Por Heloísa Melino, pesquisadora
As prostitutas que
conheci/conheço são putas. Puta professoras, puta feministas, puta militantes e
ativistas. Com elas aprendi muitas coisas – coisas que a universidade não me
ensinou. Dentre as coisas mais importantes que aprendi, aprendi novas
linguagens, novas formas de ativismo, aprendi força, garra, aprendi
festividade, aprendi a gargalhar com coisas que eu não conseguia, aprendi que
tenho que comer muito arroz com feijão e açaí pra se um dia quiser ter a
disposição que tem Indianara Siqueira, Monique Prada, Amara Moira e outras
mulheres cis e trans que tive o privilégio de conhecer.
No dia 2 de junho de 1975 a luta
de prostitutas francesas contra a criminalização de sua atividade profissional
marcou o calendário ocidental como um dia de lutas. E neste ano marcamos 40
anos desse dia. Ainda tamos aí com muitas limitações em todo canto – na direita
conservadora religiosa, na esquerda conservadora e moralista e até em
feminismos excludentes.
Dizem que as prostitutas não
podem ser feministas, que o que elas fazem só serve para alimentar uma
sociedade patriarcal e de exploração das mulheres. A elas Gabriela Leite
respondeu certa vez: “Eu não posso ser feminista por que sou prostituta? Pois
eu sou uma PUTA feminista!!”
Indianara e Monique arrebatam: e
se nós desaparecêssemos? Se todas as mulheres que fazem programa
desaparecessem, o patriarcado desapareceria junto? Não.”
Os programas do Governo querem
falar em saúde das prostitutas só falando em HIV/AIDS, como certa vez disse
Gabriela: “o único financiamento que sempre nos deram foi pra AIDS e nós não
queremos isso. Por que prostituta é mulher e não tem doença só da cintura pra
baixo. Saúde da mulher é saúde da mulher. (…) O dia que se pensar na mulher
como mulher, nós voltamos a conversar.”
As redes de prostitutas hoje
levam a pauta de regulamentação da prostituição. E ô! Como elas incomodam.
Incomodam por que tem muitas pessoas que acham que prostituição só pode ser
exploração e que as prostitutas precisam é ser salvas. Sobre o projeto, Monique
é direta: “A regulamentação nos tira de baixo do tapete.”
Indianara, sempre muito incisiva
em seus posicionamentos, responde às críticas: “E assim, sinceramente? Nós putas
não temos culpa de porra nenhuma da exploração da mulher na sociedade
patriarcal e machista. E se as putas existirem ou deixarem de existir, as
mulheres continuarão sendo exploradas. Não quer dizer que se as putas forem
regulamentadas ou não forem regulamentadas as mulheres vão ser mais ou menos
exploradas. Não vejo desta maneira. É uma arrogância achar que sabem o que é
melhor para a gente. Nós da Rede Brasileira de Prostitutas é que nos reunimos e
decidimos que a regulamentação pra nós é MENOS exploração. ‘Ah, mas está
regulamentando o cafetão.’ Não estamos regulamentando o cafetão. O que estamos
regulamentando são justamente os espaços em que nós trabalhamos, com as pessoas
que mantém estes espaços e nós, por estarmos ali, essas pessoas são consideradas
como facilitadores da prostituição, como exploração sexual de pessoas e essas
pessoas são presas por uma lei justamente retrógrada, antiquada, que diz que
você pode ser prostituta mas não pode se prostituir num lugar seguro. Tem que
se prostituir na rua, exposta a uma polícia agressora, uma polícia que está aí
e que foi formada e continua sendo formada para lutar contra a reguamentação.
(…) A Polícia Mlitar foi treinada na ditadura para combater pessoas que lutavam
por seus direitos e ela vai continuar combatendo quem luta por seus direitos.”
Ah, a “regulamentação do cafetão”
– como se atrizes, atores, ginastas olímpicos, lutadoras e lutadores de MMA,
boxe ou judô não tivessem agentes intermediários ou não usassem do próprio
corpo pra trabalhar. “As casas precisam existir – sem elas, muita gente não
conseguiria trabalhar. Mas da maneira que elas existem hoje não são boas para
quem trabalha. O projeto de regulamentação fixa que 50% da renda do programa
fica com a garota. Acho uma boa medida. Com a regulamentação, a menina poderá
cobrar o que a casa lhe deve. Hoje, se a casa não quiser pagar nem um real no
final da semana, a pessoa não recebe. A garota não tem a quem recorrer”, diz
Monique.
Isabel* (nome fictício) sobre o
mesmo tema fala: “A PL vai dar garantia da gente de poder trabalhar, de ter um
local seguro. As mulheres também que não tem condição de alugar um lugar, de ir
trabalhar com outras pessoas, que tem o direito de ter de 1 a 50%, que vai ser
acordado entre ambas as partes. Vai nos empoderar bastante e diminuir bastante
a violência contra as prostitutas. […]
A polícia tem que ter o papel
fundamental de nos defender e não de nos agredir. Hoje o maior violador dos
direitos das prostitutas é a polícia e o Estado, não o cafetão. […] O
empresário também tem q ter o direito dele garantido. Ele vai manter a casa pra
gente trabalhar e não vai lucrar nada? Tem que ter a lei pras duas partes.
A gente como prostituta tem que
ter segurança da polícia – a polícia hoje não nos protege, a polícia só entra
pra bater, estuprar, roubar e prender. E o dono de estabelecimento também tem
que ter a segurança de que vai ter o local dele de trabalho. […] Uma
cabeleireira tem direito de ter segurança, o dono da farmácia tem direito de
ter segurança, o advogado tem direito de ter segurança. Por que a prostituta
não pode ter segurança? Porque quem faz a nossa segurança é dado como
miliciano. Isso é errado. A gente tem que ter segurança como qualquer
trabalhador.”
“Como qualquer trabalhador” – e
veja lá se essa sociedade hipocritamente moralista quer encarar a
clandestinidade que o estigma da prostituição causa. O problema tá em que? Em
elas também quererem algo parecido com uma CLT? Ou em quem pode dizer o que é
melhor para as prostitutas? São as pessoas da universidade, as mulheres e
homens que não se prostituem ou são as próprias prostitutas que falam por si e
não podem ter suas vozes silenciadas? Indianara responde sobre o Projeto:
“Fomos nós, da Rede Brasileira de Prostitutas quem decidimos que a
regulamentação da prostituição tem que ser dessa maneira. Então as pessoas que
não são prostitutas, que simplesmente se calem e aceitem. Podem debater o
assunto, mas aceitem o que pessoas organizadas, o que prostitutas decidiram, se
não é desqualificar essas pessoas e dizer que elas não são capazes de decidir
por elas mesmas.”
E quem não se prostitui, como
deve fazer para apoiar o movimento das prostitutas? Eu acho que é tentando ver
a prostituição de uma forma mais leve e dentro da sociedade. Dentro de
parâmetros metodológicos, filosóficos que dizem respeito à nossa sociedade e
sexualidade. Ver todo sentido do corpo, o que pensamos sobre nosso corpo. O que
é proibido e o que não é proibido. Porque existem coisas proibidas no nosso
corpo. Por isso tanta questão com a prostituição. Tudo que diz respeito à
sexualidade é proibido, de discutir e tudo mais. Então, se todo mundo começar,
individualmente, a repensar a sua visão, ajuda não só a nós no Brasil, mas a
todo mundo na prostituição e fora da prostituição.”
AUTONOMIA SOBRE O PRÓPRIO CORPO –
não é disso que a gente fala quando fala de combate à cultura de estupro, de
descriminalização do aborto, de antiproibicionismo, de liberdade de orientação
sexual, do reconhecimento da identidade de pessoas trans?!
Eu só tenho a dizer a essas mulheres
corajosas e incríveis: MUITO OBRIGADA por me darem a oportunidade de aprender
vida com vocês. Vocês são incríveis!
OBS: Todas as falas vêm de
entrevistas a jornais, revistas, canais do youtube, palestras, conferências. Se
alguém quiser os links pra conhecer mais o que essas mulheres se dispuseram a
nos ensinar, podem me pedir os links ou seguir os perfis das moças que marquei
durante o texto e seus blogs:
Indianara Siqueira:
https://www.facebook.com/indianara.siqueira
Monique Prada: http://acortesamoderna.com.br/
Amara Moira:
http://www.eseeufosseputa.com.br/
Um pouco sobre Gabriela Leite
pode ser conhecido via Um Beijo para Gabriela:
https://www.facebook.com/pages/Um-Beijo-para-Gabriela/344616068946147
Você também pode acompanhar o
Observatório da Prostituição: https://www.facebook.com/observatoriodaprostituicao
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