terça-feira, 12 de junho de 2012

A busca pelo inacessível


O desejo carnal é o desejo de conhecer o outro mais do que uma maneira simbólica e indireta, mas de uma maneira imediata, total. É o desejo de encarnação do outro e de si mesmo, pois pressentimos o nosso próprio ser na carne do outro. Porém, a presença pessoal, ao mesmo tempo em que se dá na carne, ela se retira. 

A busca pelo inacessível[1]

Fagner Dalbem Mapa, CSsR
A sensação da maioria é a de que a união carnal é carregada de sentido, porém, não se consegue formular tal intuição, faltam palavras e categorias. A união carnal não é somente troca de prazeres, é o encontro de duas subjetividades. Por isso o encontro não pode ficar somente na busca de satisfação do desejo, é preciso se abrir ao significado que é inalcançável, que é o encontro total. Do contrário, a presença do corpo poderá tornar-se invasiva, perturbadora.
            O erotismo, fundamental na relação sexual, é marcado pelo jogo: jogos de mãos, de lábios, perseguições, tudo isso dentro do pudor e do despudor. “O jogo rompe com o utilitarismo ligado à satisfação das necessidades e aos valores de produção ligados ao mundo do trabalho”[2]. O prazer do erotismo vem da quebra de regras morais, ele precisa das regras para ser intenso, o seu sabor vem da transgressão. Se no mundo tudo se torna liberado não haverá mais regras a serem quebradas. Mas há limites e rituais íntimos que não podem ser ultrapassados, se não, o ato passa a ser violência, matando o desejo. Por outro lado, se o casal vive um pudor exagerado, acabam se amando como irmão e irmã, perdendo a dimensão erótica da sexualidade.
            O erotismo não fica só no exterior, ele põe a vida interior em questão. A afetividade é o lugar das verdades profundas, onde o sujeito se abre para a vida. A vida sexual não é só experiência de potência e de prazer, mas também de fraqueza e vulnerabilidade. No ato sexual o sujeito se revela como desarmado, entrega sua intimidade, seu desnudamento. Por isso nos deparamos com a questão do pudor. O pudor não é unicamente efeito de cultura, é o temor da objetivação do corpo, pois o ser humano é ser encarnado, ele é o próprio corpo. No entanto, o pudor desperta a dimensão erótica, reveste o corpo de uma “aura” dada pela qualidade do olhar. O erotismo se situa nos confins do pudor e do despudor, do sublime e do obsceno.
            “A carne do outro não é exatamente o outro, como minha carne não é exatamente eu. Entre o Eu e o Tu, o carnal se introduz como um terceiro termo”[3].  O desejo carnal é o desejo de conhecer o outro mais do que uma maneira simbólica e indireta, mas de uma maneira imediata, total. É o desejo de encarnação do outro e de si mesmo, pois pressentimos o nosso próprio ser na carne do outro. Porém, a presença pessoal, ao mesmo tempo em que se dá na carne, ela se retira.  Ao me deparar com a carne do outro, eu me deparo também com a sua fraqueza, com sua vulnerabilidade, o que desperta a ternura, o temer pelo outro e o desejo de socorrer sua fraqueza. A ternura carnal, portanto é o reconhecimento mutuo de duas fraquezas, duas fragilidades. No entanto a carne amorosa é também carne de violência, quer atravessar o pudor que guarda a individualidade para superá-la.
            O contato carnal só recebe o estatuto de comunicação e de relação, quando se usa o recurso do simbólico, como uma ponte sobre um abismo. Daí a importância da estética, que é mais aberta a comunicação ao sentido, se aparenta a poesia. O esteta procura a sensação pela sensação, uma relação de pura exterioridade, não há comprometimento com o outro. Porém, o ponto de vista estético é muito ameaçado pelo egoísmo e narcisismo, pois o amor não é só contemplação e admiração, mas é também engajamento. E isso se dá na relação ética. O sujeito da ética é aquele do engajamento na duração, da relação intima que se dá na confissão, na promessa e na fidelidade. Mesmo assim, a ética precisa da estética, precisa das referências simbólicas que falam a imaginação para suscitar o desejo e ir além do quadro da fria objetividade cientifica. A ética implica profundidade e subjetividade. O outro dá sentido ao meu corpo que de certo modo já o pertence, meu corpo não é só meu. As expectativas psicoafetivas de meu próximo deve ser exigência ética para mim.
            No mesmo sentido da ética temos a abertura a fecundidade, que é também engajamento, maturidade e dom. Ela introduz na relação uma dimensão de irreversibilidade. Mas é importante ressaltar que a procriação não é o sentido pleno da intencionalidade sexual, é um critério de maturidade e seriedade que permite assumir a duração.
            O engajamento se da também na sociedade. O casal sabe que a sua relação não é exclusivamente da sua intimidade, isso porque a sua vivência erótica depende dos modelos e das normas sociais. O íntimo não é exatamente o privado, é partilha de segredos, partilha de valores comuns. O secreto e o privado só existem diante de uma vida social. As normas sócias são as referências para o sentido de um ato sexual. Se há crise nos modelos da sexualidade, é devido à crise de identidade social, identidade que cada um recebe do grupo ao qual pertence. Assim a crise da moral sexual é a crise da relação entre sociedade e indivíduo.
            Chegamos a conclusão de que todo gesto humano é significante. A ternura, e a caricia por exemplo, são uma atitude diante do outro, não meramente um meio. A caricia não é simples contato, é busca e procura. No entanto ela é também ambígua, pois é desejo de apropriação e de domínio.  Os gestos são a experiência de algo sensível que ao mesmo tempo é inacessível, é algo que escapa.


Fagner Dalbem Mapa, CSsR


 


[1] Texto elaborado a partir da leitura do livro O Corpo de Carne de Xavier Lacroix.

[2] LACROIX, Xavier. O corpo de Carne: As dimensões ética, estética e espiritual do amor. São Paulo: Loyola, 2009. p. 35

[3] Ibdem. p. 55.

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