Na semana passada, a história de Júlia Rebeca, uma jovem
paraibana de 16 anos, se espalhou pelo Brasil. Um vídeo em que a moça se
relacionava com uma amiga e um amigo foi divulgado primeiro via WhatsApp, a
rede que substitui o SMS para smartphones, depois pela web.
(Por Pedro Doria)
Perdida, cometeu
suicídio antes mesmo que os pais soubessem. "Todo adolescente tem o
direito de ser adolescente", disse sua mãe ao último Fantástico.
"Eles são inconsequentes mesmo." E o momento em que ela começava a
experimentar com as possibilidades do corpo terminou em tragédia.
Há outra história
circulando. Igual, porém distinta.
É a de Thamiris Sato, aluna da tradicional FFLCH da USP,
onde estuda Letras. No mesmo domingo, ela contou em seu perfil do Facebook de
como, desde outubro, um ex-namorado a vem ameaçando. Divulgou fotografias.
Invadiu seu correio eletrônico. Poderia ter-se encolhido em casa. Muitas vezes,
a vontade é essa mesmo: sumir do mundo. Seguiu o caminho inverso. Tornou-a
pública. Pôs seu rosto, assinou o nome. Prestou queixa na Delegacia da Mulher.
A família do rapaz a contestou com agressividade. Professores da faculdade a
abraçaram, o grupo feminista Marias Baderna divulgou nota, o Comitê de Ética da
USP abriu processo para investigar o caso.
O que separa a história de Júlia e a de Thamiris é
temperamento, idade e ambiente social. A violência é a mesma e dor não se mede.
Os pais de Júlia sequer souberam do vídeo mas a menina estava tão aterrorizada
que não viu outra saída. Não chegou a saber que sua mãe entendia tudo de
adolescência. E, talvez, no interior da Paraíba, a perspectiva de ver sua
intimidade tornada pública fosse acachapante. De internet, afinal, Júlia
entendia. Sabia que uma vez que o vídeo passa de celular em celular, logo ganha
sites, de lá o mundo. O efeito de rede é inexorável.
Um pouco mais velha, em um dos campi mais cosmopolitas do
país, Thamiris percebeu outra coisa. Que não fez nada de errado. Que tem o
direito de fazer o que quiser com o próprio corpo. Escroque, afinal, é o outro.
É preciso coragem para virar a mesa como ela fez. De ir
publicamente relatar o que lhe ocorreu e como. Falar da dor, principalmente do
medo. Ela provavelmente já desconfiava que receberia apoio. Já sabia disso,
Júlia não soube.
Pornografia da vingança, revenge porn em inglês, é como
chamamos o ato de divulgar imagens íntimas para se vingar. Não é apenas
misógino e covarde. É reflexo de uma cultura na qual muita gente ainda
desconfia que mulheres, quando sentem prazer, têm algo de errado. Não é um
fenômeno novo no mundo, tampouco no Brasil. O que há de novo é que, nos últimos
dois meses, os casos estão ganhando maior evidência.
Falar abertamente desta nova forma de violência sexual é bom
porque educa. Diminui a possibilidade de que outras meninas, jovens e perdidas,
percam repentinamente sua perspectiva. Há caminho legal no Brasil. A Lei Maria
da Penha cobre tais casos e as delegacias especializadas sabem como proceder.
Dizer não faça não é solução. No mundo em que o celular tira
boas fotos e adolescentes seguirão descobrindo o barato da sedução, fotografias
serão tiradas. Um dos aplicativos mais badalados do Vale do Silício no momento,
para iPhone e Android, é o Snapchat. Na semana passada, o Facebook ofereceu
US$3 bilhões por ele, o Google retornou com oferta de meio bilhão a mais. É
cacife alto para o Vale, o app do momento. Muito pouca empresa é disputada
simultaneamente por dois gigantes. E a trupe do Snapchat está tão convicta de
que tem um tesouro nas mãos que rejeitou o dinheiro. Seguirá, por enquanto, com
as próprias pernas.
Snapchat é uma das soluções possíveis. A moça envia fotos
para o namorado, ele as recebe. Mas há um truque: após intervalo entre 1 e 10
segundos, a imagem se apaga automaticamente. Quem envia decide quanto tempo. Se
alguém do outro lado tentar capturar a tela, o remetente é imediatamente
informado.
Até que o mundo fique melhor, não custa lembrar às Marias
Baderna do mundo de que não estão sozinhas. Thamiris o sabe.
Os pontos-chave
1 — Não são histórias novas no Mundo, tampouco no Brasil. De
novo só que começaram a ser divulgadas
2 — No Brasil, a Lei Maria da Penha inclui casos de
pornografia da vingança, onde a violência é virtual
3 — Snapchat é um app que permite o envio de fotos que se
apagam automaticamente
Fonte: O Globo
Pedro Dória é jornalista.
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