A transformação do corpo da mulher como um produto vendável
em comerciais e programas de televisão reflete claramente os valores da cultura
patriarcal que vivemos, em que o corpo, a mente e as decisões das mulheres são
objetos de controle frequentes.
Circula na web nos últimos dias a imagem da gravação do
programa Pânico, que contou com a participação da apresentadora Nicole Bahls
e gerou polêmica e espanto por boa parte d@s internautas.
A imagem mostra Gerald Thomas, diretor de teatro, tentando
enfiar as mãos por dentro do vestido de Nicole durante uma entrevista. O claro
desconforto de Nicole, no entanto, não foi suficiente para que se interrompesse
a gravação. Esta ausência de reação por partes das pessoas que participavam da
gravação reflete aspectos de uma cultura perigosamente comum: a cultura do
estupro.
A palavra estupro pode ser considerada forte para alguns,
mas a conduta está prevista no Código Penal Brasileiro. De acordo com redação
do art. 213 do CPB temos: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,
a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso”. Pela expressão “ato libidinoso” estão contidos todos os atos
de natureza sexual, que não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer
a libido do agente.
Quando atos como esses, que infelizmente são comuns, acontecem
as primeiras manifestações que são vistas são de que a mulher contribuiu de
alguma forma para o ocorrido. No caso de Nicole, e sua posição de “PaniCat”, as
alegações são ainda mais cruéis. “Ela estava pedindo” ou “Ela merece” são comentários
comuns nas redes sociais quando na verdade se sabe que a culpa pelas agressões
nunca é da vítima, mas sim do agressor. O maior exemplo disso foi a justificativa
que Gerald Thomas deu para seu ato: “a mulher não é um objeto. Mas não deveria
se apresentar como tal”.
A mídia, que reproduz em muito de seus canais de comunicação
a cultura machista que vivenciamos, aborda a situação com naturalidade. A transformação
do corpo da mulher como um produto vendável em comerciais e programas de televisão
reflete claramente os valores da cultura patriarcal que vivemos, em que o
corpo, a mente e as decisões das mulheres são objetos de controle frequentes. A
propagação dessa cultura dá sustentação aos argumentos absurdos de que a violência
deve ter sido provocada pela vítima. Infelizmente, esta inversão de culpa acaba
por transformar homens em seres irracionais preparados para o ataque e mulheres
em seres submissos, tendo que esconder suas expressões, seja na vestimenta, seja
nos seus atos, para que não sejam considerados um convite ao estupro.
Em um estudo realizado com universitários americanos e publicados
no livro Body Wars, Margo Paine expõe que 30% dos entrevistados responderam que
estuprariam caso não houvesse consequências legais; 8% revelaram já ter estuprado
ou tentado estuprar, e 83% concordaram com a expressão “algumas mulheres estão
pedindo para ser estupradas”.
Dados como esse revelam que essa naturalização que ensina os
homens atacar também gera consequências sérias nas vidas das mulheres. A naturalização
do assédio que as mulheres sofrem faz com que muitas restrinjam suas liberdades
em prol de uma falsa sensação de segurança. E a restrição aparece em orientações
como não sair de casa a noite, não vestir determinados tipos de roupa, não
andar sozinha por determinadas localidades.
A cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil¹. E
você? Até quando vai se submeter a uma cultura de violência?
Fonte: Agência Patrícia Galvão
* Jéssica Barbosa é da equipe de Direitos das Mulheres, da
ActionAid e o texto fez parte da rede Activista Brasil, rede colaborativa de
jovens ativistas engajados na luta pelo fim da pobreza.
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