Desde 2002, uma lei liberal de prostituição está em vigor na
Alemanha. Críticos dizem que a partir daí o país se tornou o "bordel da
Europa", e exigem novas regras. Alguns querem proibir radicalmente o
comércio do sexo.
Uma garota de 16 anos é encontrada morta num depósito de
lixo, aparentemente vítima de assassinato. Ela vem de Belarus e foi atraída
para a Alemanha sob pretextos falsos. Aqui, ela se tornou um brinquedo sexual
de homens mais velhos, constata a polícia – uma "garota
descartável"(Wegwerfmädchen). A expressão foi usada como título de um
episódio de Tatort, a série televisiva policial de maior sucesso na Alemanha.
Em 2012, o filme foi motivo de muita audiência e chamou
bastante atenção. A atriz alemã Maria Furtwängler fez o papel da comissária
responsável pelas investigações. Ela está entre as 90 celebridades que
assinaram uma petição na atual edição da revista feminista Emma para abolir a
prostituição.
Uma sociedade não deve tolerar o comércio com mulheres, diz
o apelo da editora-chefe Alice Schwarzer. A feminista mais conhecida da
Alemanha desencadeou assim um debate que rapidamente chegou mais uma vez à
política, pois a lei de prostituição aprovada em 2002 pelo então governo
verde-social-democrata já é controversa desde a sua introdução.
"Proteger melhor
as prostitutas"
Desde que a lei foi aprovada, a prostituição não fere mais a
moral e os bons costumes na Alemanha, portanto clientes e profissionais do sexo
não são passíveis de perseguição penal. Segundo Thekla Walker, uma das líderes
do Partido Verde no estado alemão de Baden-Württemberg (sul), na ocasião
"as prostitutas foram retiradas de um vácuo legal para um quadro de
proteção jurídica". "Essa foi certamente uma intenção positiva
naquele momento."
No entanto, o desenvolvimento da indústria do sexo desde
então exige leis mais severas, alerta Walker, ressalvando que não quer proibir
a prostituição. Em vez disso, apela por melhores condições de trabalho para
profissionais do sexo, em sua maioria mulheres. Um exemplo seriam controles
regulares de saúde.
Além disso, a polícia deveria controlar os prostíbulos e
verificar o bem-estar das mulheres que ali trabalham. Na atual situação, os
agentes não estão autorizados a realizar inspeções. "Deve-se esclarecer
como as prostitutas podem ser mais bem protegidas", disse Walker, em entrevista
à Deutsche Welle.
A Alemanha também precisa ajustar sua legislação às
diretrizes da União Europeia para combate ao tráfico humano, exigiu a política
verde. Em maio de 2005, o Conselho da Europa (que promove a defesa dos direitos
humanos) aprovou a Convenção contra o Tráfico de Seres Humanos, mas somente em
abril de 2013 a Alemanha ratificou o documento – foi um dos últimos países.
A convenção prevê que vítimas de tráfico humano menores de
idade obtenham direito de permanência no país, no interesse do bem-estar do
menor. No entanto, este não é o caso na Alemanha segundo a atual legislação,
acusam os críticos. Outro ponto de ressalva é que as vítimas adultas só
conseguem autorização de residência sob a condição deporem contra seus algozes
em processo penal.
Alemanha como paraíso
sexual
Em outros países europeus, a situação legal é bem diferente.
Na Suécia, a prostituição é totalmente proibida desde 1999. No entanto, somente
os clientes são passíveis de punição, não as prostitutas. As penas variam entre
multas a partir de 1.500 euros (cerca de 4.500 reais) ou seis meses de
detenção.
Na França, os prostíbulos foram proibidos pouco depois da
Segunda Guerra Mundial, e agora um projeto de lei baseado no modelo sueco é
motivo de muita controvérsia no país. Em reação, 343 homens, autointitulados
salauds (cafajestes) assinaram a petição "Não põe a mão na minha puta
(sic)", entre eles, escritores, atores e o advogado do ex-chefe do FMI
Dominique Strauss-Kahn, protagonista de escândalo sexual em 2011.
Cidades alemãs de fronteira também são afetadas pelas leis
cada vez mais rigorosas dos países vizinhos. A prefeita de Saarbrücken, na
fronteira com a França, Charlotte Britz, afirma que nos últimos anos a situação
piorou em sua cidade. Ela teme que a Alemanha se torne um "Eldorado"
do comércio sexual, caso sigam valendo as leis liberais, enquanto na França os
clientes se tornam passíveis de punição.
Em entrevista à Deutsche Welle, Britz defendeu a introdução
de "uma legislação uniforme em nível europeu". A política
social-democrata aludiu às fronteiras cada vez mais abertas na Europa e as
consequências da pobreza em países como Bulgária e Romênia. "Mulheres
desses países trabalham cada vez mais na prostituição de rua na Alemanha",
sendo questionável que tenham vindo de livre e espontânea vontade.
Forçadas à
prostituição
Segundo Sabine Constabel, assistente social do Departamento
de Saúde de Stuttgart, a parcela de mulheres que optou voluntariamente pela
prostituição diminuiu bastante desde o ingresso das nações do Leste Europeu na
UE. "Aí, muitas mulheres dos países mais pobres da Europa vieram se
prostituir na Alemanha."
Em Stuttgart, há uma ampla oferta de assistência a
profissionais do sexo, com um centro de atendimento para mulheres e outro para
homens, que oferece comida, assistência médica ou simplesmente um lugar para
conversar. Constabel é a coordenadora técnica de dois cafés, o La Strada, para
as mulheres, e o Strich-Punkt, para as homens.
A assistente social de Stuttgart revela que muitas das
jovens são enviadas à Alemanha pela família ou por conhecidos, e obrigadas a
enviar grande parte de seus ganhos para o país de origem. Nesse sentido, elas
foram forçadas à prostituição, não importa como e por que vieram para a
Alemanha.
Segundo Constabel, ela ouve das mulheres que elas não
aguentam a prostituição: "Elas dizem que o trabalho as destrói." Até
70 profissionais do sexo visitam o La Strada todas as noites. "Elas reagem
com depressão, muitas começam a beber, têm problemas psicológicos
profundos", afirma a assistente social, de acordo com a qual as mulheres
querem deixar a prostituição.
Ao mesmo tempo, porém, contam que "recebem ligações
permanentes das mães, que pedem dinheiro. Também conheço garotas de 18 anos que
já têm dois filhos no país de origem. Elas dizem: 'Eu trabalho apenas para os
meus filhos. Quero que eles tenham o que comer, que vão à escola e que tenham
livros escolares e roupas. Por isso estou aqui.'"
Final feliz para a "garota
descartável"
A série policial de TV de 2012 foi inspirada numa história
real, publicada na edição dominical do jornal Bild. A verdadeira "garota
descartável", Yamina, tinha somente 15 anos de idade e veio da Nigéria
tentar a sorte na Alemanha. Em vez disso, tinha de atender até 70 homens por
semana. Por fim, ela conseguiu fugir, cooperou com as autoridades e obteve
asilo. Um final feliz, pelo qual inúmeras outras prostitutas esperam em vão.
Fonte: www.dw.de
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