De acordo com a pesquisa, presas grávidas ou em fase de amamentação deveriam aguardar seu julgamento em liberdade ou cumprindo prisão domiciliar, evitando danos à saúde das crianças. Crédito: Aparecidanet
Em meio ao debate sobre a redução
da maioridade penal, a pesquisa "Dar à luz na sombra: condições atuais e
possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação
de prisão”, da série Pensando o Direito, lança luzes sobre a situação de
vulnerabilidade vivida no sistema prisional por mulheres mães e grávidas no
Brasil.
Coordenado pelas professoras
Bruna Angotti, antropóloga e professora de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, e por Ana Gabriela Mendes Braga, doutora em
Criminologia e professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a pesquisa
aponta deficiências e encaminhamentos para que o Estado possa formular políticas
e garantir que não haja a ruptura dos laços familiares.
Foi constatado, por exemplo, que
"grande parte das mulheres presas é provisória e poderia não estar
aguardando julgamento em penitenciárias”. Ao final, são apresentadas mais de 30
propostas, que buscam garantir os direitos humanos dessas mulheres através de
"desencarceramento, convivência familiar e fluxo do sistema de justiça”.
As professoras Bruna Angotti, da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, e Ana Gabriela Mendes Braga, da Unesp,
coordenaram pesquisa que apresenta as violações contra o direito à maternidade
das presas no Brasil. Crédito: Governo do Estado de Rondônia
Entre as histórias de vida
encontradas, está a da mãe que teria sua filha encaminhada a um abrigo, pois a
justiça não havia encontrado seus familiares. "Ela mantinha a mala com as
coisas da filha arrumada, pois esta poderia ir embora a qualquer momento. Na
mala, colocou uma cartinha direcionada às cuidadoras do abrigo, na qual narrava
os hábitos e a personalidade da bebê”.
Ainda, os direitos humanos das
pessoas em privação de liberdade não deveriam ser vistos como bandeira
política, mas como obediência a um rol de direitos garantidos na Constituição
brasileira. "Bandeiras voltadas ao recrudescimento da justiça criminal são
eleitoreiras e ganham o eleitor pelo culto ao medo e o discurso punitivo,
porém, são sempre ineficazes no que diz respeito à diminuição da criminalidade
e ao aumento da segurança pública”, defendem as pesquisadoras.
Confira a entrevista concedida
com exclusividade à Adital pelas autoras da pesquisa, Bruna Angotti e Ana
Gabriela Mendes Braga.
Adital: Quais os principais
resultados obtidos com a pesquisa? De que forma esses dados poderão ajudar o
governo brasileiro a formular políticas públicas mais adequadas a essas
mulheres?
A pesquisa, dentre tantas outras
constatações, nos permitiu verificar que muito pouco da previsão legal voltada
ao exercício de maternidade nas prisões brasileiras é cumprido. Também foi
possível identificar que grande parte das mulheres presas é provisória e
poderia não estar aguardando julgamento em penitenciárias, mas, sim, em
liberdade provisória ou cumprindo medida cautelar de prisão domiciliar. A
pesquisa "Dar à luz na sombra” foi realizada com financiamento do Ministério
da Justiça e do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], com o objetivo
central de identificar os gargalos no exercício de maternidade por mulheres em
situação de prisão, para, justamente, produzir dados para auxiliá-los na
proposição de políticas. Foram feitas ao todo 30 propostas, que tratam de
desencarceramento, convivência familiar e fluxo do sistema de justiça.
Apontamos em cada proposta as possibilidades de encaminhamento destas na esfera
do Poder Executivo, destacando quais tratam de recomendação de implementação ou
alteração de lei em vigor; projeto de lei que esteja em tramitação; ou de
elaboração de política pública.
A pesquisa obteve as informações
através de entrevistas formais e informais. Durante a preparação, quais os
critérios para as perguntas, o que vocês pretendiam descobrir? Houve mudanças
no decorrer da pesquisa diante de constatações feitas?
Os principais objetivos das
entrevistas com as mulheres em privação de liberdade eram os de ouvir as
mulheres gestantes e mães em situação de prisão, identificando suas percepções
com relação aos espaços voltados para o exercício da maternidade e o cuidado
com as crianças, bem como suas expectativas com relação à convivência e o
cuidado para com os filhos. Já a escolha por entrevistar especialistas
(militantes pelos direitos das mulheres presas, em especial, membros do Grupo
de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas GET- Mulheres; integrantes do
Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo;
estudiosas de temas relacionados ao aprisionamento feminino; gestoras
executivas e membros de comissões em prol da mulher encarcerada, e uma
"especialista na prática”, ou seja, ex-detenta que vivenciou duas
gravidezes e dois partos no ambiente prisional) foi essencial como fonte de
denúncias, propostas e reflexões advindas da experiência de anos trabalhando
com a temática.
A pesquisa foi conduzida em realidades
diferentes do nosso país, como entre os estados do Paraná e do Ceará, Bahia e
Minas Gerais. Quais as melhores e piores realidades encontradas, e por quê?
Não podemos falar em
"melhor” e "pior”, pois há espaços com políticas acertadas em
determinados aspectos, mas ruins em outros. O Instituto Penal Feminino (IPF) do
Ceará foi a unidade melhor organizada que visitamos. A presença da Defensoria
Pública na unidade prisional faz toda a diferença para a garantia de acesso à
justiça - ainda que não dê conta da totalidade das demandas. No entanto, a
creche que abriga puérperas e gestantes, que fica ao lado da unidade prisional
mencionada, não é "modelo”, uma vez que há um isolamento muito grande das
mulheres com os bebês, o que é negativo. No Rio de Janeiro, há a experiência da
Unidade Materno-Infantil, que é organizada mais pela perspectiva da saúde e
menos pelos paradigmas de segurança, o que faz com que seja um ambiente voltado
para o cuidado de bebês e mães, com corpo técnico especializado, menos rígido e
mais adequado ao exercício da maternidade. A experiência na Cadeia Púbica de
Franca, no interior de São Paulo, permitiu verificarmos o aprisionamento em uma
unidade provisória, com precárias estruturas para o abrigamento de mulheres. As
condições materiais desse espaço eram realmente distantes da previsão legal.
O que diz a Constituição nacional
e as normas internacionais quanto ao direito à maternidade nas prisões? O
Brasil vem garantindo os direitos sexuais e reprodutivos dessas mulheres? Há
acesso à saúde, seja essa física ou psicológica?
No plano internacional, em
dezembro de 2010, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)
aprovou as regras mínimas para tratamento da mulher presa e medidas não
privativas de liberdade para as mulheres em conflito com a lei, as chamadas
Regras de Bangkok. Já no âmbito nacional, houve, recentemente, três importantes
modificações legislativas, no sentido de garantir o exercício de maternidade
pela reclusa: a Lei nº 12.962/14, que regula o convívio entre pais em situação
de prisão e suas filhas e filhos; a Lei nº 11.942/09, que assegura às mães
reclusas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência ao exercício da
maternidade; e, por fim, a Lei nº 12.403/11, que estendeu às gestantes e mães o
direito à prisão domiciliar, em substituição à prisão preventiva. Ainda tivemos
a importante Resolução nº 3, do Conselho de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP), de 15 de julho de 2009, que disciplina a situação de filhas e filhos
de mulheres encarceradas e institui o prazo mínimo de um ano e seis meses para
que suas crianças permaneçam consigo. Para informações detalhadas ver página 29
a 34 da pesquisa
(http://participacao.mj.gov.br/pensandoodireito/wp-content/uploads/2015/03/Ana-Gabriela_pronto_baixa_resolu%C3%A7%C3%A3o_web.pdf).
Normas nacionais e internacionais
garantem o direito à maternidade a mulheres em situação de privação de
liberdade; as crianças não podem ser punidas pelos crimes cometidos pelos pais.
Crédito: Defensoria Pública do estado do Amazonas.
Como é ser mãe na prisão? Como
essas mulheres driblam as dificuldades e o pouco tempo para educarem seus
filhos? Qual o melhor modelo para remediar os problemas decorrentes do cárcere
para o desenvolvimento das crianças?
O melhor exercício de maternidade
sempre ocorrerá fora do espaço prisional. Dessa forma, consideramos a
maternidade na prisão situação não ideal. Por mais que haja espaços com
melhores estruturas do que outros, não há um lugar ideal, pois o ideal é estar
fora do ambiente prisional. Em casos de condenação e de necessidade de
cumprimento da pena na prisão, é fundamental que o Estado garanta o espaço
adequado para exercício da maternidade, que não institucionalize a criança e
não isole a mãe ainda mais. Também é importante garantir que as mulheres que
estejam trabalhando e recebendo remição da pena continuem a recebê-la. Por fim,
é fundamental que haja garantia de autonomia para as mulheres e que estas
possam decidir como querem cuidar de seus bebês, não sendo submetidas às regras
da direção no que diz respeito ao tratamento e cuidado com as crianças.
Dentre os depoimentos observados
nas entrevistas, houve algum que lhe marcou pessoalmente como mulher? Explique.
Vários. Houve um caso que
impactou a equipe, de uma mãe que teria a filha encaminhada ao abrigo, pois
seus parentes não haviam sido localizados. Ela mantinha a mala com as coisas da
filha arrumada, pois esta poderia ir embora a qualquer momento. Na mala,
colocou uma cartinha direcionada às cuidadoras do abrigo, na qual narrava os
hábitos e a personalidade da bebê, com a esperança de que a filha recebesse um
tratamento individualizado no abrigo e que as cuidadoras compreendessem seu
choro pela "saudade que ela pode sentir da mãe”. Essa entrevistada nos
disse que todo o dia acordava com medo de ser o dia de levarem sua filha, uma
vez que não há agendamento prévio da data de retirada da criança. Mas este é um
dentre vários que são narrados na pesquisa.
A pesquisa procurou analisar a
maternidade nas prisões pelo viés dos direitos humanos, uma visão oposta à dos
que acreditam na opressão como forma de ensinar. Crédito: JusBrasil
A política brasileira, em
especial o Congresso Nacional, vive dias muito conservadores. Em que esse
contexto pode atrapalhar as garantias individuais dessas mulheres? O que você
argumentaria contra os políticos que se dizem contra os "direitos humanos
de bandidos”?
Todos nós somos sujeitos de
direitos e temos um rol de direitos fundamentais garantidos em lei. Independentemente
de termos cometido delitos, sermos de diferentes etnias e grupos, dos nossos
posicionamentos políticos diversos, somos sujeitos de direitos. Quando uma
pessoa vai presa ela perde alguns direitos, como o de ir e vir, de votar e ser
votado e à liberdade. No entanto, não perde a condição de sujeito e, portanto,
devem ter os demais direitos garantidos. Ademais, o fato de estar sob a tutela
do Estado, que tem o monopólio do uso da força, a coloca em situação
vulnerável, longe dos olhos daqueles que "vigiam” o Estado, que, por
vezes, extrapola o seu arbítrio, violando direitos. Em especial no que diz
respeito às pessoas em situação de prisão, propor restringir seus direitos é
desconhecer a situação precária do aprisionamento no Brasil, bem como legislar
contra a Constituição Federal. Bandeiras voltadas ao recrudescimento da justiça
criminal são eleitoreiras e ganham o eleitor pelo culto ao medo e o discurso
punitivo, porém, são sempre ineficazes no que diz respeito à diminuição da
criminalidade e ao aumento da segurança pública. Os projetos de leis que visam
ao recrudescimento penal ignoram pesquisas criminológicas de qualidade, sendo
construídos com apelo ao senso comum, sem qualquer embasamento
teórico/empírico. Assim, qualquer política/Lei construída dessa forma
representa um retrocesso na luta pela democracia e efetivação de direitos.
Fonte: (Paulo Emanuel Lopes) ADITAL.
Nenhum comentário:
Postar um comentário