Pense rápido: na sua casa, quem é responsável por cozinhar?
E por lavar a louça? E passar a roupa? E varrer o chão? E cuidar das crianças?
E dos idosos?
Se a primeira pessoa que surgiu na sua cabeça foi uma mulher
— pode ser você mesma —, sua resposta está de acordo com a grande maioria dos
lares brasileiros.
Uma pesquisa recente do SOS Corpo – Instituto Feminista para
a Democracia junto com os Institutos Patrícia Galvão e DataPopular revelou que
98% das mulheres que trabalham fora sentem-se como as principais responsáveis
pelas tarefas domésticas. Agora, os resultados obtidos nessa enquete,
divulgados no início do ano, serão lançados como livro junto com textos
analíticos.
O material tinha acabado de sair da gráfica em São Paulo, na
semana passada, quando conversei com Maria Betânia Ávila, do SOS Corpo, sediada
no Recife. “Os dados nacionais reforçam que a divisão sexual do trabalho
continua profundamente desigual. As mulheres estão no mercado de trabalho, mas
os homens não estão no trabalho doméstico”, comenta.
“Uma outra questão é que quando os homens estão em casa eles
aumentam as tarefas de trabalho das mulheres”, aponta Betânia. O uso do tempo
também aparece como uma das problemáticas: 70% das mulheres sentem falta de
mais tempo no seu dia-a-dia, seja para cuidar de si, para ficar com a família
ou para se divertir e descansar. “A principal atividade de lazer para 49% das
mulheres é a novela”, diz.
Na entrevista abaixo, a pesquisadora fala sobre esse e
outros resultados relevantes e aponta a necessidade de “desnaturalizar a
divisão das tarefas domésticas”. A pesquisa “Trabalho remunerado e trabalho
doméstico no cotidiano das mulheres” foi realizada na forma quantitativa em
nove capitais e regiões metropolitanas e no Distrito Federal —Belém, Fortaleza,
Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e
Recife. Nas duas últimas a pesquisa também foi qualitativa.
Se você quiser testar como anda a divisão de tarefas na sua
casa, acesse um desdobramento da pesquisa aqui. O resultado pode ser bem
deprimente, já aviso, mas também revelador.
CartaCapital: Como foi feita a pesquisa que deu origem ao livro?
A pesquisa foi quantitativa e também grupos com um recorte
quantitavo em 9 capitais do país. Há dados mais gerais e outros que mostram
alguns aspectos de como essa relação acontece no cotidiano. Os dados corroboram
outros anteriores: as mulheres se declaram majoritariamente responsáveis pelo
trabalho doméstico. A pesquisa revela também que os homens estão
minoritariamente no trabalho doméstico. Quando o fazem é como um apoio, em
tarefas muito específicas. As tarefas consideradas imprescindíveis, no ritmo
que o trabalho doméstico exige, não há essa prática dos homens.
CartaCapital: O homem ajuda, mas não participa.
Não participa. Uma outra questão que a pesquisa traz é que
quando os homens estão em casa eles aumentam as tarefas de trabalho das
mulheres. Aumentam a demanda do trabalho doméstico ou que então atrapalham sua
realização. É interessante ver que há uma consciência crítica das mulheres
sobre o uso do tempo. Aparece um índice bastante significativo das mulheres que
falam de falta de tempo para elas, o que é um dado bastante significativo e que
não aparecia em pesquisas anteriores porque dos problemas do trabalho doméstico
é essa naturalização, como se fosse uma coisa intrínseca das mulheres Em
relação a esse tempo, 70% das mulheres sentem falta de mais tempo no seu
dia-a-dia. Dessas, 58% dizem que falta um tempo para cuidar delas. Também falta
tempo para ficar com a família, para se divertir, para descansar. A principal
atividade de lazer para 49% das mulheres é a novela. A pesquisa mostra’também
que os trajetos entre o trabalho remunerado e a casa, com toda a questão do
transporte urbano, agregam-se ainda mais às dificuldades do cotidiano. Os
deslocamentos aumentam muito o tempo da jornada de trabalho.
CartaCapital: E como elas encaram essas jornadas de trabalho?
Elas consideram que o trabalho remunerado é importante na
vida delas e que o trabalho dos homens, segundo 73%, não é mais importante do
que o delas. Mas há também contradições. Uma parte das mulheres nas faixas
salarias de até 1 salário mínimo, ou seja, que estão nos trabalhos mais
precários, se pudessem deixavam de trabalhar. É um índice pequeno, mas existe.
Na pesquisa qualitativa, mostra que manter o trabalho remunerado e o não
remunerado é um esforço de vida muito grande para 75% dessas mulheres. A
pesquisa mostra ainda a importância do estudo. Há um sentimento de muita perda
entre as que não puderam continuar estudando, o que se reflete numa outra coisa
muito interessante, que é o investimento dessas mulheres para que seus filhos e
filhas estudem para que possam alcançar uma outra qualidade de vida e outras
possibilidades profissionais.
CartaCapital: Quais políticas públicas poderiam ser propostas para
reverter tamanha desigualdade?
Hoje existe uma articulação dos movimentos de mulheres,
feministas e de trabalhadoras no sentido de demandas de políticas públicas que
venham dar suporte a esse conflito cotidiano na vida das mulheres. As
principais políticas públicas que elas reivindicam são saúde, transporte e
creche. No que diz respeito à saúde, elas são as responsáveis de levar as
pessoas da família para os postos de saúde. A espera e a dificuldade de
marcação da consulta agrega exigência de tempo para as tarefas reprodutivas. A
questão da melhoria do serviço de saúde e da forma do acesso é para que isso
não reverta em maior dificuldade de tempo. Ela não incide diretamente como
política na relação trabalho produtivo/reprodutivo, mas da maneira como o
sistema funciona acrescenta à elas uma carga que torna o cotidiano muito mais
complicado. O transporte público, claro, porque a maioria das mulheres depende
dele, e os longos trajetos. As mulheres moram longe de seus locais de trabalho.
E a outra é a questão da creche, de que as mulheres precisam de locais para
deixar os filhos e filhas.
Acesse no site de origem: Você sabe como anda a divisão das
tarefas domésticas na sua casa? (Blog Território de Maíra/Carta Capital,
25/04/2014)
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