Nome, idade, telefone, endereço,
altura, manequim, medidas do busto e do quadril. Tem tatuagem? Onde?
Disponibilidade para viagens? Valor cobrado pelo período de uma a duas horas?
Aceita homens mais velhos? E mais novos? Transa com casais? Topa anal? Dupla
penetração? Oral finalizado ou sem camisinha (caso o cliente tenha higiene)? E
beijo na boca? O longo e incomum questionário poderia ser o cadastro a ser
preenchido por uma candidata a emprego em uma casa de prostituição. Mas, com a
promessa de uso exclusivo pela agência e manutenção das informações em sigilo,
trata-se de um recrutamento das chamadas modelos ficha rosa, ou seja: aquelas
que além do trabalho em feiras e eventos topam esticar o expediente para
acompanhar clientes.
Com um cachê que pode chegar a
1.000 reais por duas horas, as meninas ficha rosa participam de eventos
pequenos – como despedidas de solteiro –, a grandes produções – como salões de
carros, feiras de corridas automobilísticas e exposições voltadas à indústria
agropecuária. O mercado se baseia na ideia tradicional de que um corpo bonito é
capaz de atrair mais clientela.
A partir de um falso perfil no
Facebook, CartaCapital buscou se informar sobre os detalhes de um trabalho
ficha rosa. Fazendo-se passar por uma garota de 24 anos interessada nesse tipo
de atividade, muitas agências, agenciadores e comunidades explicaram os
requisitos para uma mulher bonita vir a se tornar ficha rosa, assim como as
condições de pagamento.
Em uma das respostas, o perfil de
uma agência de fichas rosa contou que a demanda parte do contratante. “O
cliente nos passa o perfil da garota que ele deseja para um atendimento VIP ou
evento. Nós indicamos as meninas ao cliente, mostramos as fotos das garotas
conforme o perfil solicitado. O cliente informa qual foi a modelo escolhida, e
nós entramos em contato com você para confirmar a disponibilidade, cachê, data,
local e detalhes dos trabalhos”, explicou.
Em relação às condições de
pagamento, neste caso, a comissão que cabe à agência gira em torno de 10% sobre
o total do cachê. “Nossa comissão nos é repassada por você. Em alguns casos,
onde temos um acordo com o cliente, ele paga nossa comissão por fora
quinzenalmente ou mensalmente”, acrescentou.
Em um anúncio feito no mural de
um grupo aberto, uma outra agência seleciona meninas ficha branca e ficha rosa,
ou seja, as interessadas em apenas trabalhar como recepcionista em eventos e
também as dispostas a “acompanhar clientes VIPs” e “fazer atendimento em hotéis
e pousadas”. Com o título “Job Campos do Jordão – 8 vagas ficha rosa e 10 vagas
ficha branca”, a agência pede envio de material fotográfico sem maquiagem ou
alterações feitas pelo photoshop e lembra que os cachês para fichas rosa
começam em 1.500 reais.
Outros agenciadores pedem, ainda,
modelos ficha rosa para um trabalho de dois dias com disponibilidade para
viajar para o interior paulista, com passagem, alimentação e hospedagem pagas
em troca de um cachê de 3.000 reais. Há quem ofereça também 1.000 reais por
duas horas para um “novo cliente em São Paulo”, sem a necessidade de
experiência prévia e sob a promessa de ser “tudo bem discreto, seguro e
sigiloso”.
O assunto tomou fôlego
recentemente com a novela Verdades Secretas, da Globo, na qual o autor Walcyr
Carrasco aborda a prostituição de luxo no mundo da moda. O mundo das tops, por
sua vez, está urrando com o enredo e quer traçar uma linha divisória entre o
trabalho em passarelas e eventos e a atividade exercida por quem faz parte do
famoso “book rosa”, cardápio de modelos que fazem as vezes de acompanhantes e
garotas de programas.
As fichas rosa, no entanto, não
se consideram prostitutas, mas, sim, modelos que prestam serviços VIPs. O termo
ficha rosa parece, portanto, dar certo status ao trabalho da meretriz. Além
disso, muitas são meninas com curso superior, que revelam em seus perfis do
Facebook terem estudado em universidades, em geral particulares, de prestígio
ou não.
O mesmo vale para homens modelos, que quando
topam fazer além de eventos e recepções são chamados de ficha azul e acabam
compondo o “book azul”.
No Brasil, explica o promotor de
justiça Everton Luiz Zanella, a prostituição não é crime, mas facilitá-la é. “A
pessoa que pratica o comércio do corpo de forma habitual não comete crime.
Comete quem induz, atrai ou submete alguém à prostituição, impedindo essa
pessoa de abandonar a atividade e se beneficiando dela”, observou o coordenador
do centro de apoio criminal do Ministério Público de São Paulo.
O Código Penal prevê pena de dois
a cinco anos para quem induzir ou atrair alguém para a prostituição (artigo
228), um a quatro anos se uma pessoa tirar proveito da atividade de prostitutas
(artigo 230), dois a cinco anos para quem mantiver um estabelecimento destinado
à prostituição (artigo 229), dois a seis anos para quem promover o deslocamento
de alguém com esses fins dentro do País ou uma punição de três a oito anos de
prisão quando se tratar de um deslocamento internacional (artigo 231).
Assim, em uma situação onde uma
modelo ficha rosa é recrutada por uma agência para realizar um trabalho em
outra cidade ou estado e ainda é obrigada a repassar parte de seu cachê como
comissão, o agenciador estará sujeito à soma das penas referentes aos três
tipos de crime: induzir à prostituição, tirar proveito dela e promover o
tráfico interno de pessoas.
Zanella explicou, no entanto, que
a prostituta em si nunca é punida. “Essas modelos ficha rosa, por exemplo, são
consideradas vítimas do crime, uma vez que são exploradas. O crime seria contra
a dignidade sexual delas”, afirmou. “Não se pune autoprostituição. Portanto, se
a própria prostituta anunciar seus serviços não estará cometendo crime.”
Apesar de se mostrarem
facilitadores, ferramentas como o Facebook ou sites que recrutam e anunciam
modelos ficha rosa, raramente são punidos. É preciso comprovar que os
administradores ou responsáveis por esses meios têm ciência de que estão sendo
negociados ali serviços envolvendo a prostituição de terceiros.
O mesmo vale para os responsáveis
por ceder o espaço onde ocorrem grandes feiras e exposições com modelos fichas
rosa. Questionada sobre fichas rosa nos eventos realizados no Anhembi, em São
Paulo, a responsável SPTuris diz desconhecer o tema e deixa claro que “a
organização deve ser feita pela empresa locatária”, responsável pela mão de
obra contratada. Organizadores de eventos nacionais de renome, por sua vez,
responsabilizam os expositores de cada estande pelas contratações – do buffet a
garçons, atendentes e recepcionistas –, alegando não ter como interferir nelas.
Fonte:
http://www.cartacapital.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário