Meninas não relatavam casos às
famílias por medo de perder oportunidades na carreira (foto: Jair Amaral/EM/D.A
Press)
Os longos cabelos
claros, batendo na cintura, o porte elegante – 1,82 metro de altura, sem salto
– e a beleza do rosto fazem da jovem do interior paranaense, que já foi miss na
terra natal, uma candidata natural a modelo. No entanto, o desejo de desfilar
pelas passarelas do planeta e ser famosa foi atropelado “pela lábia”, como ela
define, de um homem acusado de agenciar pré-adolescentes e adolescentes de
vários estados brasileiros com promessas de “modelar” – como reza a gíria do
meio fashion – ou trabalhar em novelas da televisão. As denúncias investigadas
contra o agenciador Fábio Fernandes dos Santos incluem estupro, assédio e abuso
sexual, pressão psicológica, exploração financeira e até restrição alimentar a
que seriam submetidas as jovens.
Depois dos contatos iniciais, via
redes sociais ou nas próprias cidades em que viviam, as meninas pegavam o
ônibus e a estrada, muitas vezes na companhia de pais, parentes ou namorados, e
seguiam para Alfenas, no Sul de Minas, onde funcionaria a Agência Black Model.
Sozinhas, começavam seus “dias de terror”, à espera de um contrato de trabalho
que nunca chegava. Nesse período, contam, arrumavam a casa – na verdade um
casarão no Bairro Jardim Alvorada, distante três quilômetros do Centro da
cidade –, comiam “arroz, feijão e, às vezes, salada”, e sofriam com as
investidas sexuais do agenciador. Por dentro do assunto: Dono de agência de
modelos é suspeito de abusar sexualmente de garotas no Sul de Minas
Com a pouca experiência dos seus
17 anos, a jovem paranaense chegou a Alfenas há dois meses, depois de contatada
em uma rede social por Fábio Fernandes dos Santos, de presumíveis 33 anos, que
está sendo procurado pela polícia local. Conforme denúncia do Conselho Tutelar
de Alfenas, ele é acusado de assédio sexual contra várias jovens, na faixa de
12 a 17 anos, além de pressioná-las emocionalmente e obrigá-las a fazer sexo
sem consentimento. As denúncias incluem o estupro de uma menina de 13 anos, de
acordo com relato de uma das jovens, além do episódio em que teria colocado uma
das adolescentes “de castigo”, retirando o chip de seu celular e reconfigurando
o aparelho para que não pudesse entrar em contato com parentes.
O imóvel com muros altos e
piscina no Bairro Jardim Alvorada: enquanto aguardavam um contrato que nunca
vinha, jovens cuidavam da arrumação do lugar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Em nenhum dos casos, conforme
relato das jovens, o homem, que segundo as meninas é natural de Alfenas, teria
usado preservativos. “Ele dizia que, se não fosse carinhosa com ele, as coisas
ficariam mais difíceis e que eu não conseguiria um contrato para ser modelo”,
continua a paranaense, que não desiste do seu sonho e apenas lamenta ter “caído
na lábia daquele homem”.
Na tarde de ontem, na companhia
de mais três jovens – duas irmãs do interior de Goiás, de 15 e 16 anos, e uma
de São Paulo, de 17, também do interior,
a moça contou um pouco dessa história de horror, na sede do Conselho
Tutelar. Até o dia 10, elas deverão retornar às suas cidades, disse o
presidente da instituição, Paulo Silvério, lembrando que três meninas já
voltaram para casa – duas delas mineiras, também da Região Sul, e outra de
Goiás.
O presidente do conselho conta
que a primeira denúncia anônima foi feita em 17 de fevereiro. De imediato, diz
ter comunicado à delegada de polícia Renata Fernanda Resende. Para atestar, ele
mostra o encaminhamento com o timbre do conselho. O documento, em referência a
denúncias sobre o casarão em que viviam as jovens e o acusado, informa que lá
“... funciona uma agência de modelos, que é um entra e sai de adolescentes
(...) o denunciante suspeita de drogas”.
“Enviei o ofício, mas não tive
resposta. A Polícia Civil não fez nada”, reclama. Na segunda denúncia, que ele
acredita ter vindo de uma das meninas que ficavam na casa da Agência Black
Model, ele comunicou ao promotor de Justiça de plantão. “No último sábado,
fomos lá e encontramos sete jovens, mas muitas outras passaram por lá”,
acrescenta o conselheiro.
A delegada Renata afirma que foi
aberto inquérito de imediato e garante que o caso está sendo investigado.
“Temos que olhar esta situação com muito cuidado. Cada caso é um caso.
Conversamos com as meninas e verificamos várias situações, como jovens
emancipadas pelos pais, outras que chegaram acompanhadas também dos pais e
outras que relataram ter praticado ato sexual porque quiseram. Mas é importante
destacar que, independentemente das situações, sexo com menor de 14 anos é
crime”, disse a policial.
Casa onde meninas eram mantidas
tinha piscina (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Pais pagavam R$ 500 para manter jovens
Entre as jovens que afirmam não
ter feito sexo com o suspeito estão duas meninas de Goiás. Elas frequentavam
uma escola na cidade e essa é uma das indagações do Conselho Tutelar: como duas
menores conseguiram se matricular, vindo de longe e sem a presença dos pais.
Com óculos de grau – “sete e meio de astigmatismo e hipermetropia” –, a jovem
goiana chegou a Alfenas acompanhada do namorado e, no período em que passou na
cidade, terminou o relacionamento. Ela conta que o suspeito cobrava R$ 500 das
famílias (de algumas, como da paranaense, cobraria R$ 600) para que as jovens
ficassem no casarão, que tem piscina, quatro quartos, um deles “com espelho no
teto”.
“O costume de Fábio era vir de
manhãzinha na nossa cama e ficar alisando a gente. Depois insistia cada vez mais.
Como eu fiquei com raiva e xinguei, ele me chamou de boca suja, disse que eu
jamais seria atriz e me pôs de castigo, sem poder falar com meus pais”, diz a
irmã da jovem de óculos. O curioso, em todos os relatos, é que as meninas
mantinham contato com as famílias, mas não revelavam o drama que estavam
passando no casarão de muros altos, de forma a manter vivo o sonho da carreira
artística ou das passarelas.
“Participei de um concurso na
minha cidade e o Fábio foi jurado. Foi lá que ele fez o convite”, conta a jovem
de óculos, que concorria ao título de miss. “Ele falou que eu poderia fazer
novela, mas que eu precisava ser carinhosa”, contou. “Além dos gastos mensais,
a família ainda tinha que mandar dinheiro para vivermos”, acrescentou.
A jovem paulista também caiu na
conversa de Fábio, conforme diz, e guardou uma foto dele no arquivo do seu
celular. Com 1,72m de altura, reconhece ter acreditado no suposto agente de
modelos. “Não o vi batendo em ninguém, mas havia grande pressão emocional.
Comigo, ele não conseguiu nada.”
MEDO
Na tarde de quinta-feira, a
reportagem do Estado de Minas conversou com o proprietário do imóvel alugado
pelo suspeito, um advogado que não quer se identificar. Ele disse que está
colaborando com as investigações e que entregou o contrato de locação à polícia.
“Se soubesse que estava acontecendo isso, jamais teria alugado o casarão. Se
ele for culpado, que pague pelo que cometeu”, afirmou. O proprietário não
informou se o locatário estava devendo aluguel, como suspeita o presidente do
Conselho Tutelar.
No Bairro Jardim Alvorada, onde
fica o casarão, vizinhos dizem que nunca perceberam nada de errado. “Só tinha
muito carro aí na porta, de vez em quando”, diz uma moradora. Dona de uma banca
de jornais no Centro de Alfenas, Domingas de Souza se mostra horrorizada. “E
isso tudo perto da minha casa. A gente não imagina isso numa cidade
universitária”, resumiu. A amiga Hilda Maria Flores também está preocupada,
pois tem duas filhas. “A gente fica com medo”, comentou.
O EM tentou contato com o acusado
em alguns números de telefone, mas não obteve sucesso. Ele também não foi
encontrado no casarão do Jardim Alvorada.
Entrevista
Adolescente paranaense de 17 anos
agenciada por Fábio Fernandes dos Santos
‘Ele dizia que, se eu fosse
carinhosa com ele, as portas se abririam para mim’
Por que você continuou na casa,
mesmo diante dessa situação que as meninas enfrentavam?
Porque não desisto do meu sonho.
Ele dizia que, se eu fosse carinhosa com ele, as portas se abririam para minha
carreira.
Você fez sexo com ele?
Ele foi ao meu quarto duas vezes.
E aconteceu. Não usou preservativo.
E agora? Quais são seus planos
Passou. Vou continuar tentando.
Fonte: Estado de Minas
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