Se mães biológicas falham no cuidado com terríveis consequências, a mãe adotiva, que não tem a vinculação de sangue, necessita cultivar dentro de si a decisão do cuidado e do amor. Esse lhe nasce da opção pessoal. Nada supre tal responsabilidade. Amar gratuitamente aquele que outra gerou implica grandeza de espírito.
Por João Batista Libanio
A natureza provê a relação entre a geração biológica e o amor humano, acordando no coração daquela que gerou a criança especial carinho e cuidado pelo fruto nascido. No mundo animal, funciona na medida em que tal cuidado se faz necessário, deixando depois a cria entregue aos próprios instintos.
O ser humano difere fundamentalmente porque nasce biologicamente prematuro de modo que não sobreviveria, se largado a si mesmo. O cuidado físico se prolonga muito tempo até que a criança atinja idade de prover-se a si mesma. A esse dado biológico, unem-se o afeto, a razão, a responsabilidade ética. Sob esse ângulo, entende-se a mãe adotiva.
Acontece a mãe natural falhar por duas razões fundamentais. Hoje, mais raro, a morte separa algumas mães precocemente dos filhos. Nesse momento, cabe prover a criança de alguém que lhe cumpra tal papel, ora mãe adotiva, ora instituição com pessoas encarregadas de suprir o máximo que consigam a dolorosa ausência. A mãe adotiva entra, portanto, para substituir a falta física da mãe biológica.
Outra razão comum advém da pobreza, do abandono, da irresponsabilidade de pôr no mundo alguém que não queira nem consiga criar. Abandona-se a criança. De novo, interferem as duas soluções da mãe adotiva ou da instituição.
Sob o olhar social, a adoção e o cuidado da criança sem mãe caem sob a responsabilidade da família e, se esta falha, do Estado e de instituição credenciada. A mãe adotiva entra para cobrir o vazio e assumir a responsabilidade humana de educar a criança.
Sob o olhar da opção da mãe adotiva, a situação permite varias considerações. Antes de tudo, implica em quem adota a vocação de mãe independentemente da filiação biológica. Mãe significa, sobretudo cuidado, afeto, carinho pela criança. Sem essa primeira condição, qualquer adoção se torna trágica. A criança se constrói a partir do cuidado que se lhe tem.
Se mães biológicas falham no cuidado com terríveis consequências, a mãe adotiva, que não tem a vinculação de sangue, necessita cultivar dentro de si a decisão do cuidado e do amor. Esse lhe nasce da opção pessoal. Nada supre tal responsabilidade. Amar gratuitamente aquele que outra gerou implica grandeza de espírito.
E em face dos problemas imprevisíveis em toda maternidade e, com maior risco, em tal caso, que sobrevenham, a mãe adotiva está lá para assumi-los. Sem o apoio do sangue, só existe o do amor, da liberdade, da decisão. Há casos de mães que fazem maravilhas na educação de filhos adotivos. A hereditariedade biológica e psíquica pesa muito, mas a adoção tem chance de suprir e corrigir rotas iniciais. A força do amor e do cuidado da mãe adotiva plasma em profundidade o coração da criança. E alcança resultados estupendos. A coragem da escolha não elimina o risco. Este faz parte da existência humana. Há elementos que escapam totalmente de nossa liberdade, quer por parte da natureza física, quer por parte da liberdade da outra pessoa. A criança adotiva carrega essas duas fontes de risco.
João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em
Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana
(Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou
mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56),
e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente
reconhecido como um dos teólogos da Libertação.
Fonte: Dom Total
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