Entre os segmentos da classe mais
afetados pelas medidas do projeto da reforma, estão as mulheres. Encampar a
luta contra a reforma é também defender um projeto feminista diante da crise.
As mulheres, que figuram como protagonistas das recentes resistências país afora,
sem dúvida têm motivos para encabeçar a batalha que vem com o processo de
aprovação da PEC da Aposentadoria.
Por: Carolina Freitas
A seguir exponho alguns pontos
que demonstram concretamente o porquê a Reforma da Previdência atinge
violentamente os setores femininos:
Fixação da idade mínima de 65 anos para homens e mulheres
Sob o pretexto de que mulheres, em média, tem
uma expectativa de vida maior (sete anos a mais) do que os homens, a
padronização da idade mínima é o carro-chefe do projeto. Isto significa que as
mulheres, em empregos urbanos, trabalharão mais cinco anos (hoje a idade mínima
é de 60 anos); se forem servidoras públicas ou trabalhadoras rurais,
trabalharão mais dez anos; se forem professoras da educação básica, trabalharão
mais quinze anos[1]!
O projeto omite o trabalho doméstico socialmente realizado pelas
mulheres
O projeto que orientou, no
período da redemocratização no Brasil, a diferenciação da idade mínima de
aposentadoria para mulheres e homens, considerou, como política de equidade, a
realidade de que mulheres são submetidas a muito mais horas de trabalho
doméstico não remunerado (manutenção da casa e socialização dos menores) do que
os homens e por essa razão foi reconhecido o direito feminino à idade mínima
mais baixa.
Dados do PNAD (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios) de 2014 apontam que 88% das mulheres ocupadas com
mais de 16 anos realizam trabalhos domésticos, enquanto que, em relação aos
homens, a estatística é de 46%. As mulheres trabalham, de modo não remunerado,
mais que o dobro dos homens quando os dados são medidos pela jornada semanal
média: 20,6 horas por semana lavando, passando, limpando, cozinhando, cuidando
de filhos, enquanto a população masculina gasta 9,8 horas em média para as
mesmas tarefas. A soma da jornada de trabalho pago com a jornada de trabalho
não pago entre as mulheres é de 56,4 horas por semana; ao mesmo tempo, a dos
homens é aproximadamente cinco horas menor.
Isto significa, portanto, uma
realidade oposta às agitações que os entusiastas da Reforma vem fazendo: as
mulheres trabalham mais ao longo da vida e, mesmo aposentadas, seguem cumprindo
socialmente com as tarefas não pagas e omitidas nos orçamentos do Estado.
O projeto ignora que mulheres são mais mal remuneradas
A reforma da previdência torna
ainda mais aguda a realidade de discriminação salarial. As mulheres inseridas
no mercado formal de trabalho têm renda mensal, em média, que corresponde a 75%
da renda masculina. No mercado informal de trabalho o cenário é ainda mais
drástico: a renda das mulheres é de 65% da dos homens. A mulher tem renda
menor, trabalha mais e terá mais dificuldades de se aposentar!
As mulheres negras seguem sendo submetidas à escravização contemporânea
As mulheres negras, a quem foram impostos
séculos de escravização na história brasileira e a quem sistemicamente são
relegados os piores e mais precarizados postos de trabalho no mercado, como o
emprego doméstico, mal perceberam o avanço mínimo da recente mudança na
legislação trabalhista e já terão que arcar com as consequências drásticas da
reforma.
Quase 6 milhões de mulheres são
empregadas domésticas no Brasil (92% do setor) e mais da metade delas são
negras. Entre as mulheres negras que trabalham, 17% são contratadas no serviço
doméstico. A PEC que reconhece a relação de emprego é de 2015 e parece que, em
prática, terá alcance encurtado pela Reforma, para além do obstáculo da
tradição escravocrata que persiste em contrariar o novo reconhecimento que
equipara os direitos do emprego formal.
Até 2014, aproximadamente 70% das
empregadas não tinham carteira assinada, obstruindo assim seu direito à
aposentadoria. Muitas domésticas comecem a trabalhar ainda quando meninas (aos
12, 13 anos de idade), uma vida inteira de trabalho duro e altamente
desvalorizado, cheio de sequelas físicas e psicológicas. Mas isto não será o
bastante para que se aposentem antes dos 65 anos com a nova fixação da idade
mínima, e ainda terão que contribuir com a previdência necessariamente durante
25 anos, superando, portanto, a cultura racista e sistêmica de não
reconhecimento dos seus direitos ligados à carteira assinada.
Os trabalhos informais e precários têm rosto de mulher
Segundo dados do Censo IBGE de
2010, a taxa de formalização do emprego entre as mulheres é menor do que a dos
homens. Entre 2000 e 2010, houve um crescimento de 9,2% da formalização do
trabalho masculino e apenas 6,6% do trabalho feminino. Isso significa um
crescimento menor entre as mulheres da proporção daquelas que contribuem com a
Previdência Social.
A diferença é gritante não apenas
entre homens e mulheres, mas também entre trabalhadoras negras e brancas: no
mesmo estudo, observa-se que 58,4% das trabalhadoras brancas têm carteira assinada
e apenas 40,2% das trabalhadoras negras estão na mesma condição. De novo, a
chefia do lar, as obrigações familiares e domésticas e a baixa renda, são
motivos que levam às pobres e negras a se submeterem a postos de trabalho
precários, informais e mais rotativos.
Penalização das professoras da educação básica contra as orientações
internacionais
As mulheres ocupam cerca de 80%
das vagas de professores da educação básica no Brasil. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) reconhece o direito à aposentadoria especial a esta categoria pelo
desgaste físico e psicológico inerente à profissão e agravado pelas condições
do sistema público de educação. O ataque à educação por meio das reformas
educacionais e do seu desmonte e abertura à iniciativa privada vai ao encontro
da reforma da previdência e da reforma trabalhista para provocar uma verdadeira
explosão das condições mínimas de trabalho das mulheres professoras, que terão
de trabalhar 15 anos mais para se desligarem da lida desgastante das escolas.
Imaginem só como será o estado de saúde de professoras (mães, esposas, chefes
de família) trabalhando até os 65 anos em sala de aula!
Que os capitalistas paguem pela crise! Nenhum direito a menos para as
mulheres!
O governo, para justificar a
reforma, diz que é necessário deter o “rombo” enorme que a Previdência Social
representa no orçamento público. O problema é que sistematicamente esquece de
falar do “elefante branco” do pagamento de juros e amortização da dívida
pública. Enquanto cerca de 18% do orçamento geral da União é destinado à
despesa previdenciária, impressionantes 47% são usados para a dívida (o
equivalente a 3 trilhões de reais!).
Jogando nas costas do povo as
contas do ajuste, o governo Temer retrocede violentamente no direito das
mulheres pobres e trabalhadoras. Num contexto mundial de levantes e
mobilizações feministas, a conjuntura nacional vai requerer de nós, mulheres
lutadoras, a inspiração e a força de nossas companheiras ao redor do mundo para
incendiar os interesses brancos e patriarcais do capitalismo neoliberal.
[1] Hoje, pelo Regime Geral da
Previdência Social, as trabalhadoras urbanas se aposentam com idade mínima de
60 anos e 30 anos de contribuição, enquanto os homens se aposentam com 65 anos
e 35 anos de contribuição; as servidoras públicas e trabalhadoras rurais se
aposentam com idade mínima de 55 anos e 30 anos de contribuição, enquanto os
homens se aposentam com 60 anos e 35 anos de contribuição; as professoras da
educação básica se aposentam com idade mínima de 50 anos e 25 anos de contribuição,
enquanto os homens se aposentam com 55 anos e 30 anos de contribuição.
Fonte: Esquerda Online
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