Existe um mercado negro muito grande na região, como tráfico de drogas e armas e ele está nesse patamar como um dos principais negócios dessa realidade. Historicamente o tráfico de seres humanos serviu exatamente para isso, para a acumulação de capital.
Ao longo dos 10 anos de atuação da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) mais de 100 projetos de pesquisas na
área de Infraestrutura já receberam financiamentos, por meio do Programa de
Infraestrutura para Jovens Pesquisadores – Programas Primeiros Projetos (PPP)
em três editais (2003/2006/2009).
O programa, desenvolvido em parceria com o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), consiste em apoiar a
aquisição, instalação, modernização, ampliação ou recuperação da infraestrutura
de pesquisa científica e tecnológica nas instituições públicas e particulares,
sem fins lucrativos, de Ensino Superior e/ou de pesquisa sediadas ou com
unidades permanentes no Estado de Amazonas visando dar suporte à fixação de
jovens pesquisadores e nucleação de novos grupos, em quaisquer áreas do
conhecimento.
A exemplo do sucesso da iniciativa, a pesquisa intitulada
Explotraficam, coordenada pela diretora do curso de Serviço Social da
Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e doutora em Ciências Biológicas,
Lucilene Ferreira de Melo tem a proposta de levantar dados e informações sobre
a exploração sexual e o tráfico infanto-juvenil em 12 municípios do Estado do
Amazonas.
Em entrevista exclusiva à Agência FAPEAM a professora
destaca a importância e a contribuição da pesquisa para o Estado do Amazonas.
Agência FAPEAM - Sobre o que aborda a pesquisa e por que a
escolha do tema?
Lucilene Ferreira de Melo - A pesquisa trata sobre a
exploração sexual voltada para o tráfico de pessoas com foco na criança e no
adolescente. A escolha do tema se deu pela grande questão de que o tráfico de
pessoas de seres humanos na Amazônia já está acontecendo há muito tempo, só que
ainda faltam estudos aprofundados voltados especificamente para a criança e o
adolescente. O que a gente tem são muitos estudos voltados para o tráfico de mulheres.
Então nós percebemos que existia assim uma lacuna para tratar sobre a situação
do problema nessa faixa etária. E também pelas reflexões que vinham acontecendo
em torno da temática e a Amazônia sendo foco. Nós trabalhamos muito com essa
questão e entendemos que os rios da Amazônia, as estradas, os ramais são os
principais pontos que servem de caminhos para essa questão do tráfico.
AF – Qual o objetivo da pesquisa e onde ela está sendo
realizada?
Melo – A pesquisa tem como objetivo mapear a rede de
atendimento, então é importante esclarecer que nosso foco não é exatamente a
pessoa traficada e nem quantos foram traficados. A gente parte do princípio de
que existe tráfico de seres humanos na Amazônia, porque outras pesquisas já
demonstraram isso. Então temos como finalidade caracterizar a exploração sexual
e tráfico infanto-juvenil traçando uma análise na perspectiva da cultura
amazônica e inserido na dinâmica do capital. Pretendemos disponibilizar
produções técnico científicas do trabalho de campo realizado para a
socialização das reflexões realizadas. Ela será realizada na região
metropolitana do Estado, a qual abrange 12 municípios, que são eles: Manaus,
Autazes, Careiro, Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Itapiranga,
Manacapuru, Manaquiri, Novo Airão, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva.
Todos os municípios escolhidos são entendidos como caminhos, seja via estrada
ou via fluvial de tráfico de crianças e adolescentes na Amazônia.
AF – Na sua opinião como este tema está sendo abordado/estudado
aqui no Estado do Amazonas?
Melo – O tema tráfico de seres humanos do ponto vista
teórico é visto como uma questão de acumulação de capital, ele é um grande
negócio, um grande empreendimento. Existe um mercado negro muito grande na
região, como tráfico de drogas e armas e ele está nesse patamar como um dos
principais negócios dessa realidade. Historicamente o tráfico de seres humanos
serviu exatamente para isso, para a acumulação de capital. Quando a gente fala
no sentido histórico a gente está se reportando, por exemplo, lá no início do
capitalismo, esse processo, aparentemente do ponto de vista legal, foi
transformado em crime e parece que ele foi paralisado, só que não é o que gente
vê. O que observamos, o que vivemos é que hoje em pleno século 21 ele continua
acontecendo, só que de uma outra forma, com outras nuances.
AF – Como essa pesquisa pode contribuir para o cenário
científico e para a vida dos amazônidas, principalmente dos que vivem nos
municípios escolhidos?
Melo – Um diferencial da nossa pesquisa é que as outras
pesquisas existentes elas abordam o sujeito, ou seja, a pessoa traficada, e
sobretudo as mulheres. E a nossa vem estudar melhor a forma de como a pessoa é
traficada, especificamente a criança e o adolescente. Então, espera-se com a
pesquisa a mobilização em rede de proteção e organização para a efetivação dos
direitos da infância e juventude no que tange a exploração sexual nesses
municípios atendidos. E assim, contribuir para o atendimento daquelas crianças
e adolescentes moradoras dos municípios escolhidos identificando como ela vai
ser atendida pelo sistema público. Nós temos toda uma política voltada pra
isso, já que existe uma política do Estado de atenção à essa pessoa vitimizada.
A nossa pesquisa vem justamente perceber se essa pessoa passa por essa rede e
quando ela passa como ela é atendida e se esse profissional que está atendendo
tem qualificação para esse atendimento.
AF - Como a senhora avalia a importância do apoio da FAPEAM
em pesquisas de cunho social?
Melo – O apoio da FAPEAM está sendo fundamental, primeiro
porque a gente não conseguiria fazer a pesquisa em 12 municípios se não fosse o
recurso que a Fundação disponibilizou e como os avaliadores compreenderam a
dimensão dessa questão. Nós elaboramos o projeto há quatro anos e naquele
momento o tema não estava na mídia como ele está hoje, com isso percebemos o
peso que tem uma novela, a televisão em si. Hoje o tema está muito forte e as
pessoas estão percebendo muito mais e por incrível que pareça os casos sobre a
problemática envolvendo crianças e adolescentes estão aparecendo bem, o que
antes aparecia muito focado em mulheres, na pessoa do adulto e no travesti. Não
significa que nunca existiram, significam que não eram evidenciados e também a
forma como acontece, a forma de aliciamento dessa criança e adolescente. Ela
ocorre de uma forma tão bem planejada que muitas das vezes ela acontece com a
aceitação dessa criança e adolescente, sem que ele perceba que está sendo
traficado. E isso tá sendo retratado pela ficção de forma bem clara mostrando
que a vitima se surpreende quando se depara com a realidade. E com esse apoio
não apenas o Estado ganha, mas todo mundo ganha. Pois, assim o pesquisador
consegue fazer sua pesquisa, sendo que uma pesquisa em 12 municípios não é uma
tarefa fácil, é uma pesquisa que demanda recursos, principalmente na nossa
região. O apoio, através do programa, nos possibilitou levantar as demandas e
as necessidades, pois nosso trabalho não é fazer somente crítica, mas sim
propor intervenção.
AF – Qual o papel do profissional de serviço social diante
dessa problemática aqui região?
Melo – O papel do profissional de serviço social é muito
grande porque a rede de atendimento pode ser dividida em três grandes blocos. O
primeiro o bloco é o da prevenção, que é um papel muito importante no qual o
profissional pode exercer, alertando essa criança, esse adolescente e
informando a família sobre os riscos dessa vulnerabilidade que eles têm em
relação a essa captação desse mercado negro. Depois nós temos a parte da
intervenção propriamente dita essencial, que é onde o profissional trabalha mais
diretamente e principalmente nos CREAS, que é um lugar onde o profissional
atende esse vitimizado, para isso ele tem que ter habilidade pra lidar com
essas vítimas, para que elas não sofram a famosa revitimização. Então para isso
não acontecer ele tem que está preparado e ter habilidade para lidar com isso.
E, no terceiro bloco nós temos outro processo que é exatamente da criminalidade
que é onde se responsabiliza quem cometeu
crime, é o momento onde profissional pode atuar fazendo as denúncias, as
notificações, fazer com que o ministério público seja acionado para que esse
agressor seja punido. Então nessas diferentes etapas o profissional de Serviço
Social tem papel central, e não sozinho, porque nessa rede de assistência, de
atendimento ninguém trabalha sozinho, tem sempre a atuação de profissionais de
psicologia, de direito, e de serviço social, os quais são profissionais chaves
nessa área de atuação.
Fonte: Janaina Karla – Agência FAPEAM
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