"Terra de ninguém", os
grupos de WhatsApp detonam e expõem mulheres por fotos e montagens. (Foto:
Vanessa Tamires)
Como se não bastasse a violência
doméstica, com as redes sociais a mulher sofre com a virtual. "Terra de
ninguém", os grupos de WhatsApp detonam e expõem mulheres por fotos e
montagens. Os integrantes? A maioria "amigos" e que acham que o que
estão repassando, não passa de uma brincadeira.
Há algumas semanas a personagem
dessa história foi surpreendida com uma conversa pelo chefe. Ele a chamou numa
segunda de manhã e mostrou o que recebeu de várias pessoas. "Era a minha
foto com um meme que fizeram. Estava escrito o nome de uma pessoa dizendo
assim, 'você está assistindo jogo, enquanto eu aqui sozinha'", conta. A
foto foi retirada do Instagram da jovem onde ela aparece de biquini, dentro da
piscina, com uma taça de champagne.
"Só aparece da cintura para
cima e ainda dentro d'água. A hora que ele me mostrou, eu fiquei tão sem graça.
Não sabia se eu chorava, fiquei sem saber o que fazer", lembra. Numa
conversa com amigos, comentaram com ela a existência de grupos de WhatsApp que
faziam esse tipo de "brincadeira".
"Era uma coisa interna desse
grupo e diz que quem tinha feito ficou muito bravo, porque vazaram a foto. Meu
chefe disse que mais de uma pessoa mostrou".
No contexto, a vítima elenca
vários fatores que causam revolta. A começar por quem fez a foto, quem divulgou
e fez questão de ainda mostrar ao chefe dela. "Me chateou muito, me senti
lesada, vulnerável, exposta, ferida. A gente não sabe o que fazem pelas nossas
costas. Isso foi uma das coisas que vi. A gente não sabe se tem muito pior e
ninguém está livre disso. Não tem como fugir, é questão de consciência".
Psicóloga esclarece que
brincadeira é só quando os 2 lados se divertem. (Foto: Fernando Antunes)
O Lado B foi ouvir o "outro
lado". Um integrante que faz parte do grupo de onde saiu a fotomontagem da
personagem. De início, o rapaz conta que faz parte de vários grupos de WhatsApp
onde os homens trocam fotos, vídeos e piadas. "É um zoando o outro. Às
vezes aparece uma montagem, só no intuito de ficar entre a gente, mas acaba
vazando".
Quando questionado se aquilo era
uma 'brincadeira', ele responde que brincadeiras têm de ter limites, mas que a
confiança entre eles é muito grande. "A gente tem um pacto de que tudo o
que fala no grupo, fica no grupo. O problema é que não tem a garantia de que
não vai vazar. Mas poucas vezes tem coisa de fora, é só dos integrantes
mesmo", descreve.
A preocupação dele não é pela
montagem, mas sim de ter vazado para outras pessoas a "brincadeira".
"Aquilo não é uma montagem, é um print. Printaram e mandaram, era coisa
entre a gente só. Se é violência? É né. Mas para a gente, na verdade, era uma
brincadeira, só que você não tem a real noção do que pode acontecer. Podia ser
minha mãe, irmã, namorada", admite.
Defensora explica que caso pode
gerar pedido de indenização por danos morais. (Foto: Fernando Antunes)
No gancho da fala do integrante,
a psicóloga do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da
Mulher), da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, Keila de Oliveira
Antônio, explica que a questão não é nem colocar a família ou namorada no
lugar. "Você não deve fazer isso com ninguém. Não é pensar que podia ser
sua filha, namorada. Não. É não fazer isso com ninguém", afirma.
A "brincadeira", que no
texto usamos entre aspas, não leva este nome e a psicóloga explica o porquê:
"Brincadeira é quando as duas partes se divertem. Se uma não está, não é
uma brincadeira. Qual é o limite dessa brincadeira? As partes estão gostando?
Permitindo?" questiona Keila.
O fato, na visão da Defensoria, é
uma violência contra à mulher e à sua intimidade. "É uma forma de
violência sim, é exploração da imagem dela como se fosse um objeto. É uma
imagem que ela não permitiu a divulgação, ainda mais se acrescentando um
conteúdo machista", frisa a defensora Graziele Carra Dias Ocáriz.
A legislação brasileira, segundo
o órgão, ainda é falha e não contempla crimes de internet. Aos poucos, novas
leis como da Carolina Dieckman, estão responsabilizando tais crimes. "É
preciso ter a consciência de não encaminhar essa imagem, as punições ainda são
na esfera civil, mas ela pode entrar com ação por danos morais, indenização e
se sofrer represália no emprego, por exemplo, danos materiais", completa
Graziele.
A Constituição prevê a
privacidade de imagem. O que responde a perguntas como "quem mandou tirar
a foto? Quem mandou postar?"
"A gente vive num país
machista ainda, mas ela tem o direito de imagem e isso é o uso indevido. Estão
violando esse direito e querendo colocar, de novo, a culpa na vítima. Daqui a
pouco eu não vou ter mais o direito de postar uma foto, porque vou estar me
expondo?"
Fonte: http://www.campograndenews.com.br/
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