Fragmento de pergaminho reabre debate sobre Maria
Madalena: teria sido não apenas mulher, mas confidente de Jesus?
Juan Arias, jornalista espanhol, foi correspondente na
Itália e no Vaticano por 34 anos, inclusive durante a realização do Concílio
Vaticano II, é autor de dois livros sobre João Paulo II, El enigma Wojtyla
Madrid: El Pais, 1985 e Un Dios para Wojtyla. Barcelona: Grijalbo, 1996.
Publicou também um livro sobre Maria, intitulado Maria, esa gran desconocida.
Madrid: Maeva, 2005, traduzido para o português pela Editora Objetiva, sob o
título Madalena: o último tabu do cristianismo, é o autor do artigo publicado
no jornal O Estado de S. Paulo, 23-09-2012.
Eis o artigo.
A opinião pública teve sua atenção voltada para uma frase
contida num fragmento de papiro escrito em copta, língua do antigo Egito,
revelado por Karen King, da Universidade Harvard, em Boston, uma das maiores
autoridades mundiais em história do cristianismo.
A frase é aquela em que Jesus, falando aos discípulos,
refere-se a "minha mulher", confirmando a tese de que o profeta
judeu, que deu origem ao cristianismo, seria casado.
Os evangelhos gnósticos são importantíssimos para se
conhecer o nascimento do cristianismo e as primeiras lutas dialéticas entre as
correntes filosóficas e teológicas das primeiras comunidades cristãs. Revelam
uma corrente de pensamento alheia ao judaísmo clássico e ortodoxo que acabou
fazendo parte do primeiro ideário cristão. E é nesses evangelhos que os
apóstolos falam abertamente do matrimônio de Jesus com a gnóstica iluminada
Maria de Magdala e das disputas e ciúmes dos apóstolos, concretamente de Pedro,
em relação ao tratamento íntimo que o Mestre dava àquela mulher, que
provavelmente nem era judia e a quem, segundo afirma Pedro, "ele revelava
segredos" que escondia deles.
Os apóstolos não viam com bons olhos o fato de Madalena ser
tida como a escolhida entre as mulheres (essas sim, judias) que acompanhavam
Jesus como uma espécie de discípulas nas peregrinações. Madalena era aquela com
quem ele mais se abria sobre as novas ideias do Reino de Deus que pregava pelas
aldeias da Galileia.
O que ocorre é que Maria de Magdala - que um dia foi
confundida até mesmo pela Igreja como a prostituta dos evangelhos - era
diferente. Com ela Jesus mantinha uma intimidade especial.
A diferença fundamental entre o pensamento oferecido ao
cristianismo primitivo por Paulo de Tarso e o pensamento gnóstico reside no
fato de que, enquanto para o judeu perseguidor de cristãos convertido ao
cristianismo, e depois perseguidor de judeus, o que importa é a "teologia
da cruz", segundo a qual o mal do mundo tem origem "no pecado".
Para os gnósticos, ao contrário, o mal do mundo decorre da "falta de
conhecimento" e sabedoria. De algum modo, a teologia de Paulo, que acabou
triunfando, se fundamenta no sacrifício, ao passo que a gnóstica se baseia na
felicidade que nasce da sabedoria e compreensão do mundo.
Poucos teólogos cristãos e sobretudo estudiosos da Bíblia
duvidam do matrimônio de Jesus com a gnóstica Maria Madalena. A igreja oficial
sabe e por isso não se atreve a condenar os livros que defendem essa tese, como
o meu, Madalena, o Último Tabu do Cristianismo, que prova a intimidade de Jesus
com aquela mulher de Magdala com uma análise hermenêutica não apenas dos
evangelhos gnósticos, mas também dos canônicos.
Uma prova irrefutável é o fato de que Jesus, recém
ressuscitado, não apareceu para Pedro e os demais apóstolos, como seria normal,
mas para Madalena, quando naquele tempo uma mulher não era confiável nem como
testemunha em juízo. Por isso Pedro não acredita em Madalena e ele próprio se
dirige à tumba para confirmar que ela estava vazia.
Até São Tomás de Aquino passou toda a vida perguntando-se
por que Jesus não apareceu primeiro para Pedro. Pela simples razão de que
Madalena era não só sua esposa, mas a discípula predileta, a depositária dos
seus segredos. Lendo meu livro, o escritor José Saramago, Nobel de Literatura,
disse a sua mulher, Pilar del Río: "É evidente. Se, ao morrer, eu pudesse
aparecer para alguém, o faria para você, a pessoa a quem mais amo".
As ideias originais e revolucionárias de Jesus, que as
mulheres então compreendiam melhor do que os homens, foram se perdendo ao longo
dos séculos a ponto de um teólogo latino-americano chegar a dizer que as ideias
do profeta de Nazaré eram tão subversivas que "criaram uma Igreja para
combatê-las".
Aos poucos aquela ideia original foi morrendo pelo caminho,
sob o peso de uma Igreja copiada do Império Romano, masculina, de celibatários,
mais baseada no Direito Canônico, nas leis e proibições do que no
"Espírito que sopra em toda parte" de que Jesus falava e que já
naquela época as mulheres entendiam melhor que os apóstolos.
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