No momento em que as vítimas de estupro do ex-médico Roger
Abdelmassih vão ao aeroporto, em São Paulo, para recebê-lo e mostrar indignação
com os crimes e alívio com a prisão do acusado no Paraguai, muitas mulheres
molestadas em Belo Horizonte se calam. O homem condenado em 2010 a 278 anos de prisão
por 48 ataques a 39 mulheres chegou ontem ao Brasil e foi levado para o
presídio de Tremembé, no interior paulista.
Por medo, constrangimento, vergonha ou dor, vítimas de
abusos sexuais resistem em relatar os casos à polícia e guardam, sozinhas, marcas
físicas e psicológicas. A estabilização das ocorrências de estupro em BH é
reflexo dessa fragilidade. De janeiro a julho deste ano, 118 crimes foram
denunciados, contra 125 no mesmo período do ano passado. O total de 222
ocorrências de todo o ano de 2013 também é menor que o do ano anterior, período
em que 293 casos chegaram à Polícia Civil. Segundo a delegada Silvana Fiorilo
Rocha de Resende, titular da Delegacia de Mulheres da capital, muitos abusos
não vêm à tona porque ocorrem no ambiente familiar ou pela angústia da vítima,
que não quer reviver dor.
No desembarque de Roger Abdelmassih, as mulheres que
estiveram no Aeroporto de Congonhas para uma espécie de “purificação” dos
dramas que sofreram, demonstraram emoção e precisaram ficar atrás de um cordão
de isolamento. Abdelmassih era especialista em fertilização in vitro e teve o
registro cassado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo depois que as
denúncias de abuso sexual vieram à tona.
Conhecido por atender celebridades, o ex-médico abusava das
pacientes depois de sedá-las para procedimentos de reprodução assistida.
Foragido desde 2011, quando tentou renovar o passaporte, Abdelmassih teve a
prisão decretada, deixou de se apresentar e passou a ser procurado. O ex-médico
passou por exames feitos por peritos do IML ainda dentro do aeroporto e seguiu
para a prisão.
Se os crimes praticados por Abdelmassih têm repercussão, o
mesmo não ocorre nos casos de vítimas isoladas, como o de T., hoje com 17 anos.
Aos 14 anos ela foi estuprada pelo marido da prima em uma casa no Bairro
Jaqueline, Região de Venda Nova, e demorou a contar o drama à mãe. Foram duas
semanas de angústia, sofrimento, ameaças e medo, que pareciam não ter fim. O
constrangimento de ter sido alvo de um crime sexual tirou a paz da adolescente.
Somente com a ajuda da mãe a garota conseguiu relatar o drama à polícia. O
agressor foi intimado e a investigação, comprometida pela falta de provas, está
em andamento. A jovem diz que ainda guarda marcas psicológicas do crime. Mas
passou a entender a importância de ter quebrado o silêncio e denunciado o
estuprador, mesmo sendo ele um membro da família.
“A gente fica com vergonha porque tem que contar detalhes à
polícia. É constrangedor”, diz. Ela ressalta, entretanto, que é preciso vencer
o medo e denunciar. “Quando aconteceu, eu não entendia a importância de contar
logo para a minha mãe e perdemos as provas. Até hoje, ele (o agressor) diz que
sou louca e que nada aconteceu”, conta a jovem, que diz sentir raiva pelo fato
de homem ter ficado sem punição.
Com 20 anos de experiência na Delegacia de Mulheres, a
delegada Silvana Fiorilo diz que a elucidação de crimes e prisões de
agressores, como o do ex-médico Roger Abdelmassih, encorajam mais mulheres a
enfrentar a dor e denunciar. “É doloroso porque mexe com a intimidade. Muitas
mulheres não querem retirar a cortina desse drama e reviver tudo na presença do
policial, do promotor ou do juiz.” Mas Silvana destaca: “Elas, talvez, não
possam imaginar a contribuição que dão à sociedade ao denunciar. Com a prisão
do agressor, outras pessoas deixarão de passar pelo mesmo drama”.
ONDE DENUNCIAR
Delegacia de Mulheres
Rua Aimorés, 3.005 – Barro Preto (31) 3291-2931
Casa de Direitos Humanos
Avenida Amazonas, 588 (atendimento 24 horas)
Casos marcantes na
capital
Frentista acusado de
abusar de sete adolescentes
No fim De 2011, a polícia prendeu o frentista Anderson
Cleiton Elariedy, de 19 anos, indiciado por estupro e pelo assassinato da
estudante Ludmila Fernanda Almeida Marques, de 18. Houve protestos (foto) e a
divulgação do retrato do acusado levou sete mulheres a procurar a delegacia e
denunciá-lo. Entre as vítimas, adolescentes de 15, 16, 17 anos.
Sargento da PM é
preso suspeito de abusar de adolescentes e mulheres
Um sargento da Orquestra Sinfônica da PM foi denunciado pelo
MP pelo estupro de sete mulheres e de tentar atacar outras duas em BH e região
metropolitana. Vítimas relataram que eram ameaçadas com faca, foice, canivete
ou machadinha e eram obrigadas a entrar em um Fusca de cor clara. O militar foi
preso na Academia de Polícia.
Ex-bancário suspeito
de estuprar 16 mulheres
Um dos casos maior repercussão em Minas é do ex-bancário
Pedro Meyer, de 57, acusado de estuprar 16 mulheres, entre 1990 e 1998. Segundo
as vítimas, ele agia com arma de fogo, usava óculos escuros e boné. Na maioria
das vezes, levava as mulheres para o estacionamento ou para o último andar dos
prédios.
Ex-juiz é preso por
pedofilia
No início de maio, um ex-juiz foi preso em BH suspeito de
abusar de um garoto 11 anos. A vítima foi encontrada escondida debaixo de uma
cama no apartamento do homem no Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha. Um
tio do menino se apresentou à polícia e disse que também era abusado pelo
suspeito. Mário José Pinto Rocha, de 65, o acusado, foi condenado a 12 anos de
prisão.
É preciso preservar
as provas do crime
A criação da Lei Maria da Penha, que trata da violência
contra a mulher, foi um grande avanço na proteção de vítimas de crimes sexuais
e punição dos agressores. Mas, para ser efetiva na erradicação desse tipo de
violência, a polícia reforça a necessidade de que as provas técnicas, como
sêmen e marcas no corpo, sejam preservadas. De acordo com a delegada Silvana
Fiorilo, a vítima deve, logo após o ataque, procurar a delegacia e denunciar o
criminoso. “Ela deve ir sem tomar banho ou antes de fazer qualquer tipo de
higiene.” De lá, a mulher agredida é levada a uma unidade de saúde para passar
por exames e fornecer material genético que possa ajudar na identificação e
prisão do autor do crime.
Ainda que a mulher não se sinta confortável a seguir com o
inquérito policial, a delegada orienta que ela deve procurar a polícia para
registro da ocorrência e para que possa ser atendida pela rede de assistência a
vítimas de crimes sexuais. “Com o comparecimento da vítima, o material genético
poderá ser coletado e armazenado em um banco de dados para cruzamento de
informações em caso de múltiplos ataques ou naqueles em que já há um acusado”,
diz Silvana. A chamada cadeia de custódia, um laboratório que armazena as
cargas genéticas no Instituto de Criminalística da Polícia Civil, na capital,
já contribuiu para a elucidação de vários crimes, segundo a delegada.
Em BH, cinco hospitais oferecem atendimento especializado a
vítimas de crimes sexuais. No Odilon Behrens, Hospital das Clínicas, João
XXIII, Odete Valadares e no Júlia kubitschek, mulheres que foram abusadas
contam com serviços de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e
acompanhamento médico e psicológico pelo tempo que for necessário. “O
sofrimento é muito grande e se o trabalho de assistência não for bem feito, ela
pode não se curar da dor”, afirma a delegada.
Fonte: Estado de Minas
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