Meu primeiro sentimento ao ver a capa da revista Placar, que
traz uma enorme foto do rosto do ex-goleiro Bruno, condenado pela morte de
Eliza Samudio, foi de espanto.“Não acredito”, pensei.
Texto de Fabiana Moraes.
Essa sensação durou pouco. Na verdade, essa capa não é
absurda, não deveria ter me causado tanta surpresa. Ela é na verdade a
confirmação de uma situação, é uma peça-símbolo do tipo de visibilidade que se
concede aos homens e mulheres desse País, no qual uma pesquisa equivocada
parece ter diminuído a gravidade do fato de mulheres com saias curtas “estarem
pedindo” para serem molestadas sexualmente.
A capa da Placar com Bruno faz parte da normalidade de um
País no qual quase metade dos homicídios de mulheres são cometidos por pessoas
próximas, geralmente marido, namorado, amigo, filho, pai. A outra metade das
mortes não é suficientemente estudada, como se a violência contra o gênero
feminino fosse mais grave somente quando recebe o carimbo da “violência
doméstica”.
O apelo e o sofrimento do jogador merecem circular em papel
de qualidade na grande mídia, onde o apelo e o sofrimento de milhares de
mulheres mortas todos os anos em solo nacional só circula no momento em que
seus assassinatos são publicados (entre 1980 e 2010: mais de 92 mil mulheres
assassinadas; 43,7 mil somente na última década. Esse número saiu de 1.353
mortes no período para 4.465, um aumento de 230%).
A foto de Bruno na capa da Placar comemora o fato de,
desenvolvidos e felizes com o progresso econômico nacional nos últimos 30 anos,
termos apenas pequenos problemas como, por exemplo, o fato de uma mulher ser
vítima de homicídio a cada 1 hora, 57 minutos e 43 segundos no ano de 2010. Em
2001, a média era de 2 horas, 15 minutos e 29 segundos. A capa que causa
espanto é a mesma capa que vai para assinantes no qual esta situação acontece
normalmente – está acontecendo agora.
Uma resposta feita por Cyntia Mesquita Beltrao e Rosiane Pacheco, divulgada por vários grupos feministas na rede |
Alguém falou em um comentário sobre essa capa que a equipe
da revista foi “corajosa”. Por coragem, eu entendo o ato de ir contra a
normalidade, o ato de fissurar o sistema, não de apoiá-lo, complementá-lo,
confirmá-lo. Eu entenderia como corajosa uma edição da Placar que trouxesse as
muitas e muitas mulheres que já foram vítimas de uma lógica perversa presente
dentro do futebol (e outros esportes), espaço onde o sexo feminino nem é mais
tratado como coisa, já que as coisas têm algum valor. Coragem temos que ter
nós, mulheres, para nos depararmos com esse rosto circulando nos meios de alta
visibilidade. Coragem temos que ter nós, mulheres, quando colocamos os pés na
rua. Coragem temos que ter nós, todas, todos, para não aceitar nunca que esse
País continue dentro dessa normalidade.
Autora
Fabiana Moraes é jornalista e mora em Recife. Esse texto foi
publicado originalmente em seu perfil do Facebook, no dia 24/04/2014. Você pode
acompanhá-la no Facebook e no Twitter.
Fonte: Blogueiras Feministas
Nenhum comentário:
Postar um comentário