundamentalistas como o Kreuz.net.
Enquanto isso, a
Pfarrer-Initiative [Iniciativa dos Párocos] em torno de Helmut Schüller colide,
com as suas exigências pelo sacerdócio às mulheres e pelo casamento para os
padres, com a total surdez de Roma.
Nesta entrevista, os teólogos Paul
Zulehner e David Berger falam sobre as atuais implicações do Vaticano com o
Kreuz.net, sobre o predomínio dos ultraconservadores e sobre a homossexualidade
na Igreja. O DerStandard.at entrevistou-os separadamente.
Paul Zulehner (foto à direita),
72 anos, é teólogo pastoral e foi, até 2007, decano da Faculdade de Teologia
Católica da Universidade de Viena. É considerado um dos melhores conhecedores
da Igreja. Seus inúmeros estudos abordam a busca dos valores e sobretudo das
pessoas que atuam dentro da Igreja. Em fevereiro, foi publicado o seu estudo
mais recente sobre os párocos austríacos: Aufruf zum Ungehorsam – Taten, nicht
Worte reformieren die Kirche [Apelo à desobediência. Fatos, e não palavras,
reformam a Igreja].
David Berger (foto à esquerda), 44
anos, é teólogo, foi nomeado em 2003 professor à distância da Academia
Pontifícia São Tomás de Aquino e foi diretor da Theologisches, a eminente
revista dos católicos conservadores. De 1998 a 2001, foi docente na Congregação
dos Servos de Jesus e Maria na diocese de St. Pölten, na Áustria. Por protesto,
no início de 2010, se demitiu do cargo de diretor e, no mesmo ano, publicou seu
livro Der heilige Schein. Als
schwuler Theologe in der katholischen Kirche (A aparência sagrada. Um
teólogo gay na Igreja Católica). Hoje, leciona alemão em um colégio. A
permissão de ensinar religião lhe foi retirada pelo arcebispo de Colônia no ano
passado.
Eis a entrevista.
Os grupos que se valem de
plataformas como o Kreuz.net se radicalizaram ainda mais nos últimos anos?
Berger – Sim, é a minha firme
convicção. Observa esse cenário há dez anos, também de dentro. Eu também
colaborei no início com o Kath.net e pessoalmente me dei conta da radicalização
desses grupos. E isso também aconteceu por causa de um feedback específico:
desde 2005, eles repetidamente receberam de Roma o sinal de que era certo o que
eles estavam fazendo.
O Kath.net teve mais de uma vez
um explícito reconhecimento por parte do Papa Bento XVI. E eu repetidamente
percebi que, em Roma, o trabalho do Kreuz.net é visto muito favoravelmente. Um
bispo alemão me disse há alguns meses: "O problema é que se nós, hoje,
somos criticados pelo Kreuz.net, amanhã recebemos um telefonema da Secretaria
de Estado do Vaticano, que nos pergunta o que estamos fazendo". Penso que
agora estão virando esta carta: espalhemos a discórdia na Internet, até que
venha algo de Roma.
Você acredita que isso também
pode acontecer com Schönborn por causa do caso atual do conselheiro gay?
Berger – Temo que ele receba a
ordem para deixar como um caso individual. Isso não vai passar sem
consequências, porque precisamente esses círculos conservadores, reacionários,
criaram uma certa atmosfera. Não vai demorar muito para saber como as coisas
andaram, até que o Kreuz.net tenha a informação de que Schönborn foi obrigado a
recuar. Porque sabe-se muito bem que esses sites têm acesso a informações que, na
realidade, são internas.
Visto que você também colaborou
com eles, quem são as pessoas que estão por trás desses portais?
Berger – Do Kreuz.net, eu
claramente me distanciei desde o início. Jamais colaborei com eles. Depois,
coerentemente, tudo se desenvolveu de uma forma trágica. Não só a homofobia,
mas também antissemitismo e outras bobagens do passado voltaram à tona. O que é
realmente chocante é que o Kath.net também é financiado com o dinheiro dos
impostos para a Igreja e com fundos da entidade assistencial Kirche in Not
(Igreja em necessidade).
Senhor Zulehner, como o senhor
define as pessoas que estão por trás do Kreuz.net e do Kath.net?
Zulehner – Com certeza, podemos
começar do pressuposto de que esses grupos se colocam à direita, seja politicamente,
seja na Igreja. Com base em todas as pesquisas, essas pessoas têm em si, como
característica da sua personalidade, um autoritarismo muito forte. Visam a uma
moral extremamente rígida. Exteriormente, isso aparece através da violência
verbal. Se pudessem, queimariam as pessoas na fogueira. Mas hoje as fogueiras
são construídas através da mídia e precisamente através de uma linguagem
fortemente agressiva.
Eles são totalmente intolerantes:
antissemitas, anti-islâmicos e xenófobos. Acho que uma insegurança interior
dessas pessoas é coberta por um rígido fechamento com relação ao exterior. Por
exemplo, o medo de que a moral entre em colapso. Eles não querem que seja dada
confiança às pessoas, ou a responsabilidade de decidir livremente sobre as suas
vidas. Eles têm um conceito de obediência incompatível com a liberdade. Mas
absolutamente não é o conceito de obediência que os padres prometem respeitar
solenemente.
Essas pessoas muitas vezes acabam
dentro da Igreja?
Zulehner – Elas estão por toda
parte, às vezes até simultaneamente no FPÖ [Freiheitlichen Partei Österreichs,
Partido Austríaco da Liberdade, considerado nacionalista e populista] e no
Kath.net. Não há um motivo interno à religião, apenas que essas pessoas extraem
da religião o que corresponde ao seu modo de pensar, isto é, ordem e moral.
Quem o senhor vê na Áustria como
forças conservadoras dominantes dentro da Igreja?
Zulehner – Encontramos um clima
decisivamente favorável. Ao invés, para aqueles que desejam o pluralismo, que
apontam para a consciência e a liberdade, o caminho na Igreja torna-se cada vez
mais estreito. Certamente, é preciso dizer que o cardeal Schönborn, com relação
ao tema da homossexualidade, não vai nessa direção. Eu acho que se despertou
novamente em muitas pessoas a esperança de que ainda não chegamos ao ponto em
que a responsabilidade e a liberdade baseadas na consciência desapareceram na
Igreja.
Através do seu estudo sobre os
párocos, quais conhecimentos o senhor adquiriu sobre o comportamento dos
párocos em geral?
Zulehner – Atingem-se as pessoas
que têm menos problemas com um conceito de obediência não livre, disposto à
submissão. Eu acho que não se trata só da fraqueza dos grandes partidos ÖVP e
SPÖ [Sozialdemokratische Partei Österreichs], ou do fato de que o FPÖ e o BZÖ
[Bündnis Zukunft Österreich, Aliança para o Futuro da Áustria, fundado em 2005
por Jörg Haider] em geral se tornem cada vez mais fortes, mas também se trata
de um desenvolvimento cultural. A lua de mel de 1968 passou. Entre 1970 e 1995,
constatamos uma contínua diminuição do autoritarismo, enquanto, desde então, os
dados voltaram a aumentar.
Berger, quem ainda vai hoje ao
seminário?
Há padres que vivem abertamente a
sua homossexualidade?
Mudou a atitude da Igreja com
relação à homossexualidade?
Berger – Espero que possa ser um
contrapeso. Porque, finalmente, alguma coisa aconteceu. E se considerarmos o
conteúdo do Apelo, deve-se reconhecer que são fundamentais para a sobrevivência
da Igreja Católica, se não quisermos que ela se torne uma grande seita
fundamentalista. Nisso, devemos reconhecer os bispos austríacos, em particular
Schönborn, por terem tentado avançar em um caminho complexo entre os
reacionários e os progressistas. Mas o fato de que cheguem ameaças de
procedimentos disciplinares de Roma, no fundo, é uma declaração de fracasso. E
eu temo que, no fim, eles irão se impor.
Roma ainda pode se dar ao luxo de
continuar com medidas severas?
Zulehner – Pense no discurso do
Papa Bento XVI em Friburgo, em que ele falou da desmundanização da Igreja. Ou
seja, eles preferem um pequeno grupo de elite, 100% atrás do papa, como o povo
da Igreja. Esse basicamente é o programa de Bento XVI. Encontramos isso ainda
em seus primeiros escritos, "precisamos nos reduzir", que é sua
expressão favorita nesses textos. Isto é, fora com os elementos liberais. E
esse é exatamente o tom do Kreuz.net e do Kath.net: acordem, protestantes, não
precisamos de vocês.
Zulehner – A Pfarrer-Initiative
não vive daquilo que os párocos gostariam, mas sim do que efetivamente é vivido
nas comunidades eclesiais, como a acolhida aos sacramentos a divorciados em
segunda união, o fato de que leigos preguem e temas semelhantes. Portanto,
realmente deve-se fazer a pergunta se ela conseguirá se tornar congruente ou se
aproximar do que é dito em nível eclesial e do que é efetivamente feito nas
comunidades. Acredito que o problema não é tanto dos párocos, mas sim dos
bispos. Porque, manifestamente, os párocos assinalam, com a sua iniciativa, que
as reformas devem seguir em frente, com ou sem os bispos. E seria fatal se as
reformas seguissem em frente sem os bispos.
E o senhor acredita que isso
acontecerá na Áustria?
Zulehner – Com relação ao
problema dos divorciados em segunda união, o conflito não é entre Schüller e
Schönborn, mas sim entre Schönborn e o papa.
Fonte: Ihu
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