terça-feira, 16 de abril de 2013

As mulheres estão mais vulneráveis a agressões sexuais no Brasil?


A cada hora, dez mulheres foram vítimas de violência no Brasil em 2012.
A brutal agressão contra a turista, que ganhou manchetes em vários jornais no mundo, assim como a falha na investigação anterior aconteceram num momento crítico para a segurança pública no Brasil. Os casos de violência sexual contra mulheres parecem ter crescido nas maiores capitais do país, nos últimos três anos.


O telefone da chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Martha Rocha, tocou na madrugada do dia 30 de março, sábado. Só podia ser má notícia. Com a voz pausada, o delegado Alexandre Braga, da Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat), contou que uma turista estrangeira fora estuprada por três homens dentro de uma van clandestina de transporte público, na qual ela embarcara em Copacabana horas antes. Seu namorado, também estrangeiro, fora algemado à poltrona do carro e agredido com uma barra de ferro. Em menos de 24 horas, dois estupradores já estavam presos. A imagem de eficiência da polícia, uma boa notícia em meio a um crime grotesco, não durou muito. No domingo à noite, o delegado telefonou novamente, com uma informação vergonhosa. Uma semana antes da agressão aos turistas, outra jovem, brasileira, fora estuprada pelos mesmos criminosos, na mesma van. A brasileira recorrera à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Niterói, na região metropolitana do Rio. Martha Rocha entrou no sistema informatizado da polícia e encontrou os registros do caso da jovem. Estava tudo parado. “A Delegacia da Mulher não refez o percurso (da van), não tentou localizar câmeras (de segurança de estabelecimentos comerciais que pudessem ter flagrado o veículo)”, afirma Martha Rocha. “Não encaminhou a vítima para fazer um retrato falado.” Uma menina de 18 anos, a terceira vítima até aqui conhecida dos estupradores da van, violentada no começo de fevereiro, disse que não procurou a delegacia por vergonha.
Martha Rocha demitiu a titular da Delegacia da Mulher de Niterói, delegada Marta Ferreira Dominguez, e exonerou a perita Martha de Souza Pereira, diretora do posto do Instituto Médico-Legal (IML), onde a jovem foi obrigada a esperar quatro horas até ser examinada. “Aquela moça merecia ir para casa tomar um banho”, diz Martha Rocha. “Não tinha ainda tomado banho para preservar todo e qualquer vestígio para o exame.” A vítima de estupro é uma pessoa ferida, que o Estado não foi capaz de defender. Ao denunciar o crime, ela se expõe ao preconceito que partes da sociedade ainda impõem às vítimas desse tipo de crime. Precisa de conforto no atendimento e confiança de que o caso será resolvido. Nada disso ocorreu no caso da jovem que depôs na Delegacia da Mulher de Niterói. “O que me deixou mais triste foi que, nas duas situações, a vítima foi atendida por mulheres”, disse Martha Rocha. Ela acusa a delegada de não ter agido: “O delegado titular da Deat, que resolveu em 24 horas o caso da agressão contra a estrangeira, é um homem”. A delegada exonerada, Marta Ferreira Dominguez, disse que, por causa do feriado da Semana Santa, tivera apenas três dias para a investigação. A perita Martha Pereira, do IML, não quis comentar sua demissão. O presidente da associação dos peritos do Rio de Janeiro, Élcio Costa, disse que a demissão no IML só esconde o problema. “Vai ter de exonerar o novo diretor também”, disse. “O atendimento é esse aí. O pessoal faz o máximo.” Costa afirma que há um perito para atender 80 pessoas por dia na área de clínica médica, responsável por examinar vítimas de crimes.

A brutal agressão contra a turista, que ganhou manchetes em vários jornais no mundo, assim como a falha na investigação anterior aconteceram num momento crítico para a segurança pública no Brasil. Os casos de violência sexual contra mulheres parecem ter crescido nas maiores capitais do país, nos últimos três anos. Em São Paulo, os registros de estupro deram um salto de 32%, chegando a 3.197 no ano passado. No Rio de Janeiro, subiram 26% e alcançaram a marca de 2.005 ocorrências em 2012. Não é coisa só de bairro violento e pobre. Na Zona Sul carioca, que inclui Copacabana, onde a turista embarcou na van, foram registrados 118 casos no ano passado, alta de 45%. Os especialistas atribuem essa elevação radical das estatísticas à maior disposição das mulheres em denunciar, e não ao crescimento dos casos de violência. Mesmo assim, é inquietante.
>>A violência sexual, na qual se enquadra o estupro, é uma das formas de agressão de combate mais difíceis. As vítimas são, em 86% dos casos, mulheres, segundo o Ministério da Saúde. O estudo Mapa da Violência 2012 mostra que a maioria dos agressores é conhecida da vítima: 65% são pais, padrastos, parceiros e ex-parceiros ou amigos. “Esses números sugerem que as mulheres correm mais risco dentro de casa”, afirma Julio Jacobo, autor do estudo. Ele diz que 64% dos casos de violência sexual ocorrem em casa. O que aconteceu com a turista americana e as duas jovens brasileiras é um crime menos comum. Responde por apenas 18% das ocorrências.


MÃO FIRME
A dificuldade para enfrentar a violência sexual começa em sua própria identificação. Até 2009, o Brasil considerava estupro apenas atos forçados de penetração vaginal. Agora, o país adota uma classificação mais abrangente, que inclui sexo oral ou anal. Desde 2011, o Ministério da Saúde obriga os hospitais a notificar casos de violência sexual. Isso empurrou as estatísticas para cima. Outro fato que pode ter influenciado no crescimento das denúncias foi a entrevista da apresentadora Xuxa Meneghel ao Fantástico, em 20 de maio de 2012, contando que fora vítima de abuso sexual na infância. Depois da entrevista, o número de chamadas ao Disque-Denúncia cresceu 30% em comparação à semana anterior.

Como esse movimento de elevação das estatísticas é recente, e suas causas são nebulosas, nenhum estudioso acha seguro afirmar que os casos de estupro estão aumentando no país. Mesmo os dados internacionais são conflitantes. Num estudo citado no relatório World report on violence and health (2002), da Organização Mundial da Saúde, o Brasil pode ser considerado um país de alto risco para as mulheres. O estudo mostra que 8% das mulheres entrevistadas no Rio de Janeiro relataram ter sido vítimas de algum tipo de violência sexual nos últimos cinco anos. Segundo esse dado, o Brasil seria o país com maior frequência de casos de violência sexual entre os 20 pesquisados.

Em outro levantamento organizado pela OMS, o Who multi-country study on women’s health and domestic violence against women (2005), os números brasileiros são expressivos, mas não figuram entre os mais altos. Entre as mulheres entrevistadas em São Paulo, 10% relataram já ter sofrido alguma forma de violência sexual pelo companheiro – isso inclui relação sexual forçada, por medo de ser agredida, ou ter sido submetida a uma situação humilhante. Em Pernambuco, esse número foi 14%. Internacionalmente, os casos mais frequentes de violência sexual acontecem na Etiópia (59%), em Bangladesh (50%) e na Tailândia (30%) – mas, novamente, a Organização Mundial da Saúde sugere que a comparação de dados entre culturas tão diferentes é totalmente inadequada.

Os episódios de agressão raramente saem das sombras. A melhor maneira de combatê-los é dar tratamento exemplar aos casos que chegam ao conhecimento das autoridades – algo que a polícia do Rio de Janeiro só conseguiu fazer diante de uma vítima estrangeira.
Fonte: Revista Epoca

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