"De um lado, as moças do Femen, organização nascida na
Ucrânia, de orientação "sextremista". No cocuruto de uma estátua, em
frente a uma mesquita, na Praça São Pedro, em Roma, ou num estúdio de TV, elas
tiram a blusa com a velocidade do raio. E mostram os seios, em protesto pela
opressão feminina. Do outro lado, alistam-se as seguidoras do Islã tradicional,
milhares de adeptas dos jihabs e niqabs, decididas a não baixar a guarda. Juram
por tudo que é sagrado, e aqui não se trata de força de expressão, que jamais
serão subjugadas por feministas etnocêntricas, degradadas e por aí vai."
por Laura Greenhalgh
E a briga entre as ativistas do peito
aberto e as muçulmanas defensoras dos véus? Que embate... De um lado, as moças
do Femen, organização nascida na Ucrânia, de orientação
"sextremista". No cocuruto de uma estátua, em frente a uma mesquita,
na Praça São Pedro, em Roma, ou num estúdio de TV, elas tiram a blusa com a
velocidade do raio. E mostram os seios, em protesto pela opressão feminina. Do
outro lado, alistam-se as seguidoras do Islã tradicional, milhares de adeptas
dos jihabs e niqabs, decididas a não baixar a guarda. Juram por tudo que é
sagrado, e aqui não se trata de força de expressão, que jamais serão subjugadas
por feministas etnocêntricas, degradadas e por aí vai.
Os dois exércitos se engalfinham desde o mês passado, quando
uma jovem da Tunísia, Amina Tyler, de 19 anos, postou na internet fotos nua da
cintura para cima, com slogans sobre os seios: "my body is my own"
(conhecido bordão feminista) ou "f*ck your morals" (empunhando um
cigarrinho). Antes que acendesse outro, a batata já assava na Comissão de
Promoção da Virtude, órgão do regime tunisiano que zela pela orientação moral e
religiosa da população. Almi Adel, à frente da comissão, decretou que Amina
deveria ser punida segundo o código da sharia, merecendo 80 a 100 chibatadas
para começar e apedrejamento até a morte para completar o serviço. Mas, como
estava de bom humor naquele dia, ordenou que ela fosse recolhida a um hospital
psiquiátrico, "para se curar".
As louras do Femen (parecem primas da Sharapova)
endiabraram. Lançaram o Topless Jihad Day, com o alerta de que muitas
muçulmanas irão se despir nos próximos tempos. A jihad pipoca na Europa.
Aleksandra Shevchenko, líder "femenista", foi presa dias atrás ao
literalmente peitar a polícia alemã diante da chanceler Angela Merkel e do
presidente russo Vladimir Putin (este só perde para Berlusconi, "o
bastardo", no ódio das ativistas). Muçulmanas dão o troco. Propagam o
Muslimah Pride Day, sucesso no Facebook, e a campanha Muslim Women Against
Femen.
Para quem não vive com seios à mostra nem se cobre com uma
barraca de camping para ir ao supermercado, o embate parece bizarro. Mas não é.
O Femen nasceu denunciando o turismo sexual na Ucrânia, depois incorporou a
crítica ao patriarcado. Tal como o poeta, a organização sacou que beleza é
fundamental... à causa. Suas ativistas são jovens, esbeltas, usam guirlandas de
flores na cabeça, como fadinhas, e chutam os genitais da polícia, com coturnos.
Têm a noção do espetáculo quando presas por atentado à ordem pública, delito do
qual se safam. Só que Amina corre risco: passou por testes de virgindade, está
sob vigilância da comissão e sua família tornou-se alvo do desprezo social. Com
uma rebeldia tão pulsante quanto seus hormônios, Amina foi recrutada por
"femenistas" de Paris.
É interessante ver a reação ao Femen. Nas redes sociais,
muçulmanas defendem o corpo da mulher sob a veste tradicional - "my hijab,
my choice, my dignity", postou uma delas. Outras dizem que não precisam
ser salvas por feministas colonizadas, "agentes da guerra ideológica que
dissemina a islamofobia no mundo". São defendidas por homens que as chamam
de "irmãs" - "go and stay strong, sisters". Na região de
Khar, no Paquistão, um ermo habitado por radicais e drones, a muçulmana Badam
Zari ousa disputar um cargo político. Tem o apoio do marido, a estupefação da
tribo e uma torcida que vem de longe. Aonde isso vai dar? Sabe-se lá. Porém, na
gritaria da internet, mundos distantes se confrontam. Convicções arraigadas,
idem. E tudo se passa no campo das representações do feminino. Terá sido sempre
assim?
Guerreiras, virgens, sacerdotisas, feiticeiras, parece que a
humanidade caminha atada às nossas vestes. Em 1995, em meio à balbúrdia da
Conferência da ONU para Mulheres, na China, me vi frente a frente com uma
intelectual saudita, coberta dos pés à cabeça. Nunca tinha estado com alguém
naqueles trajes. Manifestei interesse jornalístico e propus que conversássemos.
A acadêmica teve um surto. Disse que estava farta das feministas, da
conferência, dos chineses e, me encarando com o único naco descoberto do corpo,
perguntou: "Sabe qual é a diferença entre nós duas? Eu sou feliz".
Deu as costas, deslocando no ar a pesada massa de panos. Senti o baque. Mas
logo saí caminhando pelas ruas de Beijing, de bem com a minha felicidade
imperfeita.
Fonte: Estado de S. Paulo
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