"Se um papa pode abdicar antes de ser carregado para
fora sem que o céu caia sobre nós, então novos modelos igualitários de Igreja
também podem e vão emergir".
A opinião é da teóloga norte-americana Mary E. Hunt,
cofundadora e codiretora da Women's Alliance for Theology, Ethics and Ritual
(Water), nos EUA.
O artigo foi publicado no sítio Religion Dispatches,
11-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O inesperado anúncio da renúncia do Papa Bento XVI é uma
bem-vinda lufada de ar fresco. Um ser humano, mesmo sendo papa, deve ter a
opção de dizer "basta, eu fiz o que pude, e agora é hora de outra pessoa
assumir". Eu aplaudo a sua medida e a leio como um sinal de esperança em
uma triste cena eclesial.
As especulações sobre a saúde são crescentes. Tal como
acontece com muitos idosos cujos filhos armam complôs para levar as chaves do
carro, eu suspeito que houve algum lobby por trás dos panos para fazer com que
essa renúncia acontecesse. Mas eu me atrevo a esperar que, ao menos em parte,
esse tenha sido o juízo ponderado de um octogenário que viu o seu antecessor
amparado por muito tempo depois do seu auge e não quis o mesmo para si mesmo.
Mas antes de olhar para o pano de fundo, há algo na
declaração de renúncia de Bento XVI que vale a pena ressaltar: "Depois de
ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à
certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas
para exercer adequadamente o ministério petrino".
A consciência, Bento XVI nos lembra hoje, ainda é primordial
para os católicos. Exame de consciência: essa apenas é a fórmula que milhões de
nós usamos para explicar por que usamos o controle de natalidade, desfrutamos
da nossa sexualidade em uma grande variedade de formas e vemos o enorme bem em
outras tradições religiosas. A consciência é o árbitro final, e o papa confiou
na sua. Bom para ele e bom para o restante de nós.
Houve um monte de falsificações na questão da consciência
nas últimas décadas. A hierarquia pós-Vaticano II reivindicou que a consciência
é primordial se, e somente se, for formada como convém a eles. Mas o Papa Bento
XVI está dando à consciência um novo sopro de vida. O que é bom para um é bom
para o outro – o apelo à consciência não pode ser negado agora que o próprio
papa recorreu a ele.
Outra concessão: só porque um papa não renunciava desde
Gregório XII em 1415 não significa que isso não possa ser feito. Nada é para
sempre. Muito do que passa como "é assim mesmo" em Roma é realmente
apenas costume – como não ordenar mulheres, afirmar que o controle de
natalidade é um pecado, considerar o amor entre pessoas do mesmo sexo como
moralmente desordenado e afins. Os costumes mudam. Os relações-públicas romanos
dizem: "Na plenitude da revelação tal e tal coisa passam a valer
agora". Então, o novo emerge como "é assim mesmo", e a vida
continua. Espero plenamente que o próximo papa seja do mesmo porte deste, mas
não há como frear a sensação de que a pressão para mudar os costumes é
simplesmente avassaladora.
As notícias do anúncio papal incluem o fato de que muitos
dos cardeais no consistório em que Bento XVI silenciosamente deu a notícia não
entenderam imediatamente as suas palavras, porque elas foram ditas em latim.
Uma rápida tradução em seus iPads certamente retificaria essa situação. Mas é
fascinante notar que muitos dos 118 cardeais que vão eleger o seu sucessor não
são competentes o suficiente na antiga língua para entender "Quapropter
bene conscius ponderis huius actus plena libertate declaro me ministerio
Episcopi Romae, Successoris Sancti Petri, mihi per manus Cardinalium die 19
aprilis MMV commissum renuntiare ita ut a die 28 februarii MMXIII, hora 20,
sedes Romae, sedes Sancti Petri vacet et Conclave ad eligendum novum Summum
Pontificem ab his quibus competit convocandum esse". Tradução rápida: até
o fim do mês eu vou cair fora daqui, e vocês precisam eleger uma nova pessoa.
Isso realmente desmistifica o processo um pouco. Lição aprendida:
o latim é útil, mas saber como apertar o botão de tradução é outra habilidade
de que os líderes religiosos precisam. Indo mais direto ao ponto, precisamos de
pessoas que possam ouvir e discernir o que significam as palavras que eles não
compreendem que vêm de pessoas que eles não conhecem. Em nosso mundo bem
conectado, a língua universal não é mais o latim, mas sim a escuta.
A novidade desta vez é que os católicos comuns querem uma
nova Igreja, não apenas um novo papa.
Sabemos que a mudança está no ar, porque nós a colocamos lá.
Os católicos progressistas de todo o mundo estão criando novas formas de
Igreja, já que a velha está tão completamente desacreditada. Nenhuma
instituição pode resistir sem maiores mudanças ao ataque violento de publicidade
negativa que o Vaticano recebeu devido aos abusos sexuais do clero e os
encobrimentos episcopais. Nenhuma hierarquia, embora fortificada, pode durar
para sempre contra os passos cheios de espírito no sentido da igualdade e da
justiça. Desta vez, apenas eleger um novo papa não vai ser suficiente. Nem
trancar um grupo de eleitores de elite responsáveis por ninguém mais a não ser
a si mesmos em um processo eleitoral.
O povo católico também tem consciência. Esperamos ter uma
palavra a dizer sobre como nos organizamos e governamos a nós mesmos. Não
podemos, em consciência, abdicar da nossa autoridade a 118 homens idosos em sua
maioria. Esses dias acabaram. Se um papa pode abdicar antes de ser carregado
para fora sem que o céu caia sobre nós, então novos modelos igualitários de
Igreja também podem e vão emergir.
Mesmo que o conhecimento de latim aparentemente não seja
mais necessário para a liderança, temos muitas pessoas – mulheres, homens
casados, gays e lésbicas, bissexuais e transgêneros abertamente católicos – que
estão "prontos e dispostos" a assumir o ministério e a liderança. Eu
conheço centenas deles que já estão ativamente envolvidos em comunidades de
base, paróquias, comunidades religiosas e grupos de mudança social, fazendo um
trabalho maravilhoso vivendo novas formas de ser Igreja. Alguns deles até sabem
latim.
O que se dá ao papa por ocasião da sua
aposentadoria? Tenho certeza que ele tem mais relógios Rolex do que precisa, e
os sapatos vermelhos de que ele gosta estão fora da minha faixa de preço. Mas
uma nova Igreja seria exatamente a coisa certa para lhe assegurar uma velhice
digna. Em vez de simplesmente se retirar silenciosamente para Castel Gandolfo,
se a sua saúde lhe permitir, Joseph Ratzinger poderia desfrutar de uma boa
cerveja bávara com o restante de nós, como parte de uma Igreja renovada, onde
todos e todas são bem-vindos.
Fonte: Ihu
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