Mudança é uma palavra que não assusta Marta Batista,
ex-moradora de rua e hoje professora universitária em Aracaju. Com capricho e
dedicação ela coleciona diplomas de psicóloga e assistente social, além da
busca pela conclusão do mestrado. Os méritos alcançados tiveram como direção a
superação diária de seus limites.
Antes de completar três anos de idade ela foi encontrada por
Miguel José de Souza, de 17 anos, no Mercado Municipal de Aracaju. “Era véspera
de São João. Eu estava com a minha mãe e irmão pedindo às pessoas algo para
comer. Quando ele apareceu e passou a me observar enquanto eu brincava na lama
com uma varinha de pau. Ele acabou comprando um sorvete para mim”, lembra.
“Ao permanecer mais tempo comigo se deu conta que minha mãe
estava gelada e havia falecido. E resolveu me levar para sua casa. Mesmo não
aceitando a nova surpresa do filho a mãe dele cuidou dos meus ferimentos. Eu
estava com bicho de porco nos pés e nas mãos, além de ferimentos em todas as
partes do corpo. Era tão sério que foi necessário pedir ajuda na farmácia”.
Depois de resgatada das ruas ela permaneceu por pouco tempo
na casa de Miguel, enquanto a mãe do rapaz arrumava um outro destino para ela.
“Uma vizinha por piedade da situação aceitou ficar comigo, mas foi por pouco
tempo, já que duas semanas depois ela se mudou para o Rio de Janeiro e me
colocou num orfanato onde passei a ter nome em documento de Maria Batista”.
No novo endereço Maria conviveu com 25 crianças, e dessa
fase uma das lembranças mais presentes era a falta de visitas e a necessidade de
carinho. “Toda vez que os pais visitavam os filhos eu ficava afastada
calculando o momento exato para pular no colo de algum deles e conseguir
carinho. Os meus amigos já sabiam disso e falavam: Marta não pula no colo da
minha mãe não, com ciúmes”, revela entre risos.
“Eu era a única que ninguém visitava. A senhora que me
registrou e colocou no orfanato fez a primeira visita quando eu já tinha 12
anos. Antes disso, descobri o telefone dela e passei a ligar, quando era
possível”, completa.
Quem me visitou no orfanato, quando retornou do exército,
foi o Miguel. “Eu não me lembrava dele. Quando ele contou toda essa história,
eu disse que ele mentia e que eu tinha mãe Depois disso, ele foi embora".
Reviravolta
O orfanato também trouxe esperança e alegria. O apoio que
ela recebeu no orfanato onde permaneceu até os 18 anos foi fundamental para o
seu crescimento pessoal. Foi lá que ela concluiu o ensino fundamental e médio,
além de cursar o técnico de enfermagem. “Agradeço cada momento lá dentro. Tive
o necessário e a lição mais clara de igualdade. Os pais só podiam levar
presentes se tivessem condições de comprar para todas as crianças”, detalha.
Nesse período ela também desenvolveu o excesso de dedicação
aos estudos e rendeu títulos a Marta. “Eu não tive as mesmas oportunidades de
estudo da maioria das pessoas da faculdade. Mas via nisso o combustível para
devorar livros e alcançar o nível desejado”, ressalta.
Com o curso técnico, ela conseguiu emprego e pagou a
primeira faculdade. Não sobrava tempo para tantas atividades. “Era o estágio,
trabalho e faculdade. Nunca fiquei sem ocupação. Até hoje divido o meu tempo
entre a família, o meu consultório e a sala de aula, onde sou professora
universitária”, revela.
Reencontro
Marta se casou aos 26 anos e depois de tantas superações ela
resolveu reencontrar quem lhe privou das ruas. “Há oito anos localizei o
Miguel”, que hoje representa o seu pai e sua família.
“No primeiro dia das crianças que passamos juntos ele me deu
um envelope com um papel. Antes de abrir, pensei que fosse qualquer coisa menos
a minha certidão de nascimento com o sobrenome dele. Aos 32 anos eu passei a
ser Marta Batista de Souza e descobri que tinha uma família com quatro irmãos”,
conta emocionada.
Seguindo o exemplo do pai de coração, ela também deseja
adotar uma criança. “Estou na lista de espera há três anos para adoção. É uma
pena que tudo seja tão burocrático e demorado”, lamenta, sem pensar em
desistir.
“Me tornei forte para enfrentar a vida. Da maneira que ela
é. E tenho a certeza que ela é difícil para qualquer um. Não acho que sou uma
heroína com essa história. Eu só tentei. E tenho certeza que existem várias
dessas histórias por aí. Só falta divulgação”, finaliza Marta Batista de Souza.
Fonte: Globo
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