O desejo carnal é o desejo de conhecer o outro mais do que
uma maneira simbólica e indireta, mas de uma maneira imediata, total. É o
desejo de encarnação do outro e de si mesmo, pois pressentimos o nosso próprio
ser na carne do outro. Porém, a presença pessoal, ao mesmo tempo em que se dá
na carne, ela se retira.
Fagner Dalbem Mapa, CSsR
A sensação da maioria é a de que a união carnal é carregada de
sentido, porém, não se consegue formular tal intuição, faltam palavras e
categorias. A união carnal não é somente troca de prazeres, é o encontro de
duas subjetividades. Por isso o encontro não pode ficar somente na busca de
satisfação do desejo, é preciso se abrir ao significado que é inalcançável, que
é o encontro total. Do contrário, a presença do corpo poderá tornar-se
invasiva, perturbadora.
O erotismo, fundamental
na relação sexual, é marcado pelo jogo: jogos de mãos, de lábios, perseguições,
tudo isso dentro do pudor e do despudor. “O jogo rompe com o utilitarismo
ligado à satisfação das necessidades e aos valores de produção ligados ao mundo
do trabalho”[2].
O prazer do erotismo vem da quebra de regras morais, ele precisa das regras
para ser intenso, o seu sabor vem da transgressão. Se no mundo tudo se torna
liberado não haverá mais regras a serem quebradas. Mas há limites e rituais
íntimos que não podem ser ultrapassados, se não, o ato passa a ser violência,
matando o desejo. Por outro lado, se o casal vive um pudor exagerado, acabam se
amando como irmão e irmã, perdendo a dimensão erótica da sexualidade.
O erotismo não fica
só no exterior, ele põe a vida interior em questão. A afetividade é o lugar das
verdades profundas, onde o sujeito se abre para a vida. A vida sexual não é só
experiência de potência e de prazer, mas também de fraqueza e vulnerabilidade.
No ato sexual o sujeito se revela como desarmado, entrega sua intimidade, seu
desnudamento. Por isso nos deparamos com a questão do pudor. O pudor não é
unicamente efeito de cultura, é o temor da objetivação do corpo, pois o ser
humano é ser encarnado, ele é o próprio corpo. No entanto, o pudor desperta a
dimensão erótica, reveste o corpo de uma “aura” dada pela qualidade do olhar. O
erotismo se situa nos confins do pudor e do despudor, do sublime e do obsceno.
“A carne do outro não
é exatamente o outro, como minha carne não é exatamente eu. Entre o Eu e o Tu,
o carnal se introduz como um terceiro termo”[3]. O desejo carnal é o desejo de conhecer o
outro mais do que uma maneira simbólica e indireta, mas de uma maneira
imediata, total. É o desejo de encarnação do outro e de si mesmo, pois
pressentimos o nosso próprio ser na carne do outro. Porém, a presença pessoal,
ao mesmo tempo em que se dá na carne, ela se retira. Ao me deparar com a carne do outro, eu me
deparo também com a sua fraqueza, com sua vulnerabilidade, o que desperta a
ternura, o temer pelo outro e o desejo de socorrer sua fraqueza. A ternura
carnal, portanto é o reconhecimento mutuo de duas fraquezas, duas fragilidades.
No entanto a carne amorosa é também carne de violência, quer atravessar o pudor
que guarda a individualidade para superá-la.
O contato carnal só
recebe o estatuto de comunicação e de relação, quando se usa o recurso do
simbólico, como uma ponte sobre um abismo. Daí a importância da estética, que é
mais aberta a comunicação ao sentido, se aparenta a poesia. O esteta procura a
sensação pela sensação, uma relação de pura exterioridade, não há
comprometimento com o outro. Porém, o ponto de vista estético é muito ameaçado
pelo egoísmo e narcisismo, pois o amor não é só contemplação e admiração, mas é
também engajamento. E isso se dá na relação ética. O sujeito da ética é aquele
do engajamento na duração, da relação intima que se dá na confissão, na
promessa e na fidelidade. Mesmo assim, a ética precisa da estética, precisa das
referências simbólicas que falam a imaginação para suscitar o desejo e ir além
do quadro da fria objetividade cientifica. A ética implica profundidade e
subjetividade. O outro dá sentido ao meu corpo que de certo modo já o pertence,
meu corpo não é só meu. As expectativas psicoafetivas de meu próximo deve ser
exigência ética para mim.
No mesmo sentido da
ética temos a abertura a fecundidade, que é também engajamento, maturidade e
dom. Ela introduz na relação uma dimensão de irreversibilidade. Mas é
importante ressaltar que a procriação não é o sentido pleno da intencionalidade
sexual, é um critério de maturidade e seriedade que permite assumir a duração.
O engajamento se da
também na sociedade. O casal sabe que a sua relação não é exclusivamente da sua
intimidade, isso porque a sua vivência erótica depende dos modelos e das normas
sociais. O íntimo não é exatamente o privado, é partilha de segredos, partilha
de valores comuns. O secreto e o privado só existem diante de uma vida social.
As normas sócias são as referências para o sentido de um ato sexual. Se há
crise nos modelos da sexualidade, é devido à crise de identidade social,
identidade que cada um recebe do grupo ao qual pertence. Assim a crise da moral
sexual é a crise da relação entre sociedade e indivíduo.
Chegamos a conclusão
de que todo gesto humano é significante. A ternura, e a caricia por exemplo,
são uma atitude diante do outro, não meramente um meio. A caricia não é simples
contato, é busca e procura. No entanto ela é também ambígua, pois é desejo de
apropriação e de domínio. Os gestos são
a experiência de algo sensível que ao mesmo tempo é inacessível, é algo que
escapa.
[1] Texto elaborado a partir da
leitura do livro O Corpo de Carne de
Xavier Lacroix.
[2] LACROIX, Xavier. O
corpo de Carne: As dimensões ética, estética e espiritual do amor. São
Paulo: Loyola, 2009. p. 35
[3] Ibdem. p. 55.
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