Recentemente, as redes sociais e as rodas de conversa foram
tomadas pela polêmica em torno do aplicativo Lulu, em que mulheres avaliam o
perfil de homens, atribuindo-lhes notas e comentários.
Por Talyta Carvalho
Não interessa debater a questão dos direitos individuais por
dois motivos. Primeiro porque é possível retirar seu perfil. E segundo porque,
em tempos digitais, qualquer desejo de privacidade e sigilo totais com relação
a informações sobre você soa tão ingênuo quanto acreditar em unicórnios.
O aplicativo se apresenta como uma ferramenta que visa
reunir informações sobre rapazes. Trata-se de um propósito inócuo, uma vez que
desconheço o fato de mulheres ficarem com um rapaz porque alguém disse que ele
é bacana, ou ainda não ficarem porque alguém disse que ele não presta.
A questão a ser discutida está no âmbito das relações homem
versus mulher. Em pouco tempo, o Lulu angariou defensoras fervorosas, que
reivindicam estarem apenas se valendo de sua liberdade para fazer na internet o
que já faziam entre amigas. Do lado masculino, a reação é ambígua: há os que
gostaram (avaliações positivas se tornaram "boa propaganda") e há os
que odiaram (pela exposição).
Gostaria de me restringir à relação entre os homens que se
sentiram agredidos e as mulheres que defendem o Lulu.
As reações oriundas da porção feminina foram desde a
afirmação de que eles são fracos e "não aguentam brincadeira" até
brados de "eles finalmente provaram um pouco de seu próprio veneno."
Décadas de feminismo nos tornaram especialistas não apenas
em políticas de ressentimento, mas também em reações prontas de defesa em vista
de qualquer coisa vinda de um homem, opressor por definição mesmo que em
potência.
Isso posto, não há, para essas mulheres, como legitimar a
indignação masculina. Claro, se a história fosse a inversa, se tivessem sido os
homens a criar primeiro o Tubby, já estaríamos preparando as fogueiras para a
nova inquisição.
Sabiamente, Alexis de Tocqueville (autor de "A
Democracia na América") já apontava que os princípios de liberdade e
igualdade são inversamente proporcionais; um cresce para o outro diminuir.
O Tubby seria sexista em princípio e estaria a serviço do
machismo, perpetuando desse modo a objetificação das mulheres. Mas, quando se
trata de homens, não configura objetificação? Só é sexismo quando o alvo são
mulheres? Em cenários de busca por igualdade, o cerne não deveria ser que não
se deve objetificar pessoas? Eu, particularmente, não vejo grandes dramas na
objetificação; tudo é objeto.
Há quem tenha defendido o Lulu mesmo admitindo que se
incomoda com a objetificação das mulheres e que de fato há ali uma
objetificação dos homens, muito embora esta última seja legítima tendo em vista
todos os séculos de objetificação/humilhação que as mulheres sofreram e sofrem
cotidianamente, em todos os lugares que frequentam: trata-se de dizer que não é
possível comparar homens e mulheres por motivo de "falsa simetria".
Ou argumenta-se a favor de uma "justiça histórica". Se há apenas
dívida histórica e a impossibilidade de homens e mulheres se sujeitarem aos
mesmos critérios de julgamento, todo debate necessário silencia.
O momento é de abandonar o papel de "vítima
histórica", como diz a filósofa Elisabeth Badinter ("Fausse
Route"), e nos empenharmos em discutir sem medo como viabilizar as
relações entre homens e mulheres e, ainda, como sermos mulheres que agem no
mundo sem mediação de uma lógica revanchista.
TALYTA CARVALHO, 27, é especialista em Renascença e mestre
em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
#Lulu #injúria
Por Fernando Castelo Branco e Frederico Crissiúma de
Figueiredo, advogados criminalistas
A internet traz sensação de anonimato que, muitas vezes, não
condiz com a realidade, mas estimula comportamento irresponsável - e punível
Os americanos são aficionados por listas. Está em seu DNA
cultural a incansável tentativa de categorizar, ordenar e atribuir notas a tudo
que tenham contato.
A revista "Time" apresenta anualmente a lista dos
mais poderosos. A "Forbes" relaciona os mais ricos, a
"People" os mais bonitos. O filme "Alta Fidelidade" --para
muitos, referência cultural deste século-- narra a história do dono de uma loja
de discos de vinil obcecado pela elaboração das mais diversas listas.
Agora, no momento em que o Facebook torna-se onipresente,
com mais de 1 bilhão de usuários no mundo - 65 milhões deles no Brasi --, surge
nos Estados Unidos um aplicativo que se dispõe a dar notas aos homens,
listando-os de acordo com suas qualidades - ou falta delas.
O aplicativo Lulu, oficialmente lançado no país na semana
passada, permite que as mulheres - e somente elas - acessem o perfil dos homens
no Facebook e, por meio de uma série de perguntas, atribua-lhes notas de 1 a
10, além de oferecer hashtags para classificá-los.
Hashtags são uma forma de indexação que começou a ser usada
no Twitter e se espalhou pela internet, na qual se acrescenta o símbolo # a uma
palavra qualquer, tornando possível indexá-la automaticamente. O aplicativo fez
sucesso: atualmente é o mais baixado no iTunes e Google Play brasileiros.
Entre os operadores do direito, porém, a situação traz uma
série de inquietações, e suas consequências já começam a aparecer. Há notícia
de que as primeiras ações cíveis contra o Facebook e a Luluvise (empresa
desenvolvedora do Lulu) foram ajuizadas e o Ministério Público instaurou um
inquérito civil público.
Das hashtags, as depreciativas tiveram maior apelo,
transformando o programa também em uma forma de vingança pessoal. Entre as mais
usadas estão #maisbaratoquepãonachapa, #prefereovideogame, #arrotaepeida,
#tocavuvuzela, #piormassagemdomundo, #curteoromerobritto, #4e20 (analogia ao
consumo de maconha).
Em que pese o tom inconsequente de brincadeira, fica clara a
possibilidade de que as pessoas sintam-se efetivamente ofendidas por essas e
outras expressões. Além disso, graças à enorme quantidade de suas usuárias, há
um vasto potencial dessas proliferação de injúrias.
Para os homens que pretendem preservar sua intimidade, são
criados diversos obstáculos. Aqueles que tiveram seu perfil avaliado e desejam
exclui-lo deverão percorrer tortuoso caminho, expondo, mais uma vez, logados
pelo Facebook, seus dados pessoais, que serão armazenados indevidamente pelo
Lulu, em troca da exclusão.
A internet traz uma sensação de anonimato que, em regra
geral, não condiz com a realidade, mas estimula um comportamento muitas vezes
irresponsável. Por outro lado, é certo que a nossa Constituição protege, como
garantia fundamental, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação. O Código Penal, por sua vez, tipifica como injúria,
punível com pena de detenção, ofensa à dignidade ou decoro de outra pessoa.
Por isso, menina, #cuidado!
Fonte: Folha de São
Paulo
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