Os preparativos para Copa do Mundo e Olimpíadas estão violando os direitos humanos na medida em que não respeitam o direito à moradia, o direito à cidade. O legado da Copa “será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional”, diz Hertz Leal, membro do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
O dossiê exclusivo feito pelo Comitê Popular da Copa e das
Olimpíadas do Rio de Janeiro “ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de
desenvolvimento, o projeto de cidade que está presente nesta forma de conduzir
as políticas públicas”, declara Hertz Leal à IHU On-Line. Segundo ele, a
distribuição dos investimentos da Copa do Mundo “segue a lógica da especulação
imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi
subprefeito”.
Leal reitera que os preparativos para a Copa do Mundo e as
Olímpiadas desrespeitam os direitos humanos e a legislação prevista na
Constituição, na Lei Orgânica e no Estatuto das Cidades. Na entrevista a
seguir, concedida por e-mail, ele relata as irregularidades que estão ocorrendo
no Rio de Janeiro por conta das desapropriações de terras, transferências de
terras públicas para setores privados, e as arbitrariedades cometidas pelo poder
público. De acordo com ele, as pessoas que tiveram suas terras desapropriadas
foram deslocadas para conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida
que distam de 30 km e 60 km do local onde moravam. “O correto seria construir
os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as
intervenções urbanas, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas
mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a
convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos,
providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos
e aos doentes”.
Leal enfatiza que, apesar da existência de terras públicas
em abundância no estado do Rio de Janeiro, o governo não constrói moradias
sociais e oferece “aluguel social ou Minha Casa Minha Vida na zona oeste”, a
qual, segundo afirma, “é dominada por milícias”. “Tivemos notícias de conjuntos
habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos
destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições,
estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de
higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da
Fifa”.
O processo de higienização da cidade, conforme ele relata,
ocorre também na região sul, no centro e no entorno do Maracanã. Por causa do
“maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e
aumento dos aluguéis”, torna-se “insustentável a moradia para os trabalhadores
que ganham até três salários mínimos”.
Hertz Leal estudou no Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mas não concluiu o
curso e foi ser quiosqueiro na praia de Ipanema. Segundo ele, a prefeitura
retirou sua permissão para dar a concessão a uma empresa que detém todos os
quiosques da orla marítima do Leme ao Pontal. “Fui expulso por não aceitar os
contratos abusivos da concessionária Orla Rio, então retornei à atividade
política com a cooperativa Orla Legal e participo do Movimento Unido dos
Camelôs – MUCA e do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas desde o início em
meados de 2010”. Atualmente Leal trabalha como funcionário público federal.
IHU On-Line – Quais são as novidades apresentadas no dossiê
organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro?
Hertz Leal – A novidade é o aprofundamento das análises,
pois o nosso Comitê vem da experiência do Comitê Social do Pan. Eu participava
do Conselho Popular, uma entidade que se reúne na Pastoral de Favelas e conta
também com a Rede de Comunidades Contra a Violência, e principalmente com as
pessoas que estão sendo atingidas pelas remoções no Rio de Janeiro. No início
de 2010, as remoções ocorriam em razão das chuvas do dia 6 de abril, quando
várias pessoas ficaram desabrigadas. Mas, já no final de 2010, começaram a
ocorrer as remoções por causa da construção da via Transoeste. A prefeitura
começou a derrubar as casas das pessoas à noite, com tudo dentro: chegava a
equipe do Choque de Ordem e mandava as pessoas saírem, não reconheciam direito
algum, diziam que era área pública, que as residências eram ilegais e
derrubavam tudo. Quando havia resistência, a Guarda Municipal arrancava as
pessoas de suas casas, das suas lojas. Da Barra da Tijuca para o Recreio, eles
aterrorizaram.
Existia uma Defensoria atuante, o Núcleo de Terras e
Habitação – NUTH. Foram feitas várias denúncias. Foi encaminhada uma medida
cautelar para a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos – OEA. O Comitê Popular da Copa ajudou a organizar a Missão da
Plataforma Dhesca em maio de 2011, quando fomos visitar estas comunidades que
estavam sendo arrancadas para construção da Transoeste e Transcarioca, além das
remoções no Porto Maravilha (centro) e no Tabajaras (zona sul). O Dossiê parte
desse relatório, mas temos diversas contribuições tais como a análise das leis
de exceção, a modificação do Maracanã, a falta de transparência na apresentação
dos dados, projetos e estudos de impactos ambientais e de vizinhança. O dossiê
ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de
cidade, que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas.
IHU On-Line – Em que sentido os preparativos para a Copa do
Mundo e para as Olimpíadas estão violando os direitos humanos? Pode nos relatar
alguns casos?
Hertz Leal – Os preparativos para Copa do Mundo e Olimpíadas
estão violando os direitos humanos na medida em que não respeitam o direito à
moradia, o direito à cidade, pois temos uma legislação muito bem definida desde
a Constituição, a Lei Orgânica, o Estatuto das Cidades, tratados Internacionais
dos quais o Brasil é signatário. Ou seja, temos leis que determinam, em caso de
desapropriação por interesse público, uma indenização justa e prévia. Mas
deve-se considerar a moradia como um direito independente de propriedade;
deve-se buscar o entendimento e o reassentamento no mesmo local. Depois desses
escândalos e sucessivas denúncias, eles continuam oferecendo aluguel social num
valor que não dá condições para alugar uma casa na mesma região. A maioria das
casas oferecidas dos conjuntos Minha Casa Minha Vida distam de 30 a 60 km do
local original, quando o correto seria construir os conjuntos habitacionais
antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, “chaves por
chaves”, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas
escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com
a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a
solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes.
Esses casos de desapropriação são parte das violações. Devemos ressaltar ainda
as perseguições aos camelôs, a precarização do trabalho nas construções dos
estádios e outras infraestruturas, o recolhimento compulsório das pessoas em
situação de rua para abrigos distantes e sem uma adequada estrutura de
atendimento.
Estamos preocupados com as leis de exceção que estão sendo
criadas no intuito de conceder direitos de propriedade a marcas e símbolos que
são utilizados naturalmente pelos comerciantes informais, ou seja, por aqueles
que confeccionam lembranças da cidade e dos jogos e que não poderão ser
utilizados. Pelo contrário, serão criminalizados caso alguém queira vender
alguma lembrança da Copa do Mundo ou Olimpíadas. Também haverá limitação na
liberdade de manifestação e comunicação.
IHU On-Line – O dossiê denuncia a transferência de terras
públicas para o setor privado através de parcerias público-privadas. Como isso
está acontecendo?
IHU On-Line – O dossiê também menciona que os recursos da
Copa do Mundo estão sendo distribuídos desigualmente entre os 20 municípios da
região metropolitana do Rio de Janeiro. Como acontece a distribuição dos
recursos? Existe algum critério? Em que regiões do Rio de Janeiro se concentram
os maiores investimentos da Copa do Mundo?
Hertz Leal – A distribuição dos investimentos segue a lógica
da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o
prefeito foi subprefeito, e, como se trata da região do litoral, tem a
preferência da classe média, onde são construídos os condomínios de luxo. O
mapa da Unidade de Polícia Pacificadora – UPPs também contempla as regiões de
investimentos para os megaeventos: a região sul, o centro e a região do
Maracanã, embora os investimentos sociais (UPP social) ainda continuem nas
promessas. Observamos principalmente a expulsão branca por conta do maior rigor
nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos
aluguéis. Quer dizer, tornaram insustentável a moradia para os trabalhadores
que ganham até três salários mínimos. Também continuam as políticas de expulsão
ora alegando risco ou limites de preservação ambiental. Eles também perseguem
os depósitos dos ambulantes e os pequenos comércios.
IHU On-Line – Quais as implicações de megaeventos como a
Copa do Mundo e das Olimpíadas? Eles trazem mais benefícios ou prejuízos para a
cidade?
Hertz Leal – A Copa do Mundo e Olimpíadas são eventos que
estão possuídos de uma lógica capitalista em que o objetivo maior é fazer
lucros com publicidade na transmissão para a Fifa e o Comitê Olímpico
Internacional – COI, que se associam com interesses da especulação imobiliária,
capitais financeiros, com as corporações midiáticas e políticos que
compartilham desses lucros para aumentarem os ganhos, pois realmente não
percebemos melhoria nas atividades esportivas nas escolas nem melhoria na
educação, tampouco na saúde. Percebemos que o legado será a militarização da
cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e
ao COI. Querem até que a União se responsabilize por eventuais prejuízos.
Depois sobrarão dívidas para os cidadãos pagarem e provavelmente vão receitar
austeridade e mais supressão de direitos para continuar garantindo as vantagens
para os banqueiros, corporações e especuladores.
Vamos levar nossa experiência para a Cúpula dos Povos e
discutir os caminhos do desenvolvimento que estão propostos nestes megaeventos,
nesses megaprojetos e vamos buscar soluções e propostas para uma sociedade mais
justa e com participação de todos.
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