Com tanta oferta gratuita, por que os homens ainda procuram os serviços de prostitutas? Para muitas pessoas, a busca dos homens por prostitutas passa pela questão psíquica e solidão. "Tem a ver com desejo e fantasia".
Não seria correto dizer que o sexo é mais presente na vida
das pessoas hoje do que foi no passado. O sexo, assim como a morte, sempre foi
-e provavelmente será- o grande tema da vida das pessoas. A diferença é que
agora é tratado de forma supostamente natural graças a uma abertura da
sociedade. Homens e mulheres querem ser "bons de cama" e nada é
proibido entre quatro paredes. Toda essa liberdade e sexolatria, entretanto,
não parecem ter alterado o negócio da prostituição, que continua indo muito
bem. Mas com tanta oferta gratuita, por que os homens ainda procuram os
serviços de prostitutas?
Carmen Lucia Paz, de
47 anos, prostituta desde os 17 e formada em Ciências Sociais com e
pós-graduação em Direitos Humanos, questiona essa liberação. "Ainda há dificuldade para se discutir
sexualidade em todos os âmbitos da sociedade. Conosco, os homens têm liberdade
de conversar sobre o que quiserem, sem medo de críticas. Eles podem liberar a
fantasia, que é o nosso ganha-pão", diz ela, que é sócia-fundadora do
Núcleo de Estudos da Prostituição, em Porto Alegre (RS) e militante na Rede
Brasileira de Prostitutas, grupo que
promove a defesa dos direitos da categoria.
Elisiane Pasini, antropóloga e doutora em ciências sociais
pela Unicamp, que estuda a prostituição de mulheres há 15 anos, também discorda
da ideia de total liberdade sexual. "A sociedade ainda controla a
sexualidade de todas as formas. Os papéis de homens e mulheres continuam
fechados. A sexualidade está numa caixinha e a gente não consegue abrir. Temos
muitos preconceitos que impossibilitam as pessoas de viverem sua sexualidade
como desejam”, afirma ela. "Acho que a maioria das coisas que acontecem na
zona são papai-mamãe em 10, 20 minutos, pelo que percebi. Muitas vezes, o homem
não brigou com a mulher, a ama, mas está lá para viver outras
experiências", diz Elisiane.
Há afeto
A relação entre
cliente e prostituta não é totalmente destituída de sentimentos, ainda que seja
breve. Mesmo sendo comercializada, é uma relação afetivo-sexual. "É assim
porque envolve alguma dimensão de afeto, que, em psicanálise, diz respeito a
qualquer emoção e sentimento. Assim, angústia é afeto, raiva é afeto. São
relações que têm dimensão afetiva e realização sexual”, afirma Almira Rodrigues, doutora em sociologia pela
UnB (Universidade de Brasilia), psicanalista e membro da Sociedade de
Psicanálise de Brasília.
Para Almira, a busca
dos homens por prostitutas passa pela questão psíquica e solidão. "Tem a
ver com desejo e fantasia. De alguma maneira, essas pessoas não conseguem ter
prazer em casa, satisfação na relação com o cônjuge e vão buscar com outras mulheres.
E tem também os homens que são sozinhos, sem oportunidade de acesso ao prazer
sexual, a não ser pagando", diz a psicanalista.
Sem vínculo, sem
cobranças
Estar livre de vínculos e de cobranças é um dos motivos que
levam os homens a procurar uma prostituta. Entre as entrevistas que antropóloga
Mirian Goldenberg fez para suas pesquisas, ela lembra um rapaz de 27 anos,
rico, bem-sucedido e bonito. "Ele disse que a namorada era tudo de bom,
mas sempre queria discutir relação. Para ele, saía mais barato a garota de programa,
a quem pagou R$ 500 para ter alguns momentos gostosos. Sexo com a namorada
custava conversa, ir ao cinema, jantar, compromisso. Ele não queria isso",
diz Mirian. Ela também comenta o caso de um homem casado, de 55 anos, que amava
a mulher, mas pagava R$ 200 para transar com uma garota de programa. "Ele
não gostava mais de fazer sexo com a mulher, não tinha tesão, mas não queria se
separar."
Não ter vínculo
afetivo é importante para os homens, segundo a antropóloga Elisiane Pasini.
"Transam e vão embora, sem precisar voltar nem telefonar no dia seguinte.
Isso fecha a história. O dinheiro dá sensação de poder e controle a eles".
Segundo ela, ao procurar uma prostituta,
os homens também se livram da pressão de ter de provar que são bons em competir
por uma mulher. "Em uma danceteria, se querem alguém, terão de disputar. Na zona de prostituição
eles não precisam, pois vão pagar. Ele sempre vai sair de lá se sentido
gostoso. Ele foge da pressão de ter de ser o bom em tudo e não tem de se
esforçar", diz Elisiane.
Breve história da prostituição no Brasil
No Brasil dos séculos
17 e 18, prostituir-se era uma forma de sobrevivência. "No século 18 se
tornou um negócio mais organizado, nas chamadas casinhas, que ficavam ao redor
das cidades. Havia verdadeiras gerações de avós, mães e filhas que iam se
prostituindo para manter parentes idosos e filhos pequenos", conta a
historiadora Mary Del Priore, que estuda a sexualidade no Brasil ao longo dos
séculos e autora do livro "Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na
História do Brasil" (Ed. Planeta) e de "A Carne e o Sangue" (Ed.
Rocco).
A partir da metade do século 19, surge uma modificação: o
fenômeno da exploração de mulheres por homens nos bordéis. "Esse tipo de
comércio é desenvolvido sobretudo por europeus que fazem o comércio das
polacas. Elas são chamadas de cocotes e promovem a ascensão das loiras no
Brasil. A clientela é rica e, para um senador do império ou senhor de engenho,
ter uma cocote era sinal de prestígio", conta Mary.
No final do século 19 e início do 20, o empobrecimento da
Europa às portas da primeira Grande Guerra provoca uma onda de prostitutas a
caminho do Brasil que aumentou com as brasileiras que vão se prostituir por
serem mulheres de moral duvidosa para a sociedade.
A chegada da Aids promoveu uma valorização das relações
monogâmicas. No final dos anos 1980 e começo dos 1990, surge a garota de
programa, meninas de classe média que veem na prostituição uma forma de ganhar
dinheiro sem que a família saiba.
"No passado,
elas eram vistas como uma saída, um ralo pelo qual deveria escoar o desejo dos
homens, para que não ambicionassem mulheres casadas ou virgens casadoiras. Ela
tinha a função de satisfazer esse desejo. Não haveria risco de uma virgem ser
ameaçada pelo desejo de um homem. Mas, com as transformações culturais e
morais, isso tudo caiu por terra."
Fonte: mulher.uol.com.br
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