A proposta de reforma da
Previdência enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional conhecida como PEC
287 tem consequências muito mais profundas e dramáticas do que o trabalhador
pode imaginar.
Trata-se de uma verdadeira transformação
na forma como a sociedade brasileira decide se organizar a partir da
Constituição Cidadã de 1988. Em resumo, pretende-se acabar com uma organização
social em que todos, e com o amparo do Estado, se responsabilizam por garantias
mínimas de vida, inclusive e principalmente em momentos mais delicados, como na
velhice.
O termo “reforma” nem se quer é
adequado para a proposta do governo Temer. O que se pretende é o fim da
previdência pública, quase a sua destruição, na medida em que estão propostos
pré-requisitos tão rígidos e descolados da realidade brasileira que, se
aprovada a proposta, a aposentadoria no Brasil passaria a ser uma ilusão, um
alvo inatingível para a grande maioria da população.
As instituições financeiras serão
beneficiadas. Apenas o anúncio da proposta de reforma da previdência já gerou
resultados expressivos para os bancos, na medida em que já embutiu nas pessoas
o temor do esvaziamento da previdência pública e aumentou a tendência de compra
de planos de previdência privada como alternativa.
Em 2016 o resultado do Bradesco
com seguros e previdência chegou a R$ 33 bilhões, com alta de 103%. No Itaú o
resultado desta área cresceu 40% e atingiu a cifra de R$ 18,6 bilhões. Eles esperam
que ela gere alguns bilhões de reais a mais nos cofres destas instituições.
Essa reforma trará sérios
prejuízos a toda a sociedade brasileira:
1) Torna quase impossível
aposentadoria integral – A proposta é de extinção total da aposentadoria por tempo
de contribuição. Existiria apenas aposentadoria por idade e a exigência de
idade mínima passaria a ser de 65 anos para todas as pessoas, homens e
mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, além da necessidade de ter realizado
no mínimo 25 anos de contribuição, ou seja, um total de 300 contribuições.
O mercado de trabalho no Brasil é
caracterizado por elevada rotatividade e informalidade e, nesse contexto,
conseguir realizar número tão elevado de contribuições é para poucos. E mesmo
quem conseguir cumprir esses dois requisitos (65 anos e 25 anos de
contribuição) irá receber apenas 76% do seu salário de benefício, percentual
muito inferior às regras atuais.
Para obter o benefício integral
será exigido o mínimo de 49 anos de contribuição! E com as características que
já citamos do mercado de trabalho brasileiro as pessoas conseguem fazer em
média 9,1 contribuições a cada 12 meses, tornando necessário esperar 64,6 anos
depois de iniciar a vida no trabalho para completar o correspondente a 49 anos
de contribuições. Isso significa que alguém que tenha começado trabalhar aos 16
anos de idade só conseguirá ter aposentadoria integral perto dos 81 anos.
2) Aumenta a exclusão feminina e
os casos de violência contra a mulher – Para as mulheres a proposta é ainda pior.
Sob o falso argumento de que a estaria acabando com “distorções” ao propor a
mesma idade de aposentadoria para homens e mulheres o que se propõe na verdade
é acabar com mecanismo que visa compensar minimamente as mulheres pelas
inúmeras injustiças que sofrem ao longo de sua vida profissional.
A regra diferenciada de idade
reconhece o preconceito de gênero que ocorre no trabalho, a baixa participação
dos homens nas atividades domésticas, a dupla e/ou tripla jornada das mulheres,
e busca recompensá-las pelo sobrecarga de trabalho. Na categoria bancária, as
mulheres ocupam 49% do total de postos de trabalho e recebem, em média,
salários 23% menores que os dos homens.
Essa realidade é ainda mais
injusta quando se observa que as mulheres bancárias têm escolaridade maior que
a dos bancários. 80% das bancárias têm nível superior completo, enquanto entre
os homens esse percentual cai para 74%. Tal desigualdade é fruto de uma
sociedade machista e sem cultura de relações compartilhadas e faz com que as
contribuições das mulheres à previdência social sejam mais instáveis e
consequentemente a maioria das mulheres hoje se aposenta por idade em função da
dificuldade de acumular tempo de contribuição.
Além disso, as mulheres têm taxa
de desemprego mais elevada e salários inferiores. Com a PEC 287, a previdência
ao invés de compensar vai apenas reforçar a extrema desigualdade do mercado de
trabalho, provocando o aumento da miséria feminina, aumentando a dependência
financeira das mesmas e, consequentemente, a violência contra as mulheres.
3) Aumento da miséria na
população – A PEC 287 ainda propõe reduzir o valor das pensões por morte e do
Benefício de Prestação Continuada (BPC) para patamares inferiores ao Salário
Mínimo. Uma viúva ou um viúvo pode chegar a receber apenas 60% do salário
mínimo.
No caso das pensões do Regime
Geral da Previdência Social sabemos que hoje 55% correspondem ao salário
mínimo. Hoje, o BPC garante a transferência de um salário mínimo à pessoa
idosa, com 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência de qualquer idade, em
situação de pobreza (renda mensal familiar per capita é inferior a ¼ do salário
mínimo).
A PEC 287 desvincula o BPC do
Salário Mínimo e aumenta a idade mínima para o idoso receber dos atuais 65 para
70 anos. Atualmente, 86% dos idosos têm
proteção na velhice e apenas 10% estão em condição de pobreza.
4) Aumenta a evasão escolar, fome
e criminalidade – Sem a Previdência pública, mais de 70% dos idosos estariam na
pobreza extrema. Além disso, muitas famílias têm na aposentadoria a sua
principal fonte de renda e a destruição desse mecanismo terá consequências
devastadoras como a evasão escolar, pois os jovens terão que trabalhar mais
cedo para complementar a renda familiar, o aumento da fome, da desnutrição, e
mesmo da criminalidade.
5) Promove a falta de alimentos
na mesa, com o desmonte no campo – A aposentadoria rural será drasticamente
reduzida, dificultando a permanência no campo, aumentando o êxodo rural e todos
os problemas urbanos que o acompanham como a falta de moradia digna para todos.
Com menos pessoas trabalhando no campo, a produção de alimentos será reduzida.
6) Promove impacto na economia –
Do ponto de vista da dinâmica econômica haverá consequências graves também. Os
benefícios previdenciários representam ao menos 25% do PIB municipal em pelo
menos 500 municípios brasileiros. Esse percentual chega a 60% do PIB em
diversas cidades nos estados da Bahia, Minas Gerais e Piauí. O impacto que as
aposentadorias geram na economia de tais regiões movimentando os pequenos comércios,
por exemplo, será minado pela PEC 287, gerando uma espiral de queda da
atividade, do emprego, da renda, gerando ainda mais pobreza.
Diante desse cenário, precisamos
fazer uma reflexão dos motivos que levam um governo a propor a quase destruição
de um sistema de seguridade social tão importante para dezenas de milhões de
pessoas e quem ganha com essa proposta. É bom lembrar que em 2012 quando o
então governo Dilma tentou reduzir as taxas de juros no Brasil para incentivar
o crédito, representantes de bancos disseram que o crédito tinha pouco espaço
para crescer e que os resultados destas instituições financeiras passariam a
ser cada vez mais apoiados nas áreas de seguros e previdência privada.
Este sim um “mercado” altamente
promissor na visão dos banqueiros. Para que os bancos possam ocupar esse
“mercado” e ampliar a venda de previdência privada é preciso destruir a
previdência pública, reduzir drasticamente seu valor, tornar as regras de
acesso praticamente impossíveis de serem atingidas e fazer as pessoas
desacreditarem do sistema. Só assim, totalmente desamparadas elas se sentirão
encorajadas a consumir planos de previdência privada.
Em um país em que quase 60% da
população economicamente ativa tem renda de ate dois salários mínimos e mais
11% não tem rendimento, quantas pessoas terão condições de poupar recursos para
investir em planos de previdência privada? Quantas estarão sem nenhuma proteção
na velhice?
Essas perguntas não cabem dentro
do modelo de sociedade do salve-se quem puder. A solidariedade é um valor que
nos guia e a hora de nos mobilizarmos contra a proposta de destruição da
previdência pública é agora, ou então em breve veremos mais alguns bilhões de
reais entrando nos cofres dos bancos a custa de muitos milhões de pessoas em
situação de pobreza no país.
Por Juvândia Moreira ( formada em
direito e pós-graduada em política e relações internacionais. Está à frente da
presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região desde
2010).
Fonte : Carta Capital
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