O antes e depois da bailarina brasileira Ângela Souza, à
esquerda; e da atriz pornô norte-americana Christy Mack, que recorreram às
redes sociais para expor suas versão dos fatos: primeira agressão raramente é
denunciada
O perfil da atriz Christy Mack no Twitter, sempre usado para
divulgar os shows, eventos e filmes adultos estrelados pela modelo
norte-americana, mudou de tom nas últimas semanas. Christy postou fotos do
rosto desfigurado e das marcas do espancamento que quebrou 18 ossos, rompeu o
fígado e estraçalhou seus dentes. As lesões teriam sido causadas por seu
ex-namorado, o ator pornô e lutador de MMA Jon Koppenhaver, que mudou legalmente
o nome para War Machine em 2008. As imagens, chocantes, despertaram reações
diferentes entre os seguidores: alguns manifestaram solidariedade e apoio;
outros disseram que ela “mereceu”.
Machine está preso e vai responder por mais de 30 crimes,
entre eles o de tentativa de homicídio. As 32 acusações incluem ainda agressão
sexual, espancamento, coerção, impedir ou dissuadir uma vítima de relatar um
crime e sequestro em primeiro grau. Após a primeira audiência diante da corte,
no último dia 3, ele foi colocado diante da possibilidade de ser condenado à
prisão perpétua. A próxima audiência será em 17 de outubro. Para os fãs do
lutador, é uma injustiça. Christy foi fotografada 15 dias após o ataque saindo
de uma sorveteria e a foto gerou uma nova onda de insultos. Vários seguidores
de War Machine a acusaram de ter ‘exagerado as lesões’ e ter ‘se recuperado
rápido demais’.
Acusações semelhantes recebeu Ângela Souza, bailarina
agredida na última sexta-feira (5) pelo ex-BBB Yuri Fernandes. Segundo alguns
internautas, ela teria usado maquiagem para simular o olho roxo, mesmo depois
de ter passado por exame de corpo de delito e exigido uma medida protetiva.
Veja mais informações em ‘Personagem da Notícia’, logo abaixo.
A atitude de Christy e de Ângela – divulgar o fato
publicamente – foi alvo também de elogios. “Obrigada, Christy Mack, por nos
mostrar a verdadeira face da violência doméstica”, escreveu Laura Bates,
colunista do jornal britânico ‘The Guardian’ e fundadora do projeto “Sexismo do
dia a dia”, que reúne mais de 10 mil depoimentos sobre experiências de
desigualdade de gênero. Qualquer mulher pode acessar a plataforma e deixar seu
texto.
Por outro lado, analistas de segurança pública apontaram
que, embora a ação possa motivar um debate saudável, a exposição nas redes
sociais poderia incentivar novos ataques do agressor, reforçar a culpabilização
da vítima, e até mesmo abrir brecha para processos judiciais.
A delegada Elizabeth de Freitas, da Delegacia de Mulheres de
Belo Horizonte, bate na tecla de que a primeira coisa a ser feita, diante de
uma situação de agressão dentro de casa, é procurar a polícia. Se possível,
preservando as provas. “A denúncia deve ser feita após o primeiro ato de
agressão. Só assim é possível quebrar o ciclo da violência”, afirma.
“Ele já havia me batido outras vezes, mas nunca dessa
maneira. Ele pegou o meu telefone e cancelou todos os meus compromissos para a
semana seguinte, para certificar-se de que ninguém iria se preocupar com o meu
paradeiro. Ele disse que ia me estuprar… Depois de me bater mais algumas vezes,
me deixou no chão sangrando e tremendo. Saiu do quarto e foi até a cozinha,
onde eu podia ouvi-lo mexendo nas minhas gavetas. Supondo que ele estava
procurando uma faca e um modo mais eficiente de acabar com minha vida, corri
para a porta dos fundos. Bati nas casas vizinhas, nua e com medo. Finalmente,
alguém atendeu a porta e me levou para o hospital.” Relato de Christy Mack no
Twitter.
Elizabeth pondera também que as redes sociais podem ser
acessadas por qualquer um, com muita facilidade. “Uma pessoa que está em
situação de violência deve evitar informar onde está, com quem está, deve
restringir o alcance das informações sobre sua vida pessoal e sua rotina. O
agressor pode utilizar-se desses meios para chegar até a vítima”, alerta.
Elizabeth acredita que a atitude de Christy, por ser
incomum, contribui para uma discussão – tanto positiva quanto negativa. “Foi
uma escolha dela fazer essa publicação e não nos cabe julgá-la. Mas o que ajuda
a acabar com esse tipo de violência é a denúncia ao órgão policial, que vai
acolhê-la e realizar todos os procedimentos para solucionar o crime e,
principalmente, para responsabilizar o agressor pelo seus atos”, reforça.
ONDE DENUNCIAR
Delegacia de Mulheres
Rua Aimorés, 3.005 – Barro Preto (31) 3291-2931
Casa de Direitos Humanos
Avenida Amazonas, 588 (atendimento 24 horas)
Armadilha psicológica
Christy Mack tem 23 anos. War Machine, 33. Ângela tem 26 e
Yuri, 28. Jovens e conhecidos nas áreas em que atuam, essas histórias mostram,
de forma cruel, que a violência doméstica não escolhe idade ou classe social.
Também não escolhe profissão ou etnia. Um estudo envolvendo 7.443 mulheres
atendidas em clínicas de primeiros socorros nos EUA relatou que as mulheres
brancas revelavam abuso com uma frequência de 8,9%. No caso das
afronorte-americanas e hispânicas, respectivamente, essa frequência foi de 6% e
5,3%. Outro estudo constatou que médicos e estudantes de medicina eram tão
propensos a serem vítimas de violência doméstica quanto os membros da população
em geral, assim como adolescentes e idosos. Em uma amostragem aleatória de 370
mulheres com idade igual ou superior a 65 anos, constatou-se que 3,5% haviam
sofrido violência por parte de um parceiro íntimo nos últimos cinco anos.
De acordo com a a superintendente da Coordenadoria de
Proteção à Mulher em Situação de Violência Doméstica Familiar do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargadora Evangelina Castilho Duarte, a
situação aqui não é tão diferente. “Homens violentos existem em qualquer classe
social”, afirma a desembargadora, ao constatar que parte considerável dos
relatos de agressões vem de famílias ricas – cerca de 30% dos casos registrados
nos bairros recordistas de BH envolvem vítimas de classe média ou média-alta.
Em Belo Horizonte, pelo menos 1,8 mil novos processos
referentes a agressões contra mulheres chegam mensalmente para julgamento, o
que levou o TJMG a instalar, em agosto, a quarta vara criminal especializada em
julgar crimes relacionados à Lei Maria da Penha. Quarenta e quatro mil casos
que aguardam apreciação serão redistribuídos às quatro varas. Outras
iniciativas são o serviço de atendimento ao homem agressor – a reincidência é
de apenas 1% entre aqueles que buscam ajuda – e também a criação do programa
“Justiça vai à escola – Chega de violência”. “Vamos conscientizar o menino
adolescente de que ele é igual à menina, que um não pode agredir o outro e que
deve haver respeito. A partir dessa construção é que vamos conseguir diminuir
esse tipo de violência”, acredita a desembargadora. Clique aqui para saber
mais.
Dois pesos, duas
medidas
O fato de Christy Mack ser atriz pornô, no entanto, fez com
que sua decisão de expor a agressão tivesse um custo alto, com xingamentos e
ofensas que faziam referência à sua profissão, repetidamente. “Bem-feito. Uma
pessoa que se aproveita do pecado e da luxúria para ganhar dinheiro não poderia
esperar outra coisa”, diz um dos comentários mais brandos. Por outro lado, a
revelação já motivou também uma campanha de arrecadação financeira para cobrir
as despesas médicas, além da doação de cirurgias plásticas e de tratamento
odontológico.
“Enquanto Mackinday estava estirada no chão do banheiro,
depois de apanhar diversas vezes no rosto, Koppenhaver disse que ‘aquela vagina
era dele, e que ia tomá-la de volta agora mesmo’. Koppenhaver então a violentou
sexualmente com as mãos.” Trecho do relatório policial que registrou a
ocorrência.
O advogado de War Machine, Brandon Sua, afirmou que o
lutador estava sendo demonizado pela mídia. Enquanto ainda era considerado
foragido, Machine disse, também no twitter, que era inocente, um “bom homem”
que “precisou lutar por sua vida”. O irmão dele declarou em entrevista que
Machine teria agido em legítima defesa, porque Christy Mack o teria atacado com
uma faca. “Meu cliente não é um monstro, é um bom rapaz. A coisa mais difícil
para ele está sendo ver as reações da mídia, do público. As declarações foram
ouvidas apenas de um lado”, disse o advogado.
Apesar desses protestos, Machine foi incluído na lista dos
“Dez maiores safados do mundo esporte”, compilada pela Revista GQ, ao lado do
ciclista condenado por dopping Lance Armstrong e do empresário do UFC Dana
White, acusado de dar o calote em alguns lutadores e vender uma imagem que não
corresponde à realidade da modalidade.
Scott Coker, presidente da Bellator, também emitiu uma
declaração, descolando a imagem da empresa de promoção de MMA da figura de War
Machine: “Temos uma política de tolerância zero no que se refere a qualquer
forma de violência doméstica. Depois de sermos informados do mais recente
incidente envolvendo Jon Koppenhaver/War Machine, a Bellator está liberando-o
de seu contrato promocional com a organização”. Machine já havia sido detido,
em 2009, após acusações criminais de violência doméstica.
Na última sexta-feira (5), o ex-BBB Yuri Fernandes foi
detido em Maceió (AL) por agredir a namorada, a bailarina do Faustão Ângela
Sousa. De acordo com informações concedidas pela Delegacia da Mulher de
Alagoas, para onde o casal foi encaminhado, o lutador foi preso em flagrante
após funcionários do hotel em que os dois estavam hospedados chamarem a
polícia. Depois de voltarem de uma festa, Yuri estaria alcoolizado e teria
partido para cima da namorada.
Os funcionários ouviram gritos e ligaram para o quarto, mas
o casal teria afirmado que estava tudo bem. Segundo a Delegacia, no início da
manhã, a bailarina voltou a fazer contato com a recepção do hotel pedindo
ajuda. Ângela estaria com hematomas no rosto e fortes dores na barriga,
decorrentes da agressão do namorado, que é lutador de MMA e Muay Thai.
Fernandes foi preso em flagrante, sem direito à fiança. A delegada da mulher
Fabiana Leão confirmou que houve agressão também por parte de Ângela. A
bailarina foi ouvida e liberada em seguida, após fazer o pedido de uma medida
protetiva.
Ângela manifestou-se publicamente no último sábado (6).
“Aprendi com esse episódio que um aperto mais forte ou um esbarrão proposital
também são agressões. Ninguém imagina quando vai acontecer, ninguém está livre
de acontecimentos inesperados, tampouco vindo de partes que você ‘confia’.
Precisei passar por tudo para aprender…mas aprendi (…) Reparei que receber um
soco no olho vindo de trás de você, enquanto está agachada chorando, não é
legítima defesa. Tão pouco um pisão nas costas enquanto se está caída no chão.
A diferença de força entre um homem e uma mulher é óbvia. Isso qualquer um
sabe…Principalmente vinda de um lutador que usa o que aprendeu no ringue em
casa. E só quem esta sentindo as dores por ter sido surpreendida com um chute
‘frontal’ na barriga ao levantar da cama, sou eu. Mesmo sendo em menor
intensidade. Com tudo não sinto mágoa, raiva, pena, etc… Anulei automaticamente
parte dos meus sentimentos. Exaltei o amor próprio (mesmo que tardio). Sinto
orgulho de mim! Em meio a isso só consigo desprezar pensamentos para um ser
humano que se afunda na própria ignorância. Veja bem: leigo é quem não sabe,
ignorante é quem não quer aprender. Por fim em meio a alegações de legítima
defesa e chutes imaginários, fico com a hombridade, dignidade e segurança de
estar sendo leal a mim, a lei dos homens e a Deus, que é o mais importante. Não
desejo mal a ninguém, penso que tudo que vai, volta. Me reservo apenas o
direito de ter direitos. Acredito que Deus tem um propósito para cada um. E
talvez de mim saiam forças que possam encorajar aquelas que pensam duas vezes
para denunciar seus agressores. Nenhuma violência é justificada. Homem/mulher,
homem/animal, homem/criança, e por aí vai. Preciso agradecer por todas as
mensagens, todas mesmo! As de carinho que me alimentam e fortalecem e as
grosseiras que lhes obrigarão a repensar seus atos e assim enchem meu coração
por não sermos iguais. #Amém #NãoSintaVergonha #LeiMariaDaPenha #Denuncie
#ContraAviolênciaDoméstica #coragem #NãoSomosSacoDePancada #DeuséJusto
#DeusNaFrente”.
Yuri negou a agressão em comunicado oficial. “Diante de
algumas matérias publicadas nesta manhã, acerca da detenção do empresário Yuri
Fernandes em um hotel em Maceió, por supostamente ter agredido sua namorada,
Angela Sousa, o mesmo vem declarar, por intermédio de seus advogados, que os
acontecimentos da última noite não ocorreram da forma veiculada. Realmente
houve uma discussão entre o casal, motivada por uma crise de ciúmes de sua
namorada, mas em momento algum houve agressão física por parte dele. Ele apenas
a conteve, no intuito de evitar que ela se machucasse em razão do seu estado
emocional”.
O ex-BBB foi liberado no fim de semana, após assinar um termo
de compromisso que determina distância de 100 metros da bailarina e que não
tente entrar em contato com ela ou com qualquer pessoa da família da moça. Caso
as medidas protetivas sejam descumpridas, ele pagará uma multa de R$ 20 mil.
Assim como no caso de Christy Mack, Ângela foi acusada de
‘produzir’ o olho roxo com maquiagem e de exagerar as agressões do ex-namorado.
Aproximação – adianta
fechar os olhos? Por que a primeira agressão nunca é denunciada?
A imagem de uma mulher espancada no Twitter aproxima e torna
mais ‘real’ uma questão que geralmente queremos fingir que não existe. Os
comentários mostram, mais uma vez, que a necessidade de conscientizar a
sociedade sobre a violência de gênero nunca foi tão grande. Mas porque existe a
tendência em ignorar o problema? “A sociedade patriarcal e o pensamento
machista sempre colocaram o homem na posição de provedor da casa e detentor do
poder, enquanto a mulher é reduzida a funções reprodutoras e submissas. Ainda
hoje, uma mulher que ocupar o mesmo cargo que um funcionário homem vai ganhar
um salário menor. E até pouco tempo, nem havia a possibilidade de denúncia. A
violência doméstica era, até certo ponto, considerada uma parte ‘natural’ da
vida cotidiana”, afirma a psicóloga Fernanda Seabra, especialista em Terapia
Familiar Sistêmica.
Mas há outros motivos, mais íntimos: a influência do poder e
do ciúme na relação e o histórico familiar de cada um. “Toda pessoa que sofreu
violência em casa vai perpetuar isso? Não. Mas, na maioria dos casos de
agressões domésticas, o agressor tem histórico de abuso físico, psicológico ou
moral na família. Pais que agridem os filhos são quase sempre crianças que
foram agredidas e se sentiram rejeitadas ou abandonadas. Nas relações amorosas,
o agressor transfere esse mecanismo para o ciúme, geralmente. A mulher não pode
olhar para o lado, sair com as amigas, ter interesses. Só ele tem direito ao
‘poder’. A mulher que é agredida vai ficando cada vez mais envergonhada e
impotente, sem autoestima”, diagnostica Fernanda.
São raros, portanto, os casos em que a denúncia acontece
depois da primeira agressão, ainda que haja mais facilidade e incentivo
atualmente. “Essa dinâmica é afetada pelo tipo de ‘contrato’ estabelecido entre
as partes – se são namorados, se são casados, ou ainda se têm marido/esposa e
mantêm amantes. Mas está vinculada também a pessoas que não aprenderam a lidar
com a frustração, a rejeição e a separação, desde a infância. São egocêntricas,
arrogantes, têm baixa tolerância ao ‘não’ e têm nível de narcisismo exagerado”,
explica Fernanda Seabra. Entre essas pessoas, estão os psicopatas e sociopatas,
por exemplo, mas não necessariamente quem agride uma mulher é portador de um
desses distúrbios.
Em uma relação como essa, uma das partes quer levar
vantagem, quer ser ‘servido’. “Tem mais a ver com posse, poder e dependência do
que com amor. Quando Jon Koppenhaver diz que aquela vagina é dele, ele quer
afastar outros machos, não demonstrar que ama”, salienta. De acordo com
Fernanda, entretanto, para quem está vivendo essa relação, ouvir o pedido de
desculpas e o ‘eu te amo’ supostamente arrependido, que vem depois das brigas,
alimenta o ciclo de dependência e co-dependência. “A pessoa acredita que não
consegue viver de outra maneira, acredita que ama. E não denuncia. A impunidade,
por sua vez, alimenta a possibilidade de agressão. Não há tranquilidade, troca
e parceria, e mesmo assim os integrantes do casal não veem saída”, explica a
psicóloga.
Fernanda não ignora a existência de mulheres que também
agridem os homens e tomam atitudes escandalosas para assediar moralmente um
ex-companheiro ou atual companheiro, seja por ciúme ou por não aceitar o fim do
relacionamento. Mas lembra que a imposição física é feita pelo sexo masculino.
“É muito perigoso estabelecer quem é a vítima e quem é o algoz nas relações.
Casais que atendemos dentro da terapia sistêmica demonstram formas de
comunicação que podem ser ‘enlouquecedoras’, confusas. Quem vem de uma história
de relações de dependência na família vai, muitas vezes, buscar alguém que possa
alimentar esse vício”, pondera.
Fernanda aponta que as desculpas para manter o
relacionamento são muitas. Se muitas vezes não há mais aquela dependência
financeira, que prendia as mulheres em casa no século passado, há os filhos, a
família que vai julgar, os conceitos religiosos e a vergonha. O sofrimento
psíquico, o medo e a angústia levam à depressão e à incapacitação no trabalho,
fazendo com que a mulher se sinta ainda menos valorizada, sem saída. “É o
típico raciocínio do ‘ruim com ele, pior sem ele’. Uma pessoa muito submissa
revela problemas de autoestima que remontam às suas primeiras experiências
afetivas. Ela nunca tem direitos, só deveres. São empobrecidas afetivamente,
convivem com o desamor e a perda da qualidade de vida. Daí a extrema
importância de que esses aspectos sejam trabalhados ainda na infância e na
adolescência”, ensina a especialista.
Silêncio
E quando a agressão não deixa marcas visíveis? “A violência
psicológica, da chantagem, da humilhação, do uso do parceiro como objeto sexual
pode doer mais do que a física. Com o agravante de que é silenciosa. É uma
pressão interna, sutil – se eu contar isso para alguém, quem vai acreditar em
mim?”, exemplifica Fernanda.
A psicóloga reforça a necessidade de se buscar um
tratamento, sob pena de que as consequências de uma relação tóxica se tornem
crônicas. A mulher pode continuar buscando parceiros com o mesmo perfil, ou
pode se fechar e desistir dos relacionamentos amorosos, por exemplo. “Isso
acontece por medo ou incapacidade de se sentir mulher e de se sentir amada, por
medo de nunca ser boa o suficiente. As consequências vão da depressão crônica
até à visão estigmatizada dos homens. Quando essa mulher tem um filho, corre o
risco de passar essa imagem estigmatizada para ele também”, salienta.
Fernanda Seabra lembra que esse tipo de comportamento pode
aparecer nas relações em que um é ‘carcereiro’ do outro. O futebol com os
amigos incomoda; o cinema com as amigas incomoda, tudo tem que contar com a
autorização do outro. “São relações tóxicas, que não dão espaço a sonhos e aspirações
individuais”, destaca.
No caso de Christy Mack, que decidiu divulgar as fotos,
Fernanda Seabra faz uma crítica. Mas não à atriz. “Se houvesse um apoio penal e
jurídico mais eficiente, ela não precisaria ter feito isso. Ela soube usar a
fama a seu favor, mas não é toda mulher que terá essa possibilidade. A denúncia
na rede social faz refletir – as mulheres não devem ser agredidas nunca –, mas
nossa orientação é também de que, além da denúncia, elas busquem psicólogos,
advogados e líderes religiosos, se for o caso. Qualquer ajuda que traga
conforto e forças, mas que não as deixe ficar em silêncio”, alerta.
Não faltam exemplos de que nem sempre o sistema de proteção
à mulher agredida consegue evitar as tragédias. Mulher que tinha medida
protetiva é agredida por ex-companheiro, Ex-namorado que matou estudante de
medicina em MG descumpriu medida protetiva são casos recentes. O jornal Estado
de Minas também destacou esse problema agora em setembro, na matéria Proteção
para mulheres vítimas de violência é lenta em BH, clique aqui para ler.
Coisas ou pessoas?
A especialista reforça que outro sinal de perigo nas
relações afetivas é quando o outro se torna uma coisa. “Na relação de
dependência, a pessoa não se sente forte o suficiente para sair desse ciclo.
Além de ficar na ilusão de que o outro vai mudar, passa a acreditar que não
vale muito mais do que um objeto. Passa a se ver mesmo como uma simples
propriedade”, define Fernanda.
Apesar de ser um assunto muito delicado, a terapeuta lembra
que, do ponto de vista psicológico, os dois têm sua parcela de
responsabilidade. Ficar calada é uma forma de contribuir para a repetição da
agressão. “Há um comunicação dupla, entre quem aprendeu que ’quem ama, bate’ e
quem aprendeu que o outro deve servi-lo. São escolhas inconscientes, histórias
que se atravessam. A verdadeira coragem é refletir: ‘o que eu faço que alimenta
esse comportamento’? ‘Eu mereço isso?’. Só essa reflexão supera a sensação de
medo e a impotência, enfrenta a preocupação com o julgamento da sociedade e
permite sair da passividade”, salienta a psicóloga.
Segundo ela, a agressividade, em si, não é ruim. “Ela nos
protege de várias coisas, nos livra da passividade. E mesmo o fato de muitos
agressores serem lutadores não necessariamente os levou à agressão. Artes
marciais exigem disciplina e foco, não agressividade. É muito mais provável que
o problema seja a falta de amadurecimento das emoções, a baixa tolerância à
frustração e os excessos – bebidas e drogas, por exemplo”, orienta. “Como
terapeuta de casais, percebo que não se pode avaliar os fatores psicológicos
sozinhos, e sim o encontro das histórias de cada um. A disfunção é da relação;
e não só do homem. Na nossa sociedade, no entanto, temos o agravante de que,
culturalmente, a mulher é educada para ser submissa e o homem para ser
predador. Isso contribui para que as discussões entre os casais virem caso de
polícia”, conclui a especialista.
O que mudou com a Lei
Maria da Penha? Câmara analisa proposta que pune violência doméstica com mais
rapidez
O que mudou com a Lei Maria da Penha? “Mudou a
credibilidade. Mais mulheres acreditam, hoje, que devem procurar a Delegacia de
Mulheres, um órgão que vai recebê-las prontamente, com profissionais
capacitados e atendimento 24 horas. Antes, esses casos eram tratados na vala
comum, como qualquer outro crime de agressão. Hoje, a partir da denúncia, há a
possibilidade de prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária,
monitoramento eletrônico com tornozeleiras e medidas protetivas, dependendo de
cada caso. O que mudou, principalmente, foi a crença na efetividade da lei e na
responsabilização do agressor”, afirma a delegada Elizabeth de Freitas.
Apesar dos avanços trazidos com as punições impostas pela
Lei Maria da Penha, aprovada há oito anos, os crimes cometidos dentro de casa
ainda atingem mais de 100 mil mulheres por ano no Brasil. No Congresso, várias
propostas modificam a legislação para aumentar a punição. Entre elas, está a
que determina que o Ministério Público e o juiz analisem, imediatamente, se há
elementos para decretar a prisão preventiva de agressores de mulheres.
O projeto foi proposto pela Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI) que analisou a Violência Contra a Mulher, concluída em 2013,
com o objetivo de reduzir os prazos de acionamento das autoridades nos casos de
violência doméstica. Cabe à mulher agredida pedir uma medida protetiva que a
afaste do agressor. Essa medida pode culminar na prisão preventiva. Com a
mudança na lei proposta pelo Senado, o processo pode se tornar mais ágil e
evitar que a mulher fique exposta ao mesmo agressor por muito tempo.
Nos Estados Unidos, o Congresso aprovou a Lei da Violência
contra as Mulheres em 1994, que criou o Escritório para a Violência contra as
Mulheres no Departamento da Justiça. O escritório ajudou comunidades e
municípios com assistência financeira e técnica enquanto desenvolviam
programas, políticas e práticas “com o objetivo de pôr fim à violência
doméstica, violência no namoro, agressão sexual, incluindo assistência jurídica
para as vítimas, melhoria dos tribunais e formação para as forças da lei e para
os tribunais.” As estatísticas mostraram que, entre 1993 e 2010, o número de
mulheres mortas por um parceiro íntimo diminuiu em cerca de 30%. E as taxas
anuais de violência doméstica contra as mulheres caíram em cerca de dois
terços.
Fonte: http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/09/09/noticia_saudeplena,150221/mulheres-superam-a-vergonha-e-mostram-a-cara-da-agressao-por-que-e-ta.shtml
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