O bom desempenho do mercado de trabalho brasileiro nos
últimos anos expôs um grave problema: a existência de um grupo de pessoas que
dificilmente consegue uma vaga, mesmo quando as taxas de desemprego são as
menores da história, em patamares próximos a 6% (pelos cálculos do IBGE), como
vem ocorrendo no Brasil nos últimos dois anos.
Segundo especialistas, para esse
grupo, se o emprego é difícil quando o quadro é favorável no mercado de
trabalho, a situação se torna ainda mais crítica quando a perda de fôlego na
economia começa a se refletir na geração de vagas, como está acontecendo agora.
Estudo feito pelo Dieese, a pedido do GLOBO, mostra que
mulheres e negros, que já são a maioria entre todos os desempregados, são ainda
mais numerosos entre os que buscam vaga há mais de um ano. Entre os
trabalhadores que procura emprego há menos de um ano, 53,9% são mulheres e
53,3%, negros. Essas fatias sobem para 63,2% e 60,6% entre os que estão
desempregados há mais de um ano.
— O desemprego caiu nos últimos anos. Mas é como uma piscina
com um fluxo de entrada e saída. Tem gente sempre ficando no fundo e, quanto
mais tempo a pessoa fica desempregada, mais tempo ela tende a ficar
desempregada — diz a economista Lúcia Garcia, coordenadora das Pesquisas de Emprego
e Desemprego do Dieese.
Quanto menor a taxa geral de desemprego, mais numerosos são
negros e mulheres entre os desempregados de longo prazo. Segundo o Diesse, em
1999, quando a taxa de desemprego pela instituição era perto de 20%, negros e
mulheres eram cerca de metade dos trabalhadores sem emprego há mais de um ano.
Em 2012, quando a taxa de desocupação foi de 10,5%, nas contas do Dieese, eles
superavam 60% dos desempregados de longo prazo.
O IBGE, que calcula a taxa de desemprego oficial do país a
partir de seis regiões metropolitanas, estima que há 205.155 pessoas nessa
situação, ou 14% de quem buscava vaga em junho.
— O desemprego alto afeta todos, nivela por baixo. Quando a
taxa de desemprego cai, atinge de maneira mais persistente os grupos sociais mais
vulneráveis — diz Lúcia.
Segundo o estudo do Dieese, quando se considera a
escolaridade, trabalhadores com ensino médio completo ou superior incompleto
são a maior parcela: 46,2% dos que estão há muito tempo desempregados. Na
avaliação de Lúcia, o aumento da escolaridade média do brasileiro explica a
maior parcela de desempregados de longa duração com ensino médio ou superior
incompleto. Nos últimos anos, os jovens puderam ficar mais tempo estudando
antes de buscar emprego, mas essa escolaridade maior nem sempre garantiu a
entrada no mercado de trabalho.
A mineira Leila Soares, de 27 anos, conta que com o ensino
médio completo tem visto as portas do emprego se fecharem por falta de
experiência. Cursa o ensino profissionalizante para auxiliar administrativa e
viu como é difícil conciliar estudo e trabalho. Em um dos últimos trabalhos,
como vendedora, acabou demitida:
— Queria estudar também e falavam que não dava — conta.
Leila veio para o Rio há oito anos em busca de condições
melhores de emprego e até agora não encontrou:
— Dá a impressão de que nunca está bom, que não estou
atendendo às exigências.
‘Essas pessoas estão
a deus dará’
Claudio Dedecca, professor da Unicamp, diz que, quando a
economia começa a crescer e o desemprego cai rapidamente, como ocorreu no
Brasil, as empresas admitem primeiro as pessoas mais bem posicionadas no
mercado e só depois aquelas com defasagem profissional:
— A taxa de desemprego baixa fica carregada de trabalhadores
com qualificação desfavorável. Essas pessoas sobrando no desemprego estão a
Deus dará, porque o país não tem política pública para reingresso no mercado.
Para o coordenador de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Renda
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gabriel Ulyssea, a maior
escolaridade da força de trabalho e a política de valorização do salário mínimo
ampliaram exigências dos empregadores:
— Eles buscam maior produtividade do empregado e optam pelos
mais qualificados.
Desde que deixou o Piscinão de Ramos em fevereiro de 2012,
onde vendia sacolé com a filha, Ileane Ambrósio da Silva, 42 anos, madruga em
busca de emprego. Sai de casa às 4h30 para ir aos centros de atendimento
profissional e conta que os empregadores estão mais exigentes para pessoas como
ela, que conseguiu estudar apenas seis meses e só sabe assinar o próprio nome.
— Nunca tive carteira de trabalho, mas agora parece que
ficou pior, não consigo achar nada. Eles querem segundo grau, mas para quê se
vou empacotar ou limpar o chão? Se tivesse segundo grau, estava em um
escritório — reclama.
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