“O jeito como a mídia
trata a mulher é um caso particular de como ela trata os demais segmentos que
lhe interessa submeter. Por exemplo, essa invisibilidade seletiva, eles até
estranharam quando a gente falou que está faltando mulher na programação de TV:
"Como? Tem mulher de todos os jeitos". Não tem, só tem musas. As
reivindicações das mulheres dos movimentos organizados não tem; a pluralidade
em termos de pensamento, não tem”.
A psicóloga Rachel Moreno lança no próximo dia 18 o livro
"A imagem da mulher na mídia". O lançamento será acompanhado de
debate sobre o tema às 19h, no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e
Região, com a presença da autora, da presidenta do sindicato, Juvandia Moreira;
da secretária Nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
e coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC), Rosane Bertotti; do presidente do Centro de Estudos de Mídia
Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, e da deputada federal Luiza
Erundina (PSB).
Caros Amigos falou com Rachel sobre o livro, sobre a imagem
feminina nos meios de comunicação e do controle da mídia.
Caros Amigos – Eu gostaria que você falasse um pouco sobre o
livro e como foi conhecer experiências de outros países que provam que a
legislação em relação à comunicação não é algo inédito e nem absurdo.
Rachel Moreno - O movimento de mulheres, no decorrer do
tempo, teve ações de dimensão e jeitos diferentes em relação à mídia. Eu acho
que o primeiro enfoque que a gente teve foi ficar incomodada com algumas
publicidades, músicas, e ter uma ação mais pontual contra um ou outro que fosse
um pouco pior do que os demais. Em um segundo momento a gente acabou olhando
mais pra programação, mais especificamente de televisão, e aí a gente resolveu
ter uma ação mais global, digamos, contra a limitação, contra a invisibilidade
seletiva e contra a falta de diversidade no enfoque da mulher na mídia, e na TV
em particular.
Depois a gente acabou entrando junto com os outros seguimentos
batalhadores pela democratização do acesso aos meios de comunicação, e aí nós
fizemos um seminário nós de mulheres pra discutir a questão, depois nós
entramos na Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), e aí a gente
começou a abordar a coisa de maneira mais ampla, e incluímos dentro das
reivindicações a questão do controle social da imagem da mulher na mídia.
Nesse momento, embora a primeira Confecom tenha acontecido
com os três segmentos: empresários, governo e sociedade civil, na última hora parte
do empresariado se retirou bem na véspera, e depois saiu dizendo que o que a
gente pedia era na verdade censura.
É um absurdo, porque nós lutamos contra a censura, nós somos
absolutamente contra a censura. Mas de qualquer maneira, de alguma forma, eles
se apropriaram das palavras de ordem do movimento social pretendendo defender a
liberdade de expressão, eles acabam qualificando como liberdade de expressão
comercial, e nos deixando o papel de vilãos nessa história.
Como o movimento ficou meio no impasse, eu resolvi tentar
discutir com algumas companheiras de outros países pra ver em que países de
democracia tem o controle da imagem da mulher nos meios de comunicação. E como
elas se sentem, qual é o arrazoado que dá sustentação a isso, como é que é a
lei, e é um pouco o tratamento desses dados que eu coloquei nesse livro.
CA - Como é que você chegou na questão da comunicação? Como
é que você ao tratar a questão específica da mulher ampliou isso?
RM - É que eu acho que o jeito como a mídia trata a mulher é
um caso particular de como ela trata os demais segmentos que lhe interessa
submeter. Por exemplo, essa invisibilidade seletiva, eles até estranharam
quando a gente falou que está faltando mulher na programação de TV: "Como?
Tem mulher de todos os jeitos". Não tem, só tem musas. As reivindicações
das mulheres dos movimentos organizados não tem; a pluralidade em termos de
pensamento, não tem. O que a gente contesta e critica não acontece, do mesmo
jeito que, por exemplo, uma categoria de trabalhadores que entra em greve,
quando aparece na mídia, aparece pelos problemas que ela provoca para os outros
segmentos da população, nunca aparece o que eles estão pedindo, o que eles
estão reivindicando. Então, do mesmo jeito que eles nos tratam, eles tratam os
demais segmentos que eles deixam de escanteio: o movimento social, os
trabalhadores organizados, os negros, os homossexuais, enfim, todos os
segmentos que lhes interessa manter sob controle.
Agora, no caso da mulher fica um pouco mais marcante porque
também a gente tem um poder que é um "despoder" que é o seguinte:
parece que 85% das decisões de consumo passa pelas mãos das mulheres. Então
eles precisam dialogar com as mulheres, e aí eles tentam apresentar suas
mensagens mais publicitárias do que de conteúdo, inclusive de conteúdo de uma
forma compatível de modo a poder servir os interesses do sistema.
CA - Falando especificamente das mulheres, muitas vezes
ainda ganham cerca de 70% do que o homem ganha efetuando o mesmo tipo de
serviço. Mas já existem mulheres em cargos de decisão altos, até nossa
presidente. Por que você acha que a gente ainda tem essa cultura machista em
todos os setores?
RM - Porque convém aos interesses do sistema, quer dizer,
eles acabam tendo que digerir os avanços que a gente conseguiu a duras penas e
eles tentam limitá-los, limitar os "estragos". E eu acho que eles
acabam fazendo isso sofisticando ainda mais o seu discurso. Ultimamente, por
exemplo, quando se fala de discriminação de gênero, as pessoas dizem: "mas
as mulheres já tiveram tantas conquistas, tem até mulher presidente, o que mais
vocês querem?".
Então há uma naturalização da situação das mulheres, há
quase uma invisibilidade das diferenças que ainda persistem que são marcantes.
Você me disse, por exemplo, que têm mulheres executivas. Tem, mas é difícil
chegar a isso, é como se tivesse um teto de vidro e se você pega, por exemplo,
a pesquisa que o Instituto Ethos faz a cada dois anos, mostra que você tem uma
boa proporção de mulheres nas bases dos trabalhadores, mas quanto mais você
sobe, menos mulher tem. E, no entanto, as mulheres acumulam quatro anos a mais
de estudo, em qualquer nível que você considere, e nós estamos em todas as
faculdades, formações, etc. Não tem o que justifique esse teto de vidro.
Por outro lado, quando você vê uma reportagem, uma matéria
qualquer onde a mídia precisa entrevistar um especialista em uma área, é sempre
um homem. É raramente uma mulher, embora existam especialistas mulheres em
todos os segmentos. Por que? Pra minimizar o estrago, pra naturalizar isso, pra
invisibilizar, pra não botar mais lenha nessa fogueira, porque não convém.
Convém manter as mulheres no papel de cuidadoras, de consumidoras. Trabalhando
tá bom, mas trabalhando mais ainda dentro de casa, de preferência
voluntariamente nos projetos sociais, mantê-las ocupadas, não perturbando a
ordem estabelecida.
CA - E na área da esquerda, dos movimentos sociais, você
sente que ainda existe certo machismo? A mulher não vai ser a pessoa que vai
falar, que vai discutir, ela vai sempre fazer um trabalho menor...
RM - Olha, a gente teve dando uma olhada um pouco na
imprensa alternativa, na nossa imprensa. E na nossa imprensa você percebe que
não tem espaço igualmente distribuído entre os gêneros, tanto com relação a
pauta, quanto com relação a pessoas entrevistadas, com relação aos assuntos
abordados. Nós estamos longe, ainda, da equidade de fato. Mas há uma
sensibilização em relação a isso, pelo menos na mídia alternativa, na mídia
sindical, na mídia que faz parte da Altercom, mas ainda tá longe.
Nós ainda temos justamente o que permeia a cultura, as
pessoas ainda reproduzem os comportamentos que acabam considerando praticamente
naturais, praticamente normais, quase que sem perceber. Eu lembro que eu fiz
uma pesquisa um tempo atrás sobre por que tinham menos mulheres a partir de
determinados cargos no governo federal como funcionária pública. Entrevistei as
pessoas que contratavam nos mais diversos segmentos e as pessoas não se davam
conta: "Não tem? Ah é? Verdade". Não tinha justificativa. A pesquisa
visava ver por que tem menos mulheres e negros. No caso de negros, eles usaram
como desculpa o fato de que não tinha o número suficiente de negros com diploma
de nível superior, coisa que o ProUni hoje mudou, e que a realidade hoje
incorporou e acabou ficando bastante diferente. Mas no caso da mulher, eles não
tinham nem desculpa, a desculpa era: "Não percebi, não tinha me dado
conta".
CA - Mas nesse caso específico que você está me contando,
você acha que existe, conscientemente, uma preferência por homens?
RM - Eu acho que alguns anos atrás, você ainda tinha o
discurso de empresa, de empresários dizendo: "Vou dar uma chance para as
mulheres demonstrarem que elas têm condição e capacidade de preencher tal
cargo". A coisa ia desde as varredoras de rua, até as mulheres executivas.
E aí, obviamente, de uma maneira incerta, essa "chance" de mostrar a
capacidade era oferecida por um salário menor do que aquele que ele ofereceria
pra um homem.
Hoje, passado algum tempo, os empresários, e a sociedade de
um modo geral, acabaram se dando conta de que as mulheres, contrariamente ao
que imaginavam, faltam menos ao trabalho do que os homens. Porque diziam:
"Elas vão faltar porque o filho tá doente". Mentira, elas se viram de
uma maneira ou de outra. E mesmo que faltem, isso é menos que a média dos
trabalhadores de maneira geral. Elas têm preenchido super adequadamente a
função que se espera delas. Com um talento adicional, a gente é treinada desde
pequenininha a saber contemplar os diversos pontos de vista. Desde criança, até
o marido, o pai. Então essa habilidade de conciliar e de poder considerar os
diversos pontos de vista, no mercado de trabalho passou a ser valorizado.
Valorizado em termos de desempenho, mas não em termos de salário.
Então eu acho que a capacidade nossa de preencher esses
cargos, funções sociais, etc., está mais que demonstrado. Agora, a gente faz
isso a duras penas, porque a gente acumula mais horas de trabalho.
Eu vejo, por exemplo, que ultimamente a mídia tem discutido
a questão de igualdade de direitos para a empregada doméstica. Eu acho mais do
que justo, mais do que na hora, tá super atrasado, e aí você tem desde quem
questione, quem considera que é uma coisa bem vinda, até quem resolve usar um
certo tom irônico dizendo: "As madames agora vão ter dificuldade de
encontrar uma cozinheira". Mas ninguém discute como vai ser dividido o
trabalho doméstico. Quantas horas a mais de trabalho a mulher faz em casa
depois de chegar do trabalho e quantas horas a mais de trabalho o homem faz
quando chega em casa? As estatísticas mostram que os homens no Brasil têm se
incumbido de 10% do trabalho doméstico, ainda sobra 90% nos ombros da mulher.
CA - É, a questão do trabalho doméstico é realmente pouco
abordada...
RM - Muito pouco, e se você tivesse em uma novela das oito
um homem cozinhando porque a mulher ainda não chegou do emprego, eu acho que
seria um salto tremendo em termos de percepção, em termos de naturalização
dessa igualdade. E de dizer: "Nossa, isso não me tira pedaço". A
gente quer dividir o que tem pra dividir, e tem que socializar o trabalho que
precisa ser socializado.
Esse raciocínio existe em todas as legislações que eu dei
uma olhada, que eu estudei. Mostra que pra gente chegar à igualdade de fato,
que a Constituição nossa, assim como a constituição de todos esses países,
coloca como meta, a gente precisa do concurso dos meios de comunicação. Todo
mundo tem que trabalhar nesse sentido, e os meios de comunicação também. Como?
Não reproduzindo estereótipos, não multiplicando os preconceitos, mostrando
imagens socialmente valorizadas, mostrando a realidade como ela é em toda a sua
riqueza, pluralidade, dificuldade, discutindo os temas que são de fato
relevantes.
CA - Você gostaria de falar mais alguma coisa sobre o livro?
RM - Eu acho que o grande achado do livro é que tem grupos
de países que justificam de maneiras diferenciadas este controle social da
imagem da mulher nos meios de comunicação. Nós temos por um lado um acúmulo a
respeito de justificativas, de porquês, que podem enriquecer o nosso discurso
aqui, ao mesmo tempo que nós temos uma série de caminhos alternativos que podem
mostrar alternativas possíveis de elaboração de projetos de lei aqui no Brasil,
de justificativa deste controle social. Tem país que considera isso como
responsabilidade social dos meios de comunicação. Se eles chiaram com controle
social, porque a palavra "controle" pode ter uma conotação negativa,
a responsabilidade social não tem conotação negativa nenhuma.
Então, eu acho que o livro oferece um pouco essas
alternativas pra que a gente possa passear por ele e perceber que nessas
democracias absolutamente consolidadas e estabelecidas, é possível sim, é
desejável, é necessário, faz bem estabelecer um controle social dessa imagem,
de modo que a gente possa contemplar os objetivos máximos de cada um desses
países e do nosso também.
Fonte: Caros Amigos
Um comentário:
A mídia retrata a forma ainda bastante machista como nossa sociedade concebe a mulher.Subentende-se dessa postura dos meios de comunicação uma visão, de gerações passadas, de que uma mulher não é capacitada ,principalmente intelectualmente, como um homem.Daí o pensamento tipicamente machista de que " a mulher só serve"praquilo"(sexo)".Um tremendo absurdo!
Postar um comentário