Quatro estudantes caminham em Chibok após fugirem do grupo Boko Haram. |
“Achei que minha vida tivesse chegado ao fim”, Deborah Sanya
me contou por telefone na segunda-feira. Ela falava de Chibok, uma cidadezinha
de agricultores no nordeste da Nigéria. “Havia muitos, muitos deles”. O Boko
Haram, um grupo terrorista islâmico, raptou Sanya e pelo menos duzentas colegas
suas de uma escola secundária em Chibok há mais de duas semanas. Sanya escapou
com duas amigas, assim como quarenta outras garotas. As demais desapareceram, e
suas famílias não tiveram notícias delas desde então.
Por Alexis Okeowo
Sanya tem dezoito anos e estava fazendo os exames escolares
finais. Muitas escolas em cidades próximas a Chibok, no estado de Borno, haviam
sido fechadas. Ataques do Boko Haram a outras escolas – como um recente
massacre de cinquenta e nove meninos no estado vizinho de Yobe – levaram ao
fechamento em massa. Mas, autoridades locais do setor de educação decidiram
reabrir a escola de Chibok por um curto período para aplicar as provas. Na
noite da abdução, militantes apareceram na escola usando uniformes do Exército
nigeriano. Disseram às garotas que estavam ali para levá-las a um lugar seguro.
“Eles disseram: não se preocupem. Nada acontecerá com vocês”, Sanya disse. Os
homens pegaram alimentos e outros suprimentos da escola e atearam fogo ao
prédio. Levaram as garotas até caminhões e motocicletas. De início, as garotas,
embora apreensivas e nervosas, acreditaram que estavam em boas mãos. Quando os
homens começaram a atirar para o alto e a gritar “Allahu Akbar”, disse Sanya,
ela percebeu que os homens não eram quem diziam ser. Ela começou a implorar a
Deus por ajuda; viu várias garotas saltarem do caminhão em que estavam.
Era meio-dia quando seu grupo chegou ao acampamento dos
terroristas. Ela fora levada para um local não muito longe de Chibok, a alguns
vilarejos de distância, no meio do mato. Os militantes forçaram suas colegas a
cozinhar; Sanya não conseguia comer. Duas horas depois, chamou duas colegas e
disse-lhes que deviam fugir. Uma delas hesitou e disse que elas deviam esperar
para fugir à noite. Sanya insistiu, e elas fugiram escondendo-se atrás de
algumas árvores. Os guardas as viram e gritaram ordenando que voltassem, mas as
garotas continuaram correndo. Chegaram a uma vila tarde da noite, dormiram na
casa de um desconhecido que as hospedou e, no dia seguinte, telefonaram para as
respectivas famílias.
Sanya não conseguiu me contar mais nada depois disso. Ela
não está bem. Suas primas e amigas mais próximas ainda estão desaparecidas, e
Sanya está tentando entender como é que ela está viva e de volta ao lar. Tudo o
que pode fazer agora, segundo suas próprias palavras, é orar e jejuar, e orar e
jejuar novamente.
No dia seguinte à abdução, o Exército nigeriano declarou que
havia resgatado quase todas as garotas. Um dia depois, os militares voltaram
atrás em sua declaração; nenhuma fora de fato resgatada. O número de garotas
que o governo disse que estavam desaparecidas, pouco mais de cem, é menos da
metade do número que pais e funcionários da escola reportaram. D acordo com sua
contagem, duzentas e trinta e quatro garotas foram levadas.
Na esteira do fracasso dos militares, os pais se uniram e
arrecadaram fundos para que alguns deles fossem à floresta procurar as garotas.
O grupo deparou-se com moradores dos vilarejos que os convenceram a voltar.
Eles disseram aos pais que haviam visto as garotas pelos arredores, mas que os
insurgentes estavam muito bem armados. Muitos dos pais possuíam apenas arcos e
flechas.
***
As circunstâncias do rapto, e principalmente a desonestidade
dos militares, explicitaram um aspecto profundamente inquietante dos líderes da
Nigéria: quando se trata do Boko Haram, não se pode confiar no governo.
Crianças foram assassinadas, juntamente com suas famílias, em inúmeros
bombardeios e massacres do Boko Haram ao longo dos últimos cinco anos. (Mais de
mil e quinhentas pessoas foram assassinadas até agora este ano). Escolas
estaduais e vilarejos distantes ao norte têm sido vítimas da violência do Boko
Haram. O grupo é suspeito de, ao menos em parte, promover uma campanha contra
os valores seculares. As garotas raptadas eram cristãs e muçulmanas; sua única
ofensa, ao que parece, era ir à escola.
Em junho do ano passado, visitei Maiduguri, capital do
estado de Borno e berço do Boko Haram, para cobrir a insurgência e a
contra-ofensiva do governo nigeriano, uma operação de segurança que deixou três
estados do nordeste, incluindo Borno e Yobe, sob estado de emergência enquanto
as tropas atacavam esconderijos e acampamentos terroristas. Os militares
cortaram linhas telefônicas e o acesso à internet; ao mesmo tempo que os
habitantes aprovaram a intervenção, havia uma sensação de que estavam vivendo
no escuro. Tiros, uma explosão de bomba: teria sido o Boko Haram ou um ataque
militar? Seriam as centenas de homens desaparecidos pelos militares de fato terroristas
– mesmo os meninos tão jovens? E, estaria o governo, como alegava, vencendo a
guerra?
Os militares reconectaram as linhas telefônicas em Borno.
Mas a única companhia aérea que voava para Maiduguri cancelou a rota no fim do
ano passado. A estrada que leva a Chibok é tão perigosa que o governador de
Borno visitou a cidade sob pesada escolta militar. Atualmente, boa parte do
nordeste está isolada. O que está acontecendo por lá que não podemos ver?
Os nigerianos do resto do país vinham conseguindo, até
recentemente, ignorar as mortes. O clima geral tem sido de desânimo e apatia –
desde um governo que está reprimindo os nortistas pesadamente até os civis que
se encontram bem distantes do caos. Pode ser que esse estado de espírito
finalmente mude.
***
O pai de Sanya, o professor da escola primária Ishaya Sanya,
está lutando com emoções conflituosas: gratidão por sua filha estar de volta;
culpa porque as filhas de seus irmãos, amigos e vizinhos ainda estão
desaparecidas na mata; e uma frustração raivosa pelo fato de aparentemente não
ter havido nenhum esforço para resgatar as garotas.
“Não sabemos onde elas estão até agora, e não tivemos
nenhuma notícia do governo”, disse-me ele. “Todas as casas em Chibok foram
afetadas pelo rapto”. As únicas informações que as famílias conseguiram obter
sobre as garotas raptadas, continuou ele, foram transmitidas pelas garotas que
escaparam.
Ele lembra o horário exato em que Deborah apareceu em sua
frente depois da fuga – 16h30 – e como ele se sentiu: “muito feliz”. Mas o
desespero logo voltou. “Nossa região foi afetada de forma muito grave”, disse.
Pais e mães adoeceram fisicamente, e alguns estavam “enlouquecendo”.
O plano atual dos militares é incerto; os pais e mães da
cidade de Chibok esperam que o Exército esteja agindo de forma rápida e
cautelosa. Existe uma preocupação adicional de que uma operação de resgate
possa resultar na morte de muitas garotas; isso ocorreu durante uma tentativa
de resgate anterior de dois engenheiros ocidentais sequestrados pelo Boko
Haram. Na semana passada, um porta-voz dos militares, o General de Brigada
Chris Olukolade, disse apenas que as buscas pelas garotas haviam sido
“intensificadas”.
Enquanto isso, assim como ocorre em outras situações na
Nigéria, cada comunidade tem que se defender por conta própria. Durante alguns
dias depois da abdução, algumas garotas foram reaparecendo na cidade – algumas
pularam de caminhões, outras escaparam quando foram enviadas para buscar água.
Esse retorno de algumas garotas terminou. “Ninguém as resgatou”, disse um
funcionário do governo de Chibok sobre as que conseguiram retornar. “Quero que
você enfatize este ponto. Ninguém as resgatou. Elas fugiram por conta própria.
Isso é doloroso”.
Um pastor de Chibok, cuja filha está desaparecida, disse que
saiu com amigos em busca das garotas na manhã seguinte à abdução. “Fui obrigado
a voltar para casa de mãos vazias”, ele me disse por telefone. “Simplesmente
não sei o que o governo federal está fazendo a respeito. E não há nenhuma força
de segurança aqui para nos defender. Você tem de fazer o que for possível para
salvar a própria vida”.
Perguntei ao pastor sobre rumores de que o Boko Haram levara
as garotas além das fronteiras da Nigéria, para Camarões e Chade, casando-as à
força. Ele fez uma pausa, e disse: “Como serei feliz? Como serei feliz?”.
[+] Abaixo-assinado online da Change.org: #BringBackOurGirls.
[+] Quem são as centenas de jovens sequestradas na Nigéria?
Autora
Alexis Okeowo é jornalista e vive em Lagos, na Nigéria. De
2006 a 2012, ela foi correspondente em Uganda, México e Nova York. Em 2013,
relatou um escândalo de grupos da mineração chinesa na Zâmbia, com o apoio do
Pulitzer Center on Crisis Reporting. Em 2012, foi membro da Alicia Patterson
Foundation, escrevendo sobre os direitos dos homossexuais na África. Ela também
foi parceira do projeto International Reporting Project da Johns Hopkins School
for Advanced International Studies, fazendo relatórios sobre a violência
religiosa e sectária na Nigéria central e do norte.
Fonte: Blogueiras feministas
Nenhum comentário:
Postar um comentário